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quarta-feira, 3 de julho de 2013

Um país surreal

Não gosto muito de escrever postagens sobre a situação política, mas o que aconteceu em Portugal, a nível político é tão patético, tão surreal, que merece uma referência.
Numa pincelada rápida, o que se passou foi que segunda feira, Vitor Gaspar pede a sua demissão da pasta das Finanças numa elaborada carta enviada ao primeiro ministro. Nela não aponta uma causa directa mas farta-se de mandar pistas e não estarei muito longe da verdade se disser que a razão desse pedido de demissão assenta num somatório de pressupostos: ele já não acreditava na eficácia da sua política que falhou em todos os campos; ele tinha uma crescente oposição dentro do próprio governo, não só do outro partido da coligação, o CDS, mas de vários ministros do PSD.
Os grupos parlamentares que sustentam a coligação estão cada vez mais “rebeldes” e chegam a aprovar no Parlamento 6 medidas apresentadas pelo PS; a desconvocação da greve dos professores só foi conseguida com concessões que criam um perigoso precedente nos regimes de mobilidade da função pública aprovados sob pressão da troika. E ainda foi apanhado na armadilha montada por Teixeira dos Santos que o “entalou” com a questão dos Swapps.
Razões pois de sobra para Gaspar se ir embora, e como não deixa saudades, há a possibilidade de Passos Coelho resolver vários casos de uma vez só com a escolha de um novo ministro que implemente uma política orçamental e económica diferente, como por exemplo Paulo Macedo.
Mas o primeiro ministro mostra uma vez mais que é tudo menos um político e nomeia a pior pessoa possível, Maria Luis Albuquerque
que não só é a garantia de uma política inalterada, como é uma pessoa marcada por fortes suspeitas de políticas financeiras de risco quando gestora da Refer.
Portas, líder do outro partido da coligação, vai aos arames e pede a demissão, havendo uma grande confusão sobre o timing em que a apresentou, mas o facto é que essa demissão é comunicada ao silva de Belém, em cima da hora da tomada de posse da nova ministra das Finanças, acto verdadeiramente triste e bem demonstrativo de como é ridícula e apavorante a “pequena política portuguesa”.
Findo esse chocante episódio, PC reúne com o Governo em S.Bento e vai num instantinho à reunião da comissão política do seu partido a comunicar que no seu discurso ao país irá dizer que não de demite.
Num inacreditável palavreado, comunica essa sua decisão ao país e cúmulo dos cúmulos diz que não aceita a demissão de Portas, pelo que não pediu a sua exoneração ao silva e Belém, e que fará TUDO para que este governo não caia porque isso blá, blá, blá, blá, já sabemos de cor e salteado as consequências que ele invoca.
O que faz PC tomar esta atitude? Ele sabe que se ele se demitir, haverá eleições antecipadas, provavelmente a 29 de Setembro, coincidindo com as autárquicas e sabe que sendo assim, o PSD quase desaparece na contagem dos votos. Não se demitindo, procura ganhar tempo, para inviabilizar a coincidência de datas e vai procurar culpabilizar Portas e o seu partido da crise política.
Aguardam-se os próximos capítulos que prometem ser tão escandalosos como estes aqui relatados.
E o silva? O que faz? NADA!!!!!
O silva é um zero à esquerda, perdeu toda a decência mínima para ser PR. E pode ser, e deve ser, acusado de ter uma imensa quota parte neste “imbróglio” político.
Para piorar a situação, Seguro não é um homem que dê garantias de “salvar o barco”, embora possa ou pelo menos o tente, bater o pé na EU para que Portugal não seja o primeiro país a sair do euro e provocar com isso um efeito dominó de consequências dramáticas.
E nós, ficaremos melhor? De forma alguma e os tempos que aí vêm serão não só difíceis como têm sido, mas também extremamente incertos.
Mas resta-nos a consolação que fizemos o que devíamos ter feito para mandar estes bandalhos para a “p*** que os p****”.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

"Os perigos de uma história única"

Já ouviram falar de Chimamanda Amichie? Eu também nunca tinha ouvido falar e desconhecia completamente a existência de uma escritora nigeriana com este nome.
Mas porque a blogo vale a pena, muito mais que todas as redes sociais do mundo, descobri esta brilhante mulher num blog que há muito sigo e que já por várias vezes recomendei aqui no meu blog , as “Tertúlias” do meu bom amigo Ricardo, um brasileiro que habita em Viena há já bastante tempo e que delicia os seus seguidores com as suas incríveis descobertas.
Pois é retirado deste seu blog que aqui tenho o imenso prazer de partilhar este vídeo brilhante com esta fabulosa Senhora, numa dissertação sobre os “perigos de uma história única”.


E, parecendo que nada tem a ver com isto, mas tem tudo a ver com a riqueza desta blogo que não me canso de enaltecer, façam favor de passar pelo blog “Felizes Juntos” e vejam os deliciosos preliminares de mais uma história do “The Book Of Distance”; para já são sete postagens imperdíveis…

sexta-feira, 14 de junho de 2013

"The Last Fead"

Esta é uma tela de Paula Rego, intitulada "The Last Fead", ou seja, traduzindo à letra "A Última Mamada". Estou à espera da reacção da Presidência da República, com uma eventual abertura de um processo de averiguações ou uma coima de 1300 euros à pintora, por difamação do Chefe de Estado, que não só sugere que o mesmo é um palhaço, mas que até vai mamando aqui e ali (não quero ser má língua, mas esta última mamada terá algo a ver com o BPN?)

sexta-feira, 7 de junho de 2013

José António Almeida

Não é fácil escrever um texto, nos moldes clássicos, sobre o poeta português José António Almeida.
Após aturada busca, não encontrei na net uma biografia ou mesmo uma bibliografia completa, muito menos uma foto do poeta.
Apenas a indicação que terá nascido há cerca de 50 anos na vila de Cuba , no Alentejo, e que se tornou mais conhecido depois das reflexões em que participou na Capela do Rato, sobre a tripla condição de poeta, homossexual e católico, aliás referida no seu livro “O casamento sempre foi gay e nunca triste”,
já falado neste blog quando inseri um dos seus textos junto com o abominável vídeo da Drª(?) Madalena Fontoura.
Desse post resultaram variados e interessantes comentários dos quais eu próprio, (e parece que não só eu) adoptei uma palavra sugerida pelo Ophiuchus para substituir o catolicismo, e que é a Espiritualidade, ou seja a minha relação com Alguém, difícil de definir, mas que consubstancia muito daquilo que nos faz acreditar num ser superior e nos permite ter fé.
Esse livro é um dos quatro que li recentemente de José António Almeida, e sobre ele aconselho vivamente a ler uma excelente e completa entrevista dada pelo escritor à revista Pública, em 11 de Abril de 2009 e que pode ser lida aqui.
O primeiro livro que li de José António Almeida foi no entanto “Obsessão”,
um curto livro de poemas, publicado como o referido anteriormente pela “&etc”, que me seduziu pois vi nalguns dos seus poemas algo que o aproxima, com o devido respeito e nalguns aspectos a António Botto.
Vejamos o poema primeiro e que dá o nome à obra:

Numa só coisa porfio:
Outra vez ver o teu corpo
Na minha cama despido,

De livro folhas abertas
Com os dois braços cruzados
Atrás do rosto de efebo

- devorando cada letra
Em meu quarto no segredo.
De noite o membro de nácar

Sempre com donaire erguido,
Acróstico no teu peito
Começado sem ter fim.”

Ainda com a mesma chancela (&etc), um outro seu livro, desta vez em prosa, “A vida de Horácio”,
delicioso apontamento sobre uma personagem que vai alternando a sua homossexualidade com o aparecimento na sua vida de duas mulheres que o marcaram fortemente: a frágil e virginal Miss Savonarola, e a impetuosa e imponente Madame Robespierre. Como se adivinha esta pequena história está descrita com um subtil humor e o autor mostra aqui uma veia até então desconhecida.
Finalmente o último livro que li deste autor é de novo em verso e é excelente: “O rei de Sodoma e algumas palavras em sua homenagem” da Colecção Forma, da Editorial Presença.
Alguns poemas são verdadeiramente admiráveis e permito-me aqui transcrever aquele que mais me seduziu:

Cruzou-se de noite entre as sombras do parque
com outro vulto, como dois desconhecidos
deslizando furtivamente um pelo outro.
Mas o cão que acompanhava o vulto estranho
(um podengo velho, sem pelo, quase cego,
Com menos de metade das forças de outrora)
levantou a cabeça e as orelhas, pôs-se
a farejar-lhe as pernas, abanando a cauda
(o estranho continuou, sem olhar para trás).
O animal reconhecera o cheiro dos membros
despidos com que brincara muitas vezes
numa casa em que o dono e aquele corpo
partilharam quatro paredes, há muito tempo.
E o homem, fugindo, enxugou uma lágrima.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Um vídeo e um livro

Estava-me a preparar para deixar aqui uma postagem sobre um daqueles livrinhos da sempre interessante colecção “& etc”, que acabei de ler, da autoria de José António Almeida, do qual já tinha lido da mesma colecção outro livro, só de poesia – “Obsessão”, quando vi  aqui, um vídeo que me assustou e repugnou, com uma entrevista a uma tal Drª. Madalena Fontoura, presumo que seja psicóloga e que não resisto em trazer aqui e para o qual peço a vossa especial atenção, já que entre outras preciosidades, esta doutora afirma que é normal as crianças terem pequenos desvios quando são pequenas e ficam com a ideia de que são homossexuais, e depois muito mal influenciadas por adultos pérfidos acabam por entrar nesse mundo, de onde saem fragilizados e que têm dificuldade em sair dele…mas conseguem, claro, com a ajuda de pessoas esclarecidas como ela.

 Em comparação, José António Almeida, apresenta-nos neste seu livro, de nome “O Casamento sempre foi gay e nunca triste”,
uma primeira parte com alguns pequenos textos em que procura explicar a problemática de ser ao mesmo tempo homossexual e católico, nos tempos de uma Igreja conservadora e retrógrada, aliás na linha das três grandes religiões monoteístas – cristianismo, judaísmo e islamismo.
Escolhi um texto que me parece muito correcto e que a drª. Madalena Fontoura deveria ler para tentar perceber porque é que ela é tão ignorante.

 “Um homossexual tem de abrir dentro e fora de si um espaço para poder ser. Esse espaço interior de construção de si mesmo e essa projecção de um mundo de possibilidade fora de si exigem-lhe recursos extraordinários. Enquanto os heterossexuais encontram um mundo pronto-a-vestir, os homossexuais têm de construir a estrada para poder circular, essa via que lhes permita avançar na direcção do futuro. Esta ausência de perspectivação do futuro creio que é o maior problema com que se deparam os adolescentes que se descobrem com uma orientação sexual diversa da maioritária. E como podem falar livremente de homossexualidade num mundo social, familiar e religioso onde a homossexualidade era ainda em tempos muito recentes um tabu ou um assunto marcado com o ferrete da ignomínia? E, sobretudo, como falar disso no meio de desertos de intensa solidão afectiva? Como viver de escassa meia dúzia de carícias e de beijos trocados em noites que, para o mundo dos outros, nunca existiriam?”

 Note-se que José António Almeida é um poeta e o resto deste pequeno livro é preenchido com alguns poemas, que e na minha opinião, estão num patamar inferior às reflexões que deixa anteriormente nos textos que escreve.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Dia Mundial contra a homofobia

Hoje comemora-se o Dia Mundial contra a homofobia. Apesar de discordar da vulgarização destes “dias mundiais”, a propósito de tudo e de nada, a maior parte das vezes com fins meramente consumistas, há excepções e esta é uma delas.
A homofobia é um preconceito contra os homossexuais que existe por este mundo fora, está generalizado e é essencialmente baseado num desconhecimento total do que é ser-se homossexual. Ainda hoje se acredita que quem é homossexual, o é por opção própria, e se condena quem tem essa orientação sexual como se isso fosse uma doença, como antigamente era considerada.
Todo o ser humano tem o direito de amar quem muito bem entender e se no chamado mundo desenvolvido, quer a nível dos Estados, quer a nível das Organizações, se têm dado importantes passos para a igualdade, ainda há muitos países em que tal não é consentido e até é punido.
Mas uma coisa são as leis e outra é o comportamento dos cidadãos comuns e é neste campo que é necessário lutar, mostrando que um homossexual é um ser normal, com os mesmos deveres e direitos que qualquer  outro, apenas tem uma orientação sexual diferente e que não escolheu.
Eu sempre procurei com a minha forma habitual de encarar a vida, e nunca recusando a minha condição de homossexual, ser um exemplo de que se pode ter uma vida normal, sendo homossexual: quer na família, na sociedade, nos que me são queridos, sou o que realmente sou e tenho orgulho de ser apontado não como um indivíduo nocivo socialmente, mas sim com o respeito que um comportamento cívico correcto merece.
Porque há muito a fazer neste campo, mostro aqui uma muito original animação em vídeo sobre este assunto, que foca a vida de um rapaz que tem como toda a gente os seus sonhos, os seus gostos e que é confrontado com a realidade de ser diferente, e aparecem os medos e aparecem as críticas, mas a vida de cada um é muito mais importante, a felicidade intima de não ceder ao medo e à mentira só para se estar de bem com a sociedade prevalece.
É um excelente vídeo para reflectir.


domingo, 12 de maio de 2013

Bullying

Sem grandes explicações de texto, limito-me aqui a deixar o testemunho de um polémico vídeo realizado pelo jovem realizador canadiano Xavier Nolan.
É na realidade um vídeo muito violento, talvez excessivo, mas que se justifica perante a violência e o excesso em que o bullying se está a transformar em tantas escolas de todo o mundo.
O filme pretende desta forma protestar contra o bullying homofóbico no âmbito do ensino.
Vale a pena ler os dois comentários que acompanham o vídeo.

sábado, 4 de maio de 2013

Há sempre alguém que diz NÃO !!!

Já prometi tanta vez a mim mesmo que não voltaria a dedicar uma postagem do blog a questões políticas, deixando a raiva com que vou encarando a situação política, económica e social deste pobre Portugal expandir-se em “postagens rápidas” quer no FB, quer no Google+, e onde não me contenho e chamo os bois pelos nomes, debicando aqui e ali aquele português vernáculo, que naturalmente não aprendi em casa, mas que todos conhecemos e que faz tão bem gritar de quando em vez.
Acresce ainda o facto de que nas questões políticas (e nas religiosas) há por vezes, não digo discussões acesas, mas pontos de vista bastante diferenciados, e que podem com alguma facilidade degenerar em trocas de palavras menos agradáveis com pessoas que até se prezam e são amigas.
Mas, e este “mas” tem muita força, não consigo ficar calado perante o rumo que as coisas estão a tomar no nosso país, e dando de mão beijada, que há culpas de muita gente de diferentes cores políticas, na origem desta crise, como também estou consciente da conjuntura internacional (dava pano para mangas falar sobre isto…), não posso deixar de referir que a maior parte da terrível situação em que nos encontramos neste momento em Portugal, é por causa das políticas iniciadas por este governo, e pior ainda a sua total ineficácia, perante a péssima execução das mesmas.
Na sua comunicação ao país de ontem, PPC não fez outra coisa do que aquilo que costuma fazer: debitou medidas, a maior parte delas já conhecidas, e extremamente gravosas para o nosso povo, e não explicou, porque não o sabe fazer, a essência e o conteúdo delas, nem o seu exacto alcance. Limitou-se à nova imagem que o governo descobriu para justificar o injustificável: a pura chantagem, com a frase mais que repetida – ou isto ou a bancarrota!
Como a maioria do povo português já está na bancarrota, pois que venha a bancarrota, porra!!! É preciso é ter tomates para decidir isso e nem este governo, nem o que aí há de vir, mais tarde ou mais cedo, os têm para tal efeito. Ao menos com a bancarrota também eram atingidos os poderosos (grandes empresas já privadas ou a privatizar, banqueiros, reformados com pensões que são um atentado a quem passa fome, políticos de carreira bem instalados na vida, enfim o grosso daqueles que acreditam que este governo está a seguir o rumo certo.
Acresce o facto de que eu não acredito de que mesmo se houvesse tomates para tomar essa decisão, ela fosse conduzir à bancarrota real, pois a Europa, principalmente a da zona euro nunca o permitiria, já que tal significaria o princípio do fim de toda uma construção já muito abalada de união europeia.
O que é um facto é que há muita gente com fome, há famílias em situações limite, há um crescente número de desempregados e cada vez mais candidatos ao desemprego, há ameaças reais a um normal funcionamento de sectores fundamentais de um país, como a educação e a saúde, há um afastamento cada vez maior de outros países europeus, embora a crise estrutural seja a mesma para todos.
Para onde tem ido o dinheiro que temos vindo a receber por via do memorando de assistência? Para reavivar a economia? Para fazer crescer o emprego?
Não, tem ido para a recapitalização dos bancos, tem sido desbaratado em políticas que só nos conduzem a uma recessão cada vez maior.
Não posso deixar de referir aqui quatro nomes, que têm, neste momento uma enorme responsabilidade do que estamos a sofrer: Vítor Gaspar em primeiríssimo lugar, pois é ele que realmente governa, a seu belo prazer, com as suas teorias loucas que eu tenho sérias dúvidas que não sejam premeditadas e filha de uma concepção ideológica extremamente perigosa e que se enquadra em políticas internacionais muito mais elaboradas e que estão na génese de toda esta crise; é um homem tão poderoso como perigoso, pois está fora de qualquer controlo nacional.
Quem acima de tudo o sustenta é Passos Coelho, chefe do governo apenas nominalmente, que tem contra ele não apenas a oposição em peso, mas também o seu parceiro de coligação e até largas franjas do seu próprio partido, não só a nível popular, mas também a nível de gente de peso na estrutura do partido.
Quem o apoia, sim e de uma maneira escandalosamente parcial para quem institucionalmente deve ser apartidário é Cavaco Silva, um homem que tem hoje o desprezo de uma imensa maioria dos cidadãos deste país. Como é possível um Presidente da República ser tão patético como este homem? Ele representa o que há de mais negativo na já de si medíocre generalidade da classe política portuguesa.
Finalmente há Paulo Portas, que tem neste momento um peso político enorme e que ele nunca imaginou poder vir a ter em Portugal; devido à posição mais que pública do PR não acionar os mecanismos que estão ao seu alcance para pôr na rua este bando de ladrões, só PP, pode, ou dentro do próprio governo ou perante os deputados do seu partido no Parlamento, fazê-lo. Mas é um cobarde e estou certo que amanhã irá lavar as mãos como Pilatos, na sua comunicação ao país.
A alternativa mais que certa a tudo isto, e que será um governo socialista no poder, infelizmente não chega a ser alternativa, pois Seguro também não tem os referidos tomates.
Para quando uma verdadeira esquerda unida no nosso país, com o PCP e o BE a deixarem as suas ortodoxias de lado e juntarem-se a um PS forte e constituírem uma alternativa democrática válida e possível neste país à deriva?
Esta é a pergunta que deixo e que a ser respondida afirmativa teria o meu apoio e o de uma grande maioria do povo português.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

E a propósito...

É uma curiosa coincidência, e afirmo-o em absoluto, que no  dia de ontem, me chegaram "às mãos" duas curtas metragens, que não sendo umas obras primas, são muito interessantes e principalmente apareceram no momento certo, pois elas "documentam" de alguma forma o que foi dito no vídeo da postagem anterior, sobre o sexo anal.
Não estou a fazer aqui no blog uma dissecação sobre o assunto, apenas pus aquele vídeo por me ter parecido de certa forma "didáctico". Agora caem-me do céu estes  dois vídeos que peço interpretem apenas como referi de início, uma feliz coincidência.
É curioso também uma outra questão e que não foi uma opção: ambas as curtas se passam na esfera heterossexual...
Apreciem e digam da vossa justiça.


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Cartazes soviéticos

São inúmeros os cartazes de propaganda comunista quando existia a URSS, principalmente durante o período do pós guerra.
Aliás eram um dos instrumentos mais eficazes, internamente falando, da divulgação das maravilhas do comunismo de então.
O curioso é a descoberta entre eles de alguns com conotações homo eróticas, de uma forma talvez acidental nalguns casos, mas noutros bastante deliberada.
Vejamos alguns exemplos






















quinta-feira, 28 de março de 2013

Privatize-se

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno de olhos abertos.
E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional.
Aí se encontra a salvação do mundo…e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»

 José Saramago – Cadernos de Lanzarote – Diário III – pag. 148

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Um livro...uma ideia...um outro livro

Acabei de ler um livro de ensaio, género que há muito não lia, e que devo confessar, não me é muito apelativo. Prefiro a ficção, a poesia, as biografias e os romances históricos; mas este era um livro especial que eu precisava de ler, e não dei o tempo por mal empregue.
Trata-se da obra “Homossexualidade – Uma História” (1995), da autoria do polifacetado autor inglês Colin Spencer. Este escritor escreveu sobre diversos temas – Ficção, Ensaio, Teatro, Livros de Culinária, e foi também desenhador. Além deste título, escreveu no ano seguinte, um outro ensaio sobre a homossexualidade (“O Kama Sutra Gay”).
Não sendo uma obra prima e sendo um livro ambicioso, pois não é fácil falar da homossexualidade desde a Pré História até aos nossos dias, terá algumas justificadas lacunas, mas o essencial está lá, desde os tempos em que a homossexualidade (este termo só começou a ser utilizado no século XIX) era considerada normal – Grécia, certos períodos durante o Império Romano, e outras civilizações antigas, incluindo as do extremo oriente e as pré-colombianas, algumas repúblicas renascentistas, mas também e sobretudo da enorme perseguição que quase sempre, ao longo dos séculos, lhe foi movida, a começar pelos judeus, que através da religião lhe moveram uma contínua luta.
 Aliás, ainda hoje, grande parte dos argumentos da religião cristã, contra a homossexualidade, se baseiam em textos bíblicos insertos no Antigo Testamento e em S.Paulo. Basta lembrar o exemplo do texto sobre Sodoma e Gomorra…
Não vou entrar em pormenores sobre todo o texto do livro, eles são muitos, apenas recordar que a homofobia tem grandes e profundas raízes no passado e chegou até nós, na actualidade, pese embora as grandes conquistas que se têm feito, neste campo, nos últimos tempos.
Aliás, uma das lacunas (natural) deste livro, é que tendo sido escrito em 1995, a época desde então até hoje (quase 30 anos) tem sido aquela em que mais se tem implementado em variados países desenvolvidos, do Ocidente, uma visão muito mais aceite desta situação.
Uma coisa é fácil de concluir: apesar de ser a homossexualidade não uma opção, mas uma questão genética, e de ainda hoje haver países que a consideram um crime que leva até à pena de morte, aquilo porque passaram os nossos antepassados pelo facto de serem homossexuais foi algo de terrível e com consequências absolutamente abomináveis, como por exemplo no tempo da Inquisição. No nosso país, no mundo ocidental de uma forma genérica, os dias que correm, são, na defesa dos direitos homossexuais e no reconhecimento da sua existência um quase paraíso por comparação com esses tempos.
Aproveito esta postagem para chamar a atenção para o aparecimento no nosso país de uma editora bastante original, ideia do João Máximo e do Luís, cujo nome é Index ebooks, que aproveitando a vaga das novas tecnologias com o aparecimento e crescimento dos ebooks, têm editado alguns livros de temática LGBT, incluindo algumas traduções de obras importantes, sem edição normal em Portugal; é um trabalho notável que pode ir sendo seguida no blog do João e do Luís.
Por outro lado, tiveram uma ideia muito interessante e que está apenas a dar os primeiros passos e que será a compilação de um Dicionário de Literatura Gay Portuguesa.
Para tal efeito, foi por eles criado um grupo no site goodreads, (que eu aconselho vivamente a quem gosta de ler) e que se chama precisamente “Literatura Gay Portuguesa”, onde os aderentes podem ir acrescentando livros que conheçam e caibam no âmbito do grupo. Por ora, apenas estão inscritos neste grupo, além do João e do Luís, a Margarida, o Miguel e eu próprio. Seria muito interessante que mais pessoas aderissem e contribuíssem com o acrescentar de obras, o debate de críticas e ideias, pois tudo isso é importante para o aparecimento futuro desse Dicionário.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

The Gay Men Project

Já por variadas vezes falei aqui, de outros blogs que conheço e sigo; as últimas vezes tem acontecido mais em relação a blogs que estão no seu início e funcionam como uma chamada de atenção para o aparecimento de um novo blog e raras vezes tenho apostado mal.
Tenho até orgulho no percurso que entretanto certos blogs tiveram depois disso, pois quer se queira, quer não, um blog sem seguidores ou comentadores não passa de um diário.
Mas hoje falo de um blog que é um clássico da blogo, mais antigo que o meu, um dos resistentes dos velhos e bons tempos da blogosfera.
Trata-se do blog do Miguel e se o chamo assim e não pelo seu nome (a referência ao blog obtém-se ao clicar no nome), é porque o Miguel, como o Félix, como o Paulo, só para dar alguns exemplos são para mim, muito mais Amigos do que bloguistas.
 Mas neste caso, o blog, ali enclausurado num condomínio fechado da blogosfera, chamado Livejournal, é um blog que merece ser lido pois revela uma pessoa sensível, culta, com bom gosto e com variadas ramificações de interesses. Não somos muitos os seguidores, mas somos imensamente fiéis.
E foi neste blog que encontrei esta recente postagem, que está muito dentro daquilo que eu penso de certos blogs, que se “perdem” com fotos quando os seus autores têm capacidades muito mais amplas que isso, e ao mesmo tempo chama a atenção para um blog novo, interessantíssimo e que no texto está bem referenciado.
Depois deste longo introito, eis o texto em causa, devidamente autorizado pelo Miguel, como é óbvio.

"The Gay Men Project


A net está cheia de representações da masculinidade homossexual. Na maior parte dos casos, na enormíssima parte dos casos, isso equipara-se a fotografias de gajos nus muito carregadas eroticamente (deixemos de fora a pornografia pura e dura, cuja circulação e disponibilidade, segundo alguns mal-intencionados, foi a verdadeira razão para qual a internet foi inventada!)

A questão é que, em rigor, a construção desse imaginário homo-erótico deve muito pouco à representação da homossexualidade masculina, e eu até me atreveria a dizer que é, em grande parte, vincadamente heterosexual, ainda que dirigido à fantasia, e à líbido, dos homossexuais.

Não me esqueço de que há toda uma imagética ligada directamente a diversos estilos de vida (ou culturas) tipica ou exclusivamente gays; estou-me a lembrar, por exemplo, da cultura bear e dos seus códigos visuais (ainda que, mesmo neste caso, não ande longe de certos imaginários predominantemente heterossexuais, como por exemplo o dos motards). Mas o ponto é que não há site pessoal ou blog que não esteja cheio de fotografias mais ou menos ‘sexys’ (atenção às aspas) de modelos e modelitos, de corpos irrepreensíveis e dirigidos a variados paladares, que constituem, digamos assim, o denominador comum (mínimo ou máximo, será questão de perspectiva) entre delírios gays de todas as idades e fantasias femininas de pendor mais ou menos adolescente.

Onde eu quero chegar é que não são afinal nada frequentes os lugares da net que apresentam representações da masculinidade que sejam especificamente homossexuais (ou gays, ou queers, ou o que se quiser), e nos quais a sexualidade não se esgote no seu apelo mais ou menos erótico, mas que aposte no carácter identitário dessas representações.

São todas estas reflexões que (me) sugerem o extraordinário trabalho do Kevin Truong no seu site/blog The Gay Men Project
, que se apresenta como ‘the visual catalog of gay men across the world’. No site, o Kevin Truong fotografa homens gays (originalmente nas suas casas ou espaços de trabalho, mas depois o projecto alargou-se a outros sets) e apresenta pequenos depoimentos dos fotografados acerca das suas experiências enquanto homossexuais. Vale a pena conhecer o site, e é obrigatório visitá-lo frequentemente.

Ainda que seja para concluir, como me parece ser o caso (e ainda bem), que essas representações não traduzem, afinal, um mundo aparte, e que a resposta à questão “com que se parece um gay?”, só possa ser “com uma pessoa qualquer”."



quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O que vem aí...

Passadas que estão as “festas” da quadra natalícia e do começo do ano, é tempo de reflectir no que respeita à situação político-económica do país.
E a comunicação de Ano Novo de Cavaco permite com clareza ser um bom ponto de partida.
É minha convicção – e da maior parte dos portugueses –que este governo cairá durante o ano que agora começou.
 Posta de parte a hipótese de demissão, que me parece totalmente afastada, dada a “convicção” suicida do primeiro ministro continuar a apoiar, por razões que só ele saberá, dois homens nefastos e de perversos desígnios, embora de diferentes cambiantes: o manipulador Relvas e o teórico Gaspar, resta a hipótese de o forçarem a uma demissão; essa demissão poderia acontecer de diversas formas, todas elas de difícil execução.
A primeira e mais lógica seria efectuada pelo Presidente da República, e que ficou com esta comunicação de Cavaco posta definitivamente de parte, quando ele afirma que é contra qualquer crise política, nesta altura. Uma segunda, que nasceria no seio do partido que ganhou as últimas eleições, o PSD, e que tem mostrado através de nomes importantes o descontentamento e o incómodo que este governo lhes causa; mas esta solução necessitaria de um apoio, mesmo que não activo de Cavaco Silva e não o terá, pelo que também estará vocacionada ao fracasso.
Restará que essa demissão forçada nasça dentro do próprio governo, através do rompimento da coligação que constitui a maioria parlamentar PSD/CDS; ora Portas, que tem o pão e o queijo na mão (e PPC parece esquecer-se disso, como se esquece de muitas outras coisas), não parece muito determinado a romper a coligação, talvez porque sendo muito mais um animal político do que qualquer outro membro do governo, sabe que tal situação não lhe trará qualquer compensação eleitoral, a curto prazo; mas pode vir a ser obrigado a fazê-lo por imposição interna, mormente por força do seu grupo parlamentar, que está longe de continuar a apoiar incondicionalmente os dislates deste governo.
Mas, perante a queda deste governo, o que lhe sucede, quais as alternativas?
É aqui que reside o principal problema e simultaneamente o maior apoio que PPC tem actualmente.
Num cenário de eleições antecipadas é dado como certo que elas seriam ganhas pelo PS, mas sem uma maioria absoluta, e mesmo que a tivesse com um primeiro ministro que é tudo menos uma garantia de algo melhor para o país; Seguro é um político fraco, pois quando não se mostra ser um bom líder da oposição, nunca se será um bom chefe de governo.
Por outro lado os partidos à esquerda do PS, mesmo que bem intencionados, nunca terão pelo irrealismo das suas propostas qualquer hipótese de pertencerem à formação de um novo governo, a não ser que façam tábua rasa de alguns dos seus princípios básicos.
Um outro cenário e que começa a ser considerado por diversos sectores mais à esquerda é o de um golpe de estado pela força; ora as forças armadas de hoje não têm uma motivação como tinham em 1974 e embora subalternizadas pelo Estado, estão relativamente conformadas com as suas regalias e refiro-me às hierarquias, pois ainda há pouco tempo soubemos ser Portugal um dos países europeus com mais generais e numa proporção incrível em relação a outros países. E as restantes patentes não têm como no 25 de Abril um estado de guerra que lhes dê suporte.
Uma insurreição popular, comandada pelos sindicalistas da CGTP pode ter algum apoio mas nunca o suficiente para derrubar o governo, numa espécie de “Primavera árabe” que transforme o Terreiro do Paço na Praça Tahir do Cairo, porque lhe falta o apoio do povo anónimo, aquele povo que não é comandado pelos partidos políticos nem pelos sindicatos, mas sim pela exaustão a que está a ser conduzido – o povo que fez a manifestação de 15 de Setembro.
Mas essa grandiosa manifestação tinha como principal objectivo um protesto genuíno e real contra os governantes, incluindo o PR, e na altura um objectivo concreto e conseguido – a aberrante TSU. Falta a este povo uma motivação extra e muito mais ampla, que é um apoio a uma alternativa real e válida.
Essa alternativa, é quanto a mim, só viável através de um golpe de estado, sim, mas dentro de uma instituição que se chama Partido Socialista.
Se houver quem consiga, a bem ou a mal, apear Seguro da liderança do PS, substituindo-o por alguém com coragem para enfrentar uma situação difícil sim, mas sem subserviência, sem alienar a soberania, haverá uma alternativa.
E nomes, perguntarão?
Pois há gente válida dentro do PS: António Costa, Francisco Assis, António Vitorino e porque não um jovem que promete muito – João Galamba?
E haverá muitos independentes disponíveis para um governo desse tipo.
Claro que todos sabemos que o poder dentro de um partido político como o PS, ou o PSD reside no aparelho e em quem o controla, e isso é um problema para remover Seguro do seu lugar, como foi o aparelho, via Relvas que levou PPC à liderança do PSD.

Tudo muito complicado e não sou eu, que não sou analista político, nem estou na posse daquelas fontes que tantas notícias fabricam, que vou fazer futurologia política. Apenas sugiro o que me ocorre no momento actual em que vejo a triste realidade do dia a dia e não me conformo.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Taxar os ricos - (um conto de fadas animado)

Depois de ver esta animação, que não retrata a situação do nosso país, mas ajuda a compreendê-la, talvez se perceba melhor o porquê de tantas afirmações repetidas até à exaustão por esta cambada que nos governa, tais como a famigerada "não há alternativa"; também se percebe melhor o que significa o "custe o que custar" obcessivo do indivíduo que quiseram pôr a (des)governar-nos. E principalmente se entendem ainda melhor as palavras de um conhecido banqueiro acerca da forma como o povo reage a tanta austeridade: "ai aguenta, aguenta!"
Mas quando o povo quer, não precisa de partidos políticos, nem de sindicatos - ele próprio se congrega e mostra a força da razão, como o fez em todo o país a 15 de Setembro.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

"Quase um conto de Natal"

Uma introdução que não faz parte do “quase conto” mas que o justifica parcialmente. Eu não sei ficcionar histórias, ou talvez seja um certo comodismo de pensamento, que não de escrita; sei sim, relatar factos que comigo se passaram e por vezes consigo transmitir por palavras esses factos de uma maneira que quem as lê consiga “ver o filme”.
Dito isto…
Esta é a minha (fraca) contribuição para a louvável iniciativa do Sad Eyes (mais uma) “Pixel Happy Xmas”. Não sei se poderá ser aceite como participação, mas pelo menos sei que contribuí como pude, numa altura em que as coisas não correm como eu contava em relação à minha projectada viagem a Belgrado no final deste mês e que naturalmente me afectam.
“Recordo um Natal, já algo distante em que os meus Pais foram passar a quadra com uma irmã minha e respectiva família, ao Brasil.
Fiquei só, os meus irmãos distribuídos por outras famílias e eu aqui por Lisboa…
Sim, o Natal é a festa da Família, quando ela existe ou quando ela está presente; e quando tal não acontece? Nesse Natal estive tentado a ir passar a noite da Consoada com um grupo de pessoas, algumas delas, meus amigos e outros conhecidos, que, por falta da família e por falta dos seus companheiros que tinham ido passar o Natal às suas terras, ficavam sós e assim, todos os anos se reuniam numa Consoada para eles, ali na zona da Charneca da Caparica. Entre eles um bem conhecido transformista, talvez o melhor de todos que já houve em Portugal e que já não está entre nós.
Não fui, não porque fosse mal recebido, antes pelo contrário, mas porque sabia que embora passasse aquela noite acompanhado, em família também, embora de outro género, estaria triste por vários motivos e poderia estragar o convívio.
Mas imaginei como seriam essas Consoadas das pessoas que não sendo jovens, apenas tinham os seus afectos com as pessoas que amavam, mas que não estavam presentes, e tinham os afectos deles com eles próprios, decerto trocariam presentes, teriam uma ceia com bacalhau e iguarias próprias da época e passariam umas horas acompanhados. E depois, regressariam a suas casas com a sua solidão.
Esta é uma realidade que atinge hoje muitas pessoas, e não quero misturar o Natal dos sem abrigo, que é outra realidade bem triste, mas diferente.
Refiro-me àqueles homossexuais que passam o Natal sós e talvez sintam nessa noite, mais do que em qualquer outra ocasião, a falta de uma Família.”

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Cinema e Música - 3



  Hoje venho aqui falar de um filme, que à primeira vista, nada teria a ver com esta rubrica “Cinema e Música”. Mas, bem vistas as coisas, a música é sempre um elemento fundamental de um filme e mesmo que não seja o seu principal motivo de interesse, há filmes que nos despertam uma sensibilidade musical muito apurada. O filme de que falo é o muito celebrado “A Lista de Schindler” (1993), realizado por Steven Spielberg, sem dúvida um dos melhores filmes que vi e seguramente um dos que mais vezes me humedeceu as faces… É difícil ficar indiferente à temática do filme, o salvamento de uma enorme quantidade de judeus por um homem de confiança dos nazis, Óscar Schindler. O tema musical do filme é do consagrado Jonh Williams que por este seu trabalho ganhou mais um Óscar dos muitos da sua carreira. É um tema belíssimo, muito triste, como convém num filme com este argumento e que no vídeo aqui apresentado tem como solista o famoso violinista Itzhak Perlman.
 
 Mas o principal motivo da inclusão deste filme na rubrica é uma cena, do filme a única cena que tem algo de cor, e que mostra o percurso de uma pequena miúda com um casaco rosa que se dirige para casa, no gueto de Varsóvia, passando pelo meio de cenas terríveis que vão acontecendo nas ruas quando os nazis invadiram o gueto para matarem e prenderem os judeus. Durante essa cena, e misturada com os sons normais do decorrer da mesma, vai-se começando a ouvir uma belíssima canção, cantada por um coro de crianças. É uma canção célebre entre os judeus, cujo nome é “Oyfn Pripetshik” , cuja tradução inglesa é “On the Cooking Stove”, e que foi escrita em Yiddish na segunda metade do século XIX, tornando-se muito popular na altura entre os judeus da Europa central e oriental, até à época anterior ao holocausto; fala-nos de um “rabbi” que ensina às crianças o alfabeto judaico. É uma melodia que ao longo da cena se vai ouvindo cada vez melhor e que está muito bem integrada nela. A cena é espantosa, como se pode ver no vídeo.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Rua dos cafés

Correspondendo a mais uma interessante iniciativa do Carlos, decidi juntar-me à “Rua dos Cafés”.
Sim porque eu sou do tempo em que se frequentavam os cafés e em muitos, havia estudantes a qualquer hora do dia ou da noite; eu próprio fiz algumas das cadeiras de Económicas num simpático café perto de minha casa e que ficava a 100 metros do Instituto Britânico – o “Big Ben”.
Mas o meu café de Lisboa era bem longe das minhas duas primeiras casas lisboetas, ficava no Saldanha (mais propriamente no final da Fontes Pereira de Melo) e era sem dúvida um dos mais emblemáticos cafés de Lisboa – o “Monte Carlo”.
Eu sei, Carlos que também foi o teu café e quem sabe não nos cruzámos várias vezes por lá…
Comecei a ir ao Monte Carlo, porque a malta da Covilhã que estudava em Lisboa fez ali o seu poiso e ali nos encontrávamos todas as noites e quantas tardes…Mesmo em frente da “Paulistana”, onde pontuavam os alentejanos e os estudantes de Veterinária, ficava mesmo ao lado de outro café bem conhecido, o “Monumental”.
Mas o Monte Carlo era uma instituição e chamavam-lhe a “catedral”. Havia à entrada, do lado de fora à direita, a tabacaria (vê-se na foto) e logo depois de franqueada a porta, do lado esquerdo, antes do restaurante, a pastelaria.
Geralmente encontrava-se por lá um cão, velho e gordissimo, o Benfica, que adorava queques e tanta gente lhe comprava esses bolos para sua delícia…
O restaurante, não me perguntem pela ementa, pois para mim, só existia o “bife à Monte Carlo”, com molho de café e que quase se trinchava com o garfo. Mais tarde, quando fui para a tropa, para Mafra, o meu fim de semana só começava depois de ali comer o bife, acompanhado de meia garrafa de Dão Grão Vasco. Presença assídua ali no restaurante, quase sempre só, era Laura Alves, com o seu lenço verde na cabeça e os enormes óculos de sol, sempre aparentando tristeza.
Depois do corredor, com mesas, chegava-se à parte mais baixa e maior do café, onde geralmente nós abancávamos; a afabilidade dos empregados de mesa era tal, que quando chegava à mesa, tinha o café já à espera.
Nesse corredor prontificava a tertúlia dos forcados com o Salvação Barreto à cabeça. Depois havia os actores, vários, embora alguns também frequentassem o Monumental e havia os escritores e os “revolucionários”.
Sim, ali havia de tudo e até muito boa gente de variados gostos sexuais.
E depois havia as “traseiras”; por de trás dos bilhares havia um pequeno bar e as célebres mesas do dominó e dos cavalinhos, e não só… Havia um cabeleireiro de homens e o WC.
Era um mundo, que começava à porta, na cavaqueira e que prosseguia lá dentro, no estudo, na escrita, no jogo, nas conversas, no início de tantas ideias de esquerda, tudo ali coabitava.
Hoje é mais uma loja da Zara, que tristeza…

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"The Man I Love"

Pode dizer-se que há realmente coincidências.
Nem 48 horas tinham passado após a minha última postagem, em que focava a problemática do mundo homossexual, hoje em dia e a necessidade de os homossexuais contribuírem, com a sua visibilidade, para que a sociedade compreenda que não somos diferentes, quando surge no jornal “O Público” uma entrevista da jornalista Anabela Mota Ribeira ao casal Alexandre Quintanilha, biólogo e Richard Zimler, escritor, a residirem no Porto desde há anos e mantendo um relacionamento afectivo há mais de 30 anos, tendo casado há pouco mais de dois anos.
É uma entrevista longa, mas que vale a pena ler na integra, pela riqueza dos seus depoimentos, pela importância como ambos viram e vêem o mundo homossexual, o seu amor, a forma como se assumiram, enfim duas vidas que se encontraram e que agora constituem uma só vida, mas respeitando cada um o outro. Aqui encontramos muita coisa que eu havia aflorado no meu texto anterior, pelo que aqui o publico como complemento imprescindível do mesmo.
E além do mais, o amor destes dois homens é lindo!!!


"Conheceram-se em São Francisco em 1978, mudaram-se para o Porto em 1990. Casaram-se há dois anos e um mês. Alexandre Quintanilha tem 68 anos, é cientista. Richard Zimler tem 56 anos, é escritor. Concedem uma entrevista única, a dois, em casa. Estão descalços. Estão tão confortavelmente como se pode estar em casa, mesmo que esteja uma intrusa entre eles. O propósito era falar da dinâmica da relação, dos seus percursos individuais, de como foram tocados, e alterados, com a chegada do outro, pela vida do outro. O propósito não era contar uma bela história de amor, mas era evidente que aquela era uma bela história de amor. Uma daquelas histórias por que torcem as professoras, as hospedeiras, o notário, as pessoas que formam uma espécie de conluio (a expressão é de Alexandre) e que fazem perguntas e mandam beijinhos. Por que é que é tão raro uma relação ser tão feliz ao cabo de 34 anos de vida comum? É por isso que as pessoas torcem por eles? E importa, para o caso, que seja uma relação entre pessoas do mesmo sexo?

Para eles, fazia sentido expor a relação que vivem e correr o risco de apanhar com rótulos, estereótipos, gavetas. Não se pergunta se são a favor da adopção de crianças por casais homossexuais (ainda que a resposta esteja implícita na entrevista) nem se pergunta por que é que eles acham que são homossexuais (perguntar-se-ia a um heterossexual por que é que ele acha que é heterossexual?). Mas pergunta-se pelo modo como lidaram com a sua homossexualidade, familiar e socialmente.

Eles souberam, desde o princípio, que o outro era o tal. Não se enganaram. Sorte? Sorte e trabalho, respondem os dois.

Gostava de começar, não pelo princípio da vossa vida comum, mas por um certo princípio, que foi a vinda para Portugal. Por que é que decidiram começar uma nova vida?

Alexandre Quintanilha - Cheguei à [São Francisco] Bay Area no princípio dos anos 70, o Richard chegou em 1977. Conhecemo-nos no ano seguinte e passámos a viver em Berkeley. No fim dos anos 80 aconteceram dois episódios que alteraram a nossa forma de estar. A epidemia do HIV começou a aparecer. Houve dois ou três sítios na América que foram muito afectados. A área da baía, e em particular São Francisco, foi uma delas.

San Francisco tinha o rótulo de ser uma cidade onde a comunidade gay se sentia bem. Algumas das lutas pelos direitos dos homossexuais, encabeçadas pelo activista Harvey Milk, aconteceram aí.

A.Q. - E não só. Era um sítio onde tinha havido movimentos hippie, onde toda a gente fumava, se injectava. A partir de 85, 86, era quase impossível, tanto na universidade como fora dela, ir almoçar com amigos e o tema da conversa não ser o HIV.

Richard Zimler - Como a crise, agora, em Portugal - ninguém fala de outra coisa.

O seu irmão veio a falecer de sida. Nessa altura já se tinha declarado a doença? Era encarada como uma sentença de morte.

R.Z. - Sim. Antes de 83, 84, ele suspeitava de que tinha qualquer coisa. Depois confirmaram que era HIV.

A.Q. - A área da baía era um lugar de liberdade, de exploração. Tinha havido movimentos contra a guerra do Vietname, muitos feminismos começaram lá. As lutas em Oakland, pelos direitos dos negros, tinham sido importantes. Era uma área dinâmica de muitos pontos de vista. E a partir dos anos 80 havia a sensação de que não se podia escapar deste assunto. Ainda bem que nos conhecemos em 78; não tenho a certeza, se nos tivéssemos conhecido mais tarde, se um de nós não teria tido sida.

Conheceram-se num período em que toda a experimentação era possível. Sem fantasmas. Isso marcou a vossa relação?

R.Z. - Eu só tinha 22 anos quando conheci o Alexandre. Mudei-me para São Francisco quando tinha 21 anos, e estava a começar a vida sexual, a vida espiritual, a vida profissional. Chegar à Bay Area era o começo de uma longa viagem. Ele tinha 33 anos (na altura pensávamos que era já muito avançado na idade...). Para os dois, era o começo de uma aventura. E de repente chegou a sida. Eu trabalhava na Victoria"s Secret, uma firma de lingerie feminina; era secretário. Trabalhavam lá umas 60 pessoas e diria que uns dez ou 12 eram gay. Harvey Milk disse que, quando as pessoas começassem a sair do armário, todos íamos perceber que o carteiro era gay, que a empregada de mesa no nosso restaurante favorito é lésbica, que o professor de Matemática que o nosso menino adora é homossexual. São Francisco era o primeiro sítio no mundo, pelo menos nos Estados Unidos, em que isso já estava a acontecer.

A orientação sexual não era um assunto?

A.Q. - Deixou de ser assunto.

R.Z. - Na minha empresa, todos os homossexuais eram gente assumida, não havia qualquer problema. Foi por isso que foi de Nova Iorque para São Francisco? Não é um americano do Middle West, dos estados conservadores.

R.Z. - Mesmo em Nova Iorque, mesmo dentro de uma família de gente formada... O meu pai tinha uma licenciatura em advocacia, a minha mãe era bioquímica, mas os preconceitos contra os homossexuais eram violentos. Quando suspeitei de que era homossexual, entrei em pânico. Sabia que contar aos meus pais, aos meus amigos, ia provocar problemas. Os meus pais não eram racistas, a minha mãe era feminista; o último preconceito a perder era a homossexualidade.

A.Q. - Muito diferente da minha família.

Como é que foi consigo?

A.Q. - Os meus pais não eram nada preconceituosos. Não disse que era gay, não existia essa expressão quando tinha 16 anos. Disse aos meu pais que estava apaixonado por um homem e que não percebia. Não havia role models [exemplos] para isso. O meu pai disse-me que não era uma coisa que ele percebesse, mas que se isso me preocupava podia arranjar uma pessoa com quem eu pudesse falar. E fui falar com um psiquiatra, duas vezes.

Só para situar: isso passa-se em Moçambique, há 50 anos, e o seu pai é um prestigiado biólogo.

A.Q. - Na primeira vez em que estive com esse homem extraordinário, dei-lhe a ler um diário meu. Estava convencido de que era uma obra-prima da literatura [riso]. Na sessão seguinte, entregou-mo e disse: "Você está apaixonado. Isso é uma sensação maravilhosa. Devia estar satisfeito por estar apaixonado." Eu não tinha a certeza se era mesmo gay ou se era bi. A minha mãe, a única coisa que me disse foi: "Quero é que sejas feliz."

Onde é que radica a abertura que manifestaram?

A.Q. - Da minha mãe é muito claro. Era alemã e cresceu em Berlim nos anos 20 (era o sítio mais civilizado do mundo). Teve relações muito fortes tanto com homens como com mulheres. O meu pai, apesar de nunca ter tido esse tipo de sensação, não achou que fosse uma coisa preocupante. Isto libertou-me imenso. Mesmo na África do Sul (para onde fui fazer a faculdade), já não tinha necessidade de fingir que não era aquilo que era. Quando me aproximava das pessoas emocionalmente, quer fossem mulheres, quer fossem homens, era de uma forma aberta. E num sítio racista, ainda por cima.

Olhando retrospectivamente, acha que se apaixonava de facto por homens e por mulheres ou estava a tentar perceber se era mesmo homossexual?

A.Q. - Se calhar, as duas coisas. Com 20 anos, sabemos muito pouco. Quando temos uma grande atracção por uma pessoa, quando a atracção e a admiração, e a paixão, se tornam muito intensas, duvido de que não haja uma parte física, seja qual for a pessoa. Esta coisa de nos definirmos como hetero ou homo... não me defino dessa maneira. Defino-me como uma pessoa que gosta de literatura, que gosta de música, de ciência. Deixou de ser um label [rótulo].

O Richard acompanhou os anos finais da vida do irmão, que foram duríssimos. O irmão tinha uma relação muito má com os pais. O Richard tinha de ir a Nova Iorque quase todos os meses para falar com os médicos, com os padres (o irmão converteu-se ao catolicismo), com os amigos. Quando voltava, voltava emocionalmente exausto. Eu só tive essa sensação, menos forte mas muito poderosa, porque dois dos investigadores que tinha contratado para o Centro de Estudos Ambientais em Berkeley, na mesma semana, uma rapariga australiana e um jovem de Boston, vieram ao meu gabinete dizer-me que estavam infectados com HIV. Cheguei a casa e desatei a chorar. Como ele [o Richard] fazia quando vinha de Nova Iorque. Começámos a pensar que precisávamos de ir para um sítio onde aquele deixasse de ser o tópico de todas as conversas.

Aí, já não era o medo de que a doença vos tocasse directamente.

A.Q. - Não, de maneira nenhuma.

R.Z. - Eu estava preocupado com isso. Não era claro quantos anos, ou meses, a infecção levava a mostrar-se. Estava muito perturbado. Ver um irmão com quem nos identificamos - porque crescemos no mesmo quarto - morrer, afectou-me muito psicologicamente. Comecei a lavar as mãos 100 vezes por dia. O meu irmão, um jovem de 34 anos, estava a morrer e não queria morrer. Os meus pais eram loucos. Durante esse período, e depois de ele falecer, comecei a pensar que ia morrer jovem, que não ia ter a possibilidade de escrever livros, de manter a minha relação com o Alexandre. E se eu infectasse o Alexandre? Ou vice-versa. Infectar uma pessoa com quem se tem uma união deve provocar uma sensação de culpa abominável.

O Alexandre contou um pouco da descoberta e assunção da sua homossexualidade. O Richard aflorou o assunto. Pode contar mais detalhadamente como viveu esse período?

R.Z. - Há homossexuais que sabem muito cedo; eu não sabia. Há certas características que as pessoas, nos anos 60, 70, associaram a homossexuais. Por exemplo, que não são grandes desportistas. Hoje em dia sabemos que isso não tem qualquer validade, que há homossexuais muito machões e outros muito efeminados. Eu pensava: "Não tenho estas características dos homossexuais. Gosto de desporto, gosto dos Beatles, gosto dos Rolling Stones. Como é que posso ser homossexual?"

A.Q. - Gostas de desporto e és muito bom em desporto. Isso não ligava com a ideia do homossexual efeminado.

Nessa altura trabalhava-se com gavetas, as pessoas encaixavam aqui ou acolá.

A.Q. - Exactamente. Deixar de estar nos sítios onde há essas gavetas é fundamental.

R.Z. - Pensava: "Não sou normal. As minhas fantasias não envolvem a Sophia Loren ou a Gina Lollobrigida. Talvez seja homossexual. Isso vai criar tantos problemas para mim..." Ainda por cima, não encaixava na comunidade homossexual. "Não quero falar da Judy Garland!" Nessa altura, li um artigo no New York Times sobre o Harvey Milk e sobre a comunidade gay de São Francisco; dizia que havia homossexuais cowboys, homossexuais desportistas... "Se há um sítio nos Estados Unidos onde posso experimentar sexualmente [quem sou], sem preconceitos, sem pressões, deve ser em São Francisco." Fui com uma mala, mil dólares, sem emprego, sem casa.

O seu irmão era homossexual?

R.Z. - Sim.

O facto de haver um outro homossexual na família tornou tudo mais pesado para si?

R.Z. - Terrível, muito mais pesado.

A.Q. - Ainda por cima porque o irmão dele tinha muitas daquelas características da gaveta.

R.Z. - E não queria ser homossexual. Os outros miúdos faziam troça dele em criança. Vivia revoltado. Eu não. Depois da fase em que entrei em pânico, estava totalmente OK. Quando conheci o Alexandre, fiquei logo apaixonado. Quis contar aos meus pais. "Devo contar, porque isto é uma relação, espero eu, que vai durar." Falei com a minha mãe, com quem tinha uma relação mais sólida, primeiro. Sempre brinco que devia ter dito: "Estou apaixonado, mas ele não é judeu" [riso]. Mas isso para ela não seria importante. Disse: "Estou apaixonado, mas é um homem, não é uma mulher." Antes da resposta, continuei: "Não estou com problemas, não quero que te sintas culpada. Para mim é um enorme prazer, é a realização da minha vida." E ela desatou a chorar.

Chorou de tristeza, desapontamento, incompreensão?

R.Z. - A explicação, mais tarde, é que o meu irmão, durante anos e anos, culpabilizava os meus pais. Pensou: "Vamos ter de passar por isto outra vez." Também estava preocupada por mim. Ser homossexual significava que nunca ia ter uma relação duradoura, que as outras pessoas fariam troça de mim. Depois foi à cozinha, o meu pai estava lá sentado e ela sussurrou-lhe do que se tratava a nossa conversa. Ele respondeu: "Ah, é maricas, também." Em inglês: "He is a faggot." É uma palavra muito forte, muito feia. Ouvi um barulho, uma pancada seca. O meu pai tinha desmaiado. Nunca suspeitara que eu fosse gay.

A.Q. - O Richard jogava basebol.

R.Z. - Como é que um atleta pode ser homossexual? A minha mãe ficou um bocado histérica. Era uma cena de uma ópera cómica, ou dramática, italiana, não sei. Hoje rio-me muito.

A.Q. - O que é curioso é que a minha experiência tenha sido, não direi diametralmente oposta, mas muito diferente.

R.Z. - Mas os teus pais não eram provincianos como os meus. Os teus pais viviam no mundo real, os meus não.

Era provincianismo ou era a religião?

R.Z. - Não era a religião. A minha mãe celebrava as festas judaicas, mas era só tradição.

A.Q. - O Richard nem fez o Bar Mitzvah... Nenhum dos nossos pais, com a excepção da minha mãe, que era protestante, e que ia uma vez por ano à igreja, tinha algo a ver com religião. Não fui baptizado.

R.Z. - O meu pai era comunista, pensava que a religião era o ópio do povo, tal como o Marx disse.

A.Q. - Eu ia contar uma coisa importante. O que me surpreendeu não foi ser atraído fisicamente por homens e por mulheres; foi apaixonar-me por uma pessoa, o que é diferente. Tenho alguma pena das pessoas que fazem uma separação entre o emocional e o sexual. (Agora faço essa separação, porque somos essencialmente monogâmicos, não queremos ter outras relações.) É uma pena ver duas pessoas que estão muito atraídas uma pela outra espiritualmente e que têm medo de se tocar para além da festa.

Não se tocam por causa das convenções sociais?

A.Q. - Pois. As mulheres e os homens heterossexuais arranjam gavetas nas quais não ousam entrar. Muitos deles têm medo de ir explorar isso. Até me apaixonar pelo Richard, os homens e as mulheres por quem me apaixonei eram todos heterossexuais. Com todos eles foi possível chegar a um contacto físico e sexual. Claro que com os homens demorou mais tempo; quando uma pessoa se identifica como heterossexual, tem uma grande dificuldade em tocar intimamente outra pessoa [do mesmo sexo].

Freud dizia que potencialmente somos todos bissexuais.

A.Q. - Não sei se somos.

R.Z. - Há pessoas que são totalmente heterossexuais - uma minoria - e há pessoas totalmente homossexuais - outra minoria. São poucas as que são 50/50. Sou 90% homossexual. Já tive relações, mas não seria possível manter uma relação duradoura com uma mulher.

A.Q. - É muito forte em mim esta repulsa pelas camisolas. Pertencer ao Futebol Clube do Porto ou ser do Benfica, ser católico ou ser protestante. Ou ser de Joanesburgo, sul-africano, moçambicano. O que é que eu sou? Tenho uma mãe alemã, um pai açoriano, nasci em Moçambique, vivi na África do Sul muito anos, estive na Califórnia, estou em Portugal, tenho nacionalidade portuguesa e americana. Não me faz confusão nenhuma não saber identificar-me.

A maior parte das pessoas precisa do conforto de saber onde pertence.

A.Q. - Não sei se precisam. Acho que estão doutrinadas para achar que precisam. Vivemos muito em relação à opinião dos outros - como é que nos identificam, onde é que nos põem, como é que nos consideram? Estes muitos anos de vida foram uma caminhada a libertar-me disso.

Se perguntasse a cada um dos dois se lhes passou pela cabeça esconder...

A.Q. - Quando era miúdo, sim. Mas felizmente, a partir dos 20 e poucos anos, não só não escondia, como não tinha orgulho nem vergonha.

Há muitas pessoas que fazem uma vida toda, e quantas casam e constituem família, escondendo a sua verdadeira orientação sexual.

A.Q. - Não quero ser judgmental, não quero ajuizar se as outras pessoas fazem bem ou mal. Ter de passar o tempo todo a fingir que se é o que não se é deve ser doloroso, e não deve servir para nos realizarmos.

R.Z. - Sei que as pessoas têm um contexto de vida e que é difícil, às vezes; mas viver uma vida não autêntica, sob uma máscara, é uma pena.

Há uma questão subsidiária desta, mas que leva pessoas a esconderem-se: o "senso comum" critica em alguns homossexuais o gay pride, a exibição. Por que é que acham que isso ofende tanto?

A.Q. - Não consigo falar pelas outras pessoas, mas conto uma lição de vida muito grande por que passei. Cheguei a São Francisco em Novembro e passei o primeiro Natal sem amigos, com a família nos antípodas da Terra. Estava muito só e sem saber se tinha feito a decisão certa, de me afastar de todo o meu passado. Fui para um café, e a certa altura aproximou-se um queer, um travesti bastante exibicionista. Um indivíduo que era homem, que estava vestido de mulher, todo cheio de pinturas. Senti-me muito incomodado, OK? Ele perguntou se podia sentar-se à mesa, e eu tive uma reacção muito fria, do género...

"Não quero ser visto com ele?"

A.Q. - Um pouco. Ele foi muito educado. Estivemos para aí quatro horas a conversar. Referi-me a mim mesmo como uma espécie de atrasado mental: "Eu que tenho a mania que sou aberto, como é que posso ter tido esta reacção? Esta pessoa, a única coisa que queria era companhia, como eu."

R.Z. - Todos os dias vejo jovens a beijarem-se em frente a toda a gente; isso também é exibicionismo? Se um casal homossexual fizesse isso, toda a gente ficava horrorizada, mas acontece todos os dias em Lisboa e no Porto e ninguém diz nada. Há um duplostandard. Sou gay, sou judeu, sou americano em Portugal. Há a tendência por parte de pessoas liberais, não-progressistas, de dizer: "Não gosto nada dos judeus, mas gosto de si." Ou: "Não gosto nada de homossexuais, mas tu és fixe." Nessas circunstâncias sou o mais judeu, o mais americano e o mais homossexual possível. Não quero ser aceitável. Quem sou eu para julgar aquele homossexual efeminado ou aquele judeu religioso, ou aquele americano que só come hambúrgueres e pizza?

Já tinha estado em público com os dois e nunca vos tinha visto de mão dada. Isso foi uma coisa sobre a qual falaram, que decidiram fazer ou não em função do sítio onde estão?

R.Z. - Andávamos de mão dada em São Francisco, mas não muito. Eu sou mais afectuoso, sou mais táctil. Sou mais como a mãe do Alexandre; éramos iguais.

A.Q. - Andamos muitas vezes de braço dado na rua, quando andamos a passear. As pessoas aqui no bairro todas nos vêem.

R.Z. - Quando chegámos, era muito mais difícil para ele do que para mim.

O Richard era estrangeiro, o Alexandre era português.

R.Z. - Eu dava aulas na Escola Superior de Jornalismo, mas ele era um professor catedrático, ia começar um novo instituto, ia ter de pedir dinheiro de Lisboa [para os projectos científicos do instituto].

A.Q. - Uma vez, na Festa da Árvore no Jardim Botânico, o Richard foi convidado para estar no júri, para apreciar trabalhos feitos por miúdos de escolas. Quando cheguei, fui ter com ele e dei-lhe um beijo na cara. Várias pessoas foram dizer a outras pessoas para me dizerem que tinha de ter cuidado. Até fiquei espantado. Há tantos homens em Portugal que se beijam. Os amigos antigos abraçam-se e dão beijos, os pais e os filhos dão beijos. Não havia ninguém no Porto, desde o reitor até ao ministro, [que não soubesse que são um casal]. Quando veio cá o [Bill] Clinton, o Jorge Sampaio convidou-nos aos dois como casal.

Passaram 22 anos desde a vossa vinda. O país mudou muito. Isto faz-nos voltar ao ponto de partida da entrevista, à decisão de se mudarem para cá. O modo como seriam aceites, enquanto casal, foi uma coisa que também ponderaram?

A.Q. - Perguntei a duas pessoas. Uma pessoa no topo da ordem social, nosso amigo. A resposta que me deu foi: "Não." Era uma pessoa de esquerda, não sei se isso afectou. Depois perguntei a uma empregada doméstica que nos conhecia bem.

Perguntar a uma empregada doméstica era uma forma de ter a reacção do português comum?

A.Q. - Sim, de uma pessoa que anda de autocarro. A resposta dela foi fabulosa: "Olhe, professor, temos tanto trabalho que essas coisas não fazem parte das nossas preocupações." Achei aquilo uma lição ("Você acha que é assim tão importante, que alguém vai ligar alguma coisa?"). As pessoas podem fazer alguns comentários, mas também têm dificuldade em ser agressivos directamente. Nunca senti agressividade nenhuma em Portugal, nunca.

É também por ser o professor catedrático, por ser alguém que vem de fora?

A.Q. - Talvez.

R.Z. - Fiz 34 sessões de escolas no ano passado, falando da minha escrita, de ser judeu, de muita coisa. Eles sabem...

A.Q. - Às vezes convidam-nos juntos, eu vou falar de Ciência, ele de Literatura.

R.Z. - Há dois meses, uma professora disse-me: "Estou preocupada porque o Richard não falou do Alexandre Quintanilha. Pode falar de qualquer assunto, não temos preconceitos." Eu disse: "Não falei do Alexandre porque ninguém perguntou nada sobre isso, mas agradeço na mesma."

Vamos voltar ao começo da vossa história, em 1978. É sempre uma coisa mágica, no meio de milhões de pessoas, encontrar "a pessoa". Pela maneira como falam um do outro, parece que perceberam imediatamente que era "a pessoa".

R.Z. - Eu percebi imediatamente. Ele levou dois ou três dias. Pensava, talvez, que eu fosse drogado [riso].

Como é que se conheceram?

A.Q. - Num café.

R.Z. - Num café maravilhoso.

A.Q. - Num café maravilhoso em São Francisco, que se chama Café Flore, como o de Paris. Ia lá ao domingo de manhã tomar um café e comer um muffin. Estava a conversar, estava a falar de Proust - pretensioso e intelectual! - e ele apareceu com mais duas pessoas. De repente os nossos olhos cruzaram-se. Achei-o lindíssimo, porque era e porque é. Eu estava a falar e a pessoa com quem eu estava levantou-se para ir buscar um café; ele veio ter comigo e começou a conversar. "Por que é que não vamos?" E eu disse: "Deixa-me pelo menos acabar a conversa." Acabei a conversa e fomos. Estivemos uns três dias juntos, sem parar.

R.Z. - Fomos ao meu apartamento, que eu partilhava com duas pessoas. No meu quarto não havia móveis. Dormia em cima de um colchão de sumaúma que tinha comprado por cinco dólares. Estava limpo, tinha lençóis, mas eu não tinha dinheiro nenhum.

A.Q. - A parte mais importante do corpo de uma pessoa é a cara.

Porque a cara diz quem é a pessoa? O que é que vê na cara?

A.Q. - Os olhos, a expressão. Ele tem uns olhos muito expressivos, tem uma boca muito grande, com um sorriso enorme que lhe enche a cara. Tem este nariz maravilhoso, enorme. (A primeira mulher por quem me apaixonei era filha de um casal português/alemão; tinha uns olhos lindíssimos, um nariz muito grande e uma voz quente. Tinha 35 anos e eu tinha 12 anos.)

O que é que um nariz assim pronunciado representa para si?

A.Q. - Deve significar personalidade, ter as coisas muito vincadas.

O Richard gosta do seu nariz? Ou gosta mais agora porque o Alexandre gosta?

R.Z. - Como qualquer adolescente, faltava-me a confiança de achar que era bonito. Quase todos os adolescentes passam por essa fase. Teria gostado de ter a cara do Tyrone Power ou do Randolph Scott [actores americanos] e não tinha. Levou-me alguns anos a habituar-me à minha cara. Nisso a minha mãe foi muito importante, disse-me sempre: "És o rapaz mais lindo do mundo." Depois conheci o Alexandre e ele gostava de mim. Hoje, com 56 anos, estou completamente à vontade dentro do meu corpo.

A.Q. - Eu nunca estive à vontade dentro do meu corpo. Nunca achei que era atraente. Sabia que era relativamente inteligente, que tinha capacidade de sedução. Sei falar, conheço muitas línguas, tenho charme, quando quero, mas nunca me senti fisicamente atraente. Foram estes 34 anos de vida com ele que me fizeram sentir mais à vontade no meu corpo. Foi uma aprendizagem. Tinha uns mitos, [queria ser como] o Paul Newman.

O Alexandre era muito bonito quando tinha 30 anos?

R.Z. - Era e é, e vai continuar a ser. Era diferente de 99,9% dos homens. Essa coisa de ser bonito não é só uma questão física. É a maneira de ele andar, a maneira de olhar, de falar. É óbvio que tem qualquer coisa de bonito dentro dele. Irradia isso na sua cara, principalmente, mas também no corpo. Já vi homens fisicamente bonitos mas que me metem medo; olho para os seus olhos e não há nada. Era incapaz, mas mesmo incapaz, de dormir com uma pessoa assim, mesmo que fosse a pessoa mais bonita do mundo.

Perceberam imediatamente que era "a pessoa". Isso contrariava desde logo duas gavetas em relação à homossexualidade: a da promiscuidade e a de as relações serem curtas.

R.Z. - Quando uma pessoa se apaixona por outra, o primeiro ano e meio, ou dois anos, é de uma energia sexual e espiritual formidável. Vive-se numa espécie de euforia corporal e sexual. Pensava que gostaria de construir uma vida com este homem.

A.Q. - Levei mais tempo a perceber que tínhamos de tomar decisões em conjunto. Quando viemos para Portugal, não foi nada fácil. Eu nunca tinha vivido em Portugal (tinha cá vindo algumas vezes passar férias), ele muito menos. Quando nos mudámos, entrávamos num restaurante e o esterco no chão era uma coisa inacreditável. Nas casas de banho, tínhamos medo de tocar nas maçanetas das portas. Combinámos que vínhamos por um período de dois anos, e depois decidíamos se conseguíamos ficar. O choque cultural foi enormíssimo, para ele e para mim.

A relação podia ter acabado antes da vinda para Portugal, ou não equacionaram vir um sem o outro?

R.Z. - Isso era impensável. Tínhamos uma união muito forte.

A.Q. - E se ele não tivesse conseguido ficar cá, eu também não ficava. Era muito claro.

R.Z. - Passámos por fases difíceis na nossa relação, mas mais no princípio. Porque o pessoal é jovem, não sabe o que quer. São difíceis os primeiros anos de qualquer relação com pessoas muito jovens, que ainda estão a descobrir a sua identidade.

Tiveram aquelas discussões em que parece que não há amanhã? Que não sobrevivem juntos até ao dia seguinte, tal a erosão.

R.Z. - Nunca tivemos isso.

A.Q. - Nunca foi a esse ponto.

R.Z. - Houve alturas em que disse: "Não compreendo este homem! Não compreendo como ele raciocina, a sua maneira de ser." Eu perguntava: "O que é que estás a dizer, por que é que estás a dizer isso, qual é a tua intenção?", e ele respondia: "Não vou falar disso, estás a tentar mudar a minha maneira de ser, recuso entrar nessa conversa."

As pessoas não querem mudar?

A.Q. - Não querem ser forçadas a analisar-se, a explicar qualquer coisa. Temos muito a mania de que a outra pessoa está a interferir na nossa identidade. Vê-se isso muito na maioria dos casais heterossexuais que conheço. Não falam. O diálogo entre as pessoas é muito pobre. A minha ideia era: "Não sei muito bem porque é que sou assim, mas também não quero saber, estou-me nas tintas." 
That"s the way I am, take it or leave it. [Sou como sou, é pegar ou largar.]

R.Z. - Ele era muito dedicado ao trabalho. Tinha 33 anos, queria afirmar-se como cientista num sítio muito competitivo. Tinha de trabalhar dez horas por dia durante seis ou sete dias por semana para conseguir o que queria. Eu podia ter compreendido tudo isso, mas ele recusou explicar.

Porquê essa competitividade e desejo de vencer?

A.Q. - Saí de Moçambique para a África do Sul, uma cultura nova, e tive de sobreviver. Depois saí dali e fui para outra cultura completamente nova.

Sobreviver num sentido amplo, não num sentido económico.

A.Q. - Em Joanesburgo os meus pais ainda me ajudaram, mas a partir do 4.º ano da faculdade, antes de começar o doutoramento, já não tinham possibilidade. Não podia sair dinheiro de Moçambique, era a Guerra Colonial. Tive de arranjar um lugar como assistente de laboratório em Joanesburgo para me sustentar. E, quando fui para Berkeley, levei dois mil dólares para sobreviver uns meses até arranjar trabalho. Estava muito preocupado com esta questão da sobrevivência física, económica, intelectual e científica.

Insisto na longevidade da vossa relação, depois da turbulência dos primeiros anos. O mais difícil numa relação, independentemente da orientação sexual dos cônjuges, é estarem tanto tempo juntos e bem. Por isso as pessoas perguntam: "Qual é o segredo?"

R.Z. - Temos um bocadinho de sorte, e foi um bocadinho de trabalho. Em qualquer relação que é um verdadeiro casamento (e há casamentos que não são casamentos, são duas pessoas a viver juntas), existe a pessoa A, a pessoa B e o casamento. Há três seres vivos numa relação e tem de se ter muito cuidado com o terceiro ser vivo: o próprio casamento. Tem de se valorizar, polir, prestar atenção, senão a relação vai acabar. Os dois estamos muito conscientes disso. Apaixonarmo-nos por uma pessoa é muito fácil (com algumas pessoas que conheço, acontece de duas em duas semanas). Mas é preciso aprender a respeitar o outro. Para o Alexandre, era mais natural, tinha dois pais muito respeitosos. Eu não tinha isso. Os meus pais diziam coisas um ao outro que eu não diria ao inimigo mais feio do mundo, coisas reles. Apaixonar-me por ele era superfácil, mas respeitar a sua opinião, a sua maneira de ser, as coisas que ele dizia e com as quais não concordava, as coisas que ele fez e que não compreendi, levou-me anos.

A.Q. - Não acredito que haja relações duradouras se cada uma das pessoas não tem a sua própria vida construída. Quando o Richard está a escrever (já sei, porque escreveu vários livros), está de tal maneira obcecado com a escrita que eu sou uma espécie de audiência. E quando estou muito ocupado e ando muito cansado, ele sabe que estou a fazer qualquer coisa que para mim é importante. Nessas alturas, temos muito respeito para não exigir mais do outro. Isto aprende-se. Quando a pessoa começa a sentir uma verdadeira realização pessoal com a realização do outro, quando deixa de haver aquela necessidade egocêntrica - "preciso que me dês mais atenção porque estou inseguro" -, isso é que é uma relação conseguida.

É natural que tenha havido, sobretudo nos primeiros anos, estatutos desiguais. Nem que seja porque existe uma diferença de onze anos entre os dois. O que é que o Richard fazia nos Estados Unidos? A sua formação é Religiões Comparadas.

R.Z. - Mudei para São Francisco e fiz muita coisa. Era um busboy, limpava as mesas num restaurante e era estafeta. Depois comecei a trabalhar como secretário. Aos 26 anos, voltei para a escola, para tirar um mestrado em Jornalismo na Stanford. Mas é verdade, tínhamos patamares diferentes. Eu trabalhava como empregado de mesa e ele não olhava para mim como uma pessoa de menor importância.

Era também esse tempo e esse país. Em Portugal, a estratificação social era (e é ainda) mais vincada. Não imagino que um professor da Universidade do Porto vivesse com uma mulher que serve à mesa.

A.Q. - Pois.

R.Z. - Mas ele era de Moçambique, com um pai açoriano e uma mãe alemã, muito influenciado pela África do Sul e pelos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, não se avalia uma pessoa pelo seu trabalho. Um carpinteiro maravilhoso pode ler Proust e Stendhal. Não temos essa ligação directa entre o que uma pessoa faz e a sua capacidade intelectual ou espiritual, ou a sua sensibilidade. Eu não podia ter mantido uma relação com uma pessoa que pensava menos de mim por ser empregado de mesa.

Foi em Portugal que começou a sua carreira de escritor. No fundo, foi uma outra vida que começou aqui também.

R.Z. - Já tinha escrito muito jornalismo, e tinha escrito 20 e tal contos, e publicado uma dúzia deles em revistas americanas. Chego a Portugal com a ideia para O Último Cabalista de Lisboa. Em Berkeley fui com o cartão do Alexandre à biblioteca tirar livros sobre Portugal, Espanha, século XVI, casas, filosofias, roupa. Continuei a pesquisar aqui e a mergulhar-me na história portuguesa e no meu romance. Em parte, era a minha maneira, indirecta, de me adaptar a Portugal, e de valorizar Portugal, a história portuguesa.

Como é que foi a sua inserção? Quais foram as grandes dificuldades?

R.Z. - Cheguei aqui desorientado. O meu irmão tinha morrido em Maio de 1989, o meu pai faleceu em Junho de 1990. Na América, temos outra maneira de lidar com a amizade. Somos mais informais, falamos de tudo, logo. Um americano, cinco minutos depois de a conhecer, já está a falar do divórcio e do herpes. Mas o português, em 1990, era ao contrário. Falava de filosofia, de arte, do tempo, de tudo menos da vida pessoal. Eu não consigo estabelecer uma relação duradoura e profunda de amizade sem ter a possibilidade de falar da minha vida íntima, medos, dúvidas, problemas.

Sem falar sobre aquilo que verdadeiramente lhe interessava.

A.Q. - Os portugueses chegam a fazer isso, às vezes, depois de uma relação duradoura. Mas Portugal nos últimos anos mudou de uma forma extraordinária, e acompanhar isso foi muito interessante. (Uma das coisas que mais me impressionaram foi o empowerment das mulheres. O 25 de Abril teve um impacto muito maior nas mulheres do que teve nos homens. Elas estavam mais reprimidas. E ver a mudança dramática que houve no investimento na ciência, na educação, que afectava jovens que estavam ao pé de nós - ele também esteve uns anos a ensinar -, foi muito excitante.)

Estiveram para regressar aos Estados Unidos em algum momento?

A.Q. - Estivemos. O director da divisão onde trabalhava veio cá várias vezes e de cada vez perguntava-me se não queria voltar. Estávamos neste choque cultural e a tentação de voltar era enorme.

R.Z. - Ele chegou com grandes projectos. Um deles era criar o que viria a ser o Instituto de Biologia Molecular. Além de todos os problemas [decorrentes] de criar um centro de investigação com centenas de cientistas, havia pessoas que queriam que falhasse. Portugal é um país muito pequeno, com muitas rivalidades, muita mesquinhez. Desculpe dizer, mas todos sabemos isso.

Já pode dizer porque já é português. Nós, portugueses, não gostamos que os de fora digam mal de nós, mas dizemos o pior possível de nós mesmos.

R.Z. - Estas coisas também existem no Estados Unidos. Mas lá, como é um país muitíssimo maior, é possível fazer uma outra vida num outro lugar.

A.Q. - Eu não sabia como é que funcionavam as coisas. Recusava-me a fazer telefonemas a pedir favores. Em Portugal, as coisas eram assim. Não quero que fique com a ideia de que as rivalidades foram muito grandes. Havia uma ou outra pessoa que não gostava de mim. Também tive muita ajuda, muita gente que achou que este projecto valia a pena, que deu muito apoio. Tive apoio de Lisboa para desenvolver um novo instituto, e depois para fundir este com outro, o Instituto de Engenharia Biomédica, para construir um laboratório novo.

Ao longo destes anos, pensaram em casar?

R.Z. - Estamos casados há dois anos e um mês. Antes não era possível.

Nos Estados Unidos também não era possível?

A.Q. - Passou a ser possível nos últimos dez, 15 anos [em alguns estados]. Demos passos pequeninos. Há 30 anos que temos testamentos, que fizemos nos Estados Unidos, dizendo que tudo o que é meu é dele e que tudo o que é dele é para mim, se algum de nós falecer.

R.Z. - Quando a sida começou, o cônjuge do doente não podia visitá-lo porque não estavam casados. Não tinha direito porque não fazia parte da família. Queríamos evitar isso e tomámos medidas.

A.Q. - Outra coisa que também fizemos muito cedo foi o testamento vital, que já existia lá, a exigir que o médico não tomasse medidas suplementares para manter a pessoa viva. O casamento, para mim, nunca teve um significado muito grande, nem simbólico nem pessoal. Tem um significado muito grande, sim, em termos de direitos e deveres das duas pessoas. Mas quando casámos, como eu tinha mais de 60 anos, o casamento teve de ser com separação de bens. Casámos com separação de bens e temos um testamento escrito num notário português.

R.Z. - Está tudo nos dois nomes, as casas, o dinheiro, para ser mais seguro.

Como foi o casamento?

A.Q. - Convidámos um número muito pequeno de pessoas, que são muito íntimas. Ficaram muito emocionadas, foi o primeiro casamento gay em que estiveram. E o notário trouxe-nos um presente de casamento, um disco de música sefardita galega. Uma coisa lindíssima.

R.Z. - Ele tinha pesquisado os dois na Internet e sabia que eu tinha escrito sobre assuntos judeus.

A.Q. - Quando nos mandou o certificado, mandou uma carta em que nos agradecia por lhe termos dado a oportunidade de realizar esta cerimónia pela primeira vez na vida. Fiquei muito comovido. Às vezes fico surpreendido. Entro num avião e vem uma hospedeira dizer-me que tenho de dizer ao Richard que ela gostou imenso do último livro dele. Há aqui uma espécie de - não sei como é que se diz em português... - conluio: as pessoas acham que isto é especial.

Também sente isso?

R.Z. - Posso estar nos sítios mais pequenos de Portugal, aldeias pequenas, e as pessoas vêm ter comigo, agradecem os livros e mandam beijinhos para o Alexandre. É uma grande boa vontade por parte de muita gente.

A.Q. - Não estou nada convencido de que os preconceitos desapareceram. Mas já começa a haver, em muitos casos, uma certa vergonha dos preconceitos.

Por que é que para si foi importante casar?

R.Z. - Simbolismo. Ainda há sítios no mundo em que ser homossexual pode ser punido com sentença de morte, com penas de dez anos, ou mais, de prisão. Para mim, como escritor, como ser humano, o facto de ser um crime exprimir o que é melhor dentro de nós, a afeição, a paixão, a solidariedade e a amizade, é inconcebivelmente injusto. É muito importante reivindicarmos os nossos direitos no Ocidente, para que um jovem que tenha acesso à Internet no Burkina Faso, na Nigéria ou na Birmânia, possa ir ao site do PÚBLICO em Portugal [e ler esta entrevista].

É também por isso que dão a entrevista?

R.Z. - Claro que sim. Vivi num mundo em que não era possível as pessoas das pequenas aldeias dos Estados Unidos assumirem-se. E em Portugal talvez ainda não seja possível em aldeias do interior. Falo disto para que aquela jovem lésbica de Castelo Branco, ou o jovem transexual de Fafe possam olhar para mim e para o Alexandre e descobrir: "Não tenho de mudar para ser aceite. Posso ser como sou. Tenho os mesmos direitos dos outros. Não há cidadãos de segunda em Portugal."

A.Q. - Pensei muito sobre se devia dar esta entrevista ou não, porque não tenho de explicar rigorosamente nada. As pessoas são aquilo que fazem e aquilo que são, e não aquilo que dizem. Há uma pequenina coisa que é muito importante: a questão dos role models. A grande diferença entre um casal heterossexual e homossexual, para já - no futuro não vai ser assim - é que os casais heterossexuais têm filhos, têm netos. No nosso caso, como não temos filhos (já pensámos adoptar, volta e meia, mas não foi uma coisa muito premente), essas relações têm de ser substituídas por outras. Temos de inventar outras partes da nossa relação que sejam alternativas a essas. Temos de nos reinventar e dar a noção a outros gays de que isso é possível, realizável. É preciso que o mundo à nossa volta perceba que não me acho especial, positiva ou negativamente, por ser assim. Tive muita sorte em encontrar uma pessoa como o Richard, tive muita sorte em ter os pais que tive, em viver nos sítios onde vivi, apesar de às vezes me sentir muito só e de ter momentos muito difíceis de afirmação pessoal. Isso também é uma história que vale a pena divulgar. Numa sociedade que está cada vez mais competitiva, é importante as pessoas falarem daquilo que não é competição selvagem. É a partilha, é sentirmos - isto parece uma treta... - que o mundo, se tivermos boa vontade e se funcionarmos de boa-fé, vale a pena.

Que vida fazem na vossa casa de fim-de-semana, em Cristelo?

A.Q. - Muito desse tempo passamos no jardim, a cavar, a cortar, a plantar. Vamos para o jardim (é grande, estamos em sítios diferentes), encontramo-nos à hora do almoço, estamos juntos, depois vamos outra vez para o jardim.

R.Z. - Tenho uma vantagem: trabalho em casa e só faço o que quero. Aos 56 anos consegui isso. Cada vez mais recuso sessões, promoções, porque estou muito bem comigo, estou muito bem com o Alexandre, estou muito bem em casa. Adoro escrever, adoro fazer jardinagem. Por que é que vou interromper isso?

A.Q. - Há quatro anos, decidimos que todos os anos passamos cinco semanas a viajar nas montanhas dos Estados Unidos.

É quando encarna o personagem Clem?

R.Z. - Alexandre não é um nome [que vá bem com aquela paisagem]. Chamo-lhe Clem, como Clemente, e falo com sotaque do west. [riso]

A.Q. - Very entertaining. [riso] Não levamos telemóveis nem computadores. Estou a descobrir uma América que não conhecia. Tinha aquele snobismo de que em África era tudo mais bonito, mais selvagem, e que ir para o meio dos Estados Unidos só para ver campos de trigo e de milho não me interessava nada. As montanhas são lindíssimas.

Fazem as cinco semanas de seguida?

A.Q. - Não. Eu preciso de Nova Iorque, mais do que ele. Preciso de lá estar uns dez dias todos os anos. Fazemos cinco dias em Nova Iorque, depois vamos para um sítio qualquer. A última vez estivemos em Denver, alugámos um carro e fomos passear pelas montanhas. Ficamos em motéis. Parar o carro à porta do quarto é uma maravilha, lembra-me a África do Sul. As pessoas não são sofisticadas, mas são muito genuínas. Nunca falamos de sexualidade ou religião, mas falamos de tudo o resto, de arte, de música, de Portugal. Os americanos em geral são amigáveis e informais.

Isso também vos faz perceber que para essa América não poderiam voltar, nessa não poderiam viver.

R.Z. - Não sei.

A.Q. - Daqui a dois anos tenho 70 anos, tenho de me reformar. Uma das coisas que andamos a discutir é se vamos passar períodos de dois meses, duas vezes por ano, nos Estados Unidos. A mim falta-me... O Richard às vezes goza comigo porque tenho de ir aos supermercados onde ia.

R.Z. - É muito sentimental! Gosta de ir às lojas onde a minha mãe andava.

A.Q. - Vou aos supermercados onde íamos fazer compras. Às vezes, ela vinha connosco. Tenho um gosto enorme em ir aos supermercados, com o mesmo cheiro. Chegar lá assim ao género do Proust, que comia a madalena [e recuperava a sua infância]. A minha madalena são os supermercados! [riso].

R.Z. - É do género do Pingo Doce, muito pouco interessante.

É muito pouco Proust.

A.Q. - Mas cada um tem o Proust que merece!

Retomo a questão: seria possível viverem nessa América profunda e viverem aí abertamente a vossa homossexualidade?

R.Z. - Sim. O bairro em que vivia quando conheci o Alexandre, o Castro, é um bairro residencial, simpático. Quando estive lá no fim dos anos 70, a maioria das pessoas eram jovens que vinham de Tallahassee, da Florida, de Atlanta, de Denver, que iam para São Francisco encontrar a felicidade. Hoje, o Castro é um sítio de homens com mais de 55 anos.

A.Q. - São os que ficaram.

R.Z. - Os jovens que hoje em dia vivem em Tallahassee, em Albany, em Bufallo, em Cleveland, não têm de ir para Nova Iorque ou São Francisco. Podem permanecer na sua cidade e ter uma vida realizada, abertamente homossexual. Isso é uma mudança muito grande nos Estados Unidos.

É recente?

R.Z. - É dos últimos dez anos. Em parte, é um efeito da televisão, de programas como Will & Grace. Apesar de ser um país de religião fundamentalista, nas cidades, para pessoas entre os 18 e os 35 anos, ser homossexual é um não assunto, independentemente de se ser republicano ou democrata, conservador ou progressista.

A.Q. - As séries televisivas tiveram um impacto enorme sobre isso. Da mesma maneira que as séries brasileiras, quando chegaram a Portugal, tiveram um impacto enorme na forma de pensar.

R.Z. - Na Europa, ter um presidente da câmara de Paris ou de Berlim, abertamente homossexual, muda tudo. Agora há pessoas com cargos de respeito que são homossexuais e que têm uma vida como qualquer um. Ele não dá ordens gay para limpar as ruas, ele dá ordens como presidente da câmara. Quando escrevo um livro, não escrevo um livro homossexual, estou a escrever um romance. Estes rótulos vão deixar de existir. Estamos a lutar por isso.

A aprovação do casamento gay em Portugal foi um passo de gigante para que isto deixe de ser um assunto?

A.Q. - Sim. Ter sido aprovado e ter tido pouca contestação, o que é uma coisa muito interessante.

R.Z. - Toda aquela gente que previa o fim do mundo...

A.Q. - Só daqui a vários anos vamos perceber o impacto. Uma das razões pelas quais tive dúvidas sobre dar esta entrevista foi porque já quase deixou de ser um assunto em Portugal. Tinha medo que as pessoas pensassem que estava a fazer a apologia de qualquer coisa, ou que havia a necessidade de falar sobre um assunto.

R.Z. - É um risco. Não quero ser conhecido como um escritor gay, como também não quero ser conhecido como escritor judeu, ou escritor americano. Quero ser conhecido como um bom escritor. Decidi correr esse risco. Os benefícios para a tal jovem de Castelo Branco e para o jovem de Fafe são mais importantes. Há pessoas que estão a sofrer imenso no mundo simplesmente por amarem uma pessoa do mesmo sexo.

Falam inglês um com o outro e esta entrevista foi em português. Teria sido diferente se fosse em inglês?

A.Q. - Provavelmente. Usei muitas palavras inglesas. Como é que seria diferente? Não sei.

R.Z. - Talvez eu brincasse mais. O meu vocabulário é maior em inglês. As nuances da linguagem, consigo medi-las de uma forma diferente. Não me custa nada falar português. Gosto de ser português. Sou uma pessoa muito mais rica, muito mais confiante, mais capaz de escrever excelentes livros - espero eu - por ter esta experiência de viver há 22 anos em Portugal. E também por ter mantido uma relação de 34 anos com o Alexandre. Não sou a mesma pessoa que escreveu O Último Cabalista de Lisboa. Essa pessoa já não existe, felizmente. Uma pessoa que não evolui é um ser morto.

Querem dizer mais alguma coisa ou ficamos por aqui?

R.Z. - Estávamos a falar das razões pelas quais era possível manter uma relação durante tanto tempo e só queria acrescentar que o Alexandre é o meu melhor amigo. Não posso imaginar viver 34 anos com uma pessoa que não fosse o meu mais profundo e mais importante amigo. Adoro passar dias inteiros com ele. Preciso de passar muito tempo sozinho, mas posso passar esse tempo com ele. Eu sozinho ou eu com ele é a mesma coisa. Ele esteve doente, há cinco anos, com pneumonia, e teve de ficar em casa três meses. Estava deitado e eu, como Florence Nightingale, ou Dr. House, estava aqui todos os dias. Era como uma lua-de-mel. Passava 24 horas por dia com ele, e era espectacular. Não há nada que não lhe possa dizer, não sinto qualquer limitação.

A.Q. - Queria dizer duas coisas. A primeira é que votei no Obama muito antes de ele dizer que estava de acordo com o casamento homossexual. E voltei a votar este ano. Espero que ganhe. [A entrevista foi realizada antes das eleições.] Estou com muito receio. O Mitt Romney é muito mais perigoso do que dá a entender. Como é mais inteligente que o George W. Bush, é capaz de ser muito mais perigoso do que ele. A outra questão: estou muito preocupado com o crescimento da iniquidade em Portugal.

É um país muito mais iníquo, agora?

A.Q. - Sim. É das coisas mais graves que vi nestes últimos 20 anos. É criminoso que nestas propostas [do Orçamento do Estado] o aumento dos impostos dos mais ricos seja em percentagens mais baixas que o dos mais pobres. Os pais do Richard viveram o tempo do Roosevelt, que criou trabalho depois da Grande Depressão, o New Deal. Gostaria muito que houvesse um New Deal em Portugal. Os que têm mais deviam contribuir mais, os que têm menos deviam contribuir menos. São os dois grandes dilemas nesta altura, a iniquidade e os miúdos a sentir que não têm escolhas, que a única escolha é ir lá para fora. A consequência disso sobre a saúde mental dos portugueses vai ser muito séria. Já não tínhamos uma saúde mental muito boa [riso]."