Ver teatro é para mim fascinante e só tenho pena de ver tão pouco, e por vezes escapam-me as produções “out-siders” que não são apresentadas nos principais palcos, pelas principais companhias, com actores conhecidos e não suficientemente publicitadas.
Foi uma peça deste tipo, uma produção fracamente comparticipada, com um grupo de actores que afinal se resume a um (Jonh Romão), já que os restantes intérpretes não são actores, mas prostitutos brasileiros que actualmente vivem e trabalham em Lisboa.
A peça chama-se VELOCIDADE MÁXIMA e fui vê-la a um espaço alternativo, chamado NEGÓCIO, que fica na Rua do Século, aqui em Lisboa.
Foi apresentada em Agosto no Festival Citemor (Montemor- o –Velho), teve depois duas apresentações no estrangeiro (Gijon e Bratislava) e depois uma série de espectáculos na Galeria Zé dos Bois (Bairro Alto) terminando hoje, com lotações esgotadas as representações no espaço referido. Ainda vai ser apresentada em Almada e eu gostaria muito de a ver representada em muitos outros sítios, se bem que compreenda que fora deste circuito urbano de Lisboa e de outros grandes centros, não seja uma peça fácil de apresentar…
Reza o programa: "Velocidade Máxima destaca-se pelo seu conteúdo polémico e pela razão da sua existência no palco, cuja raiz se focaliza no Ciclo Poder e Posse do Colectivo 84 (que co-produz a peça). O espectáculo tem como génese a vídeo-instalação “Voracidade Máxima” dos artistas Dias & Riedweg, objecto que coloca em evidência a problemática das identidades íntegras e integradas, o que existe nos hotéis ou nos apartamentos de luxo dos grandes centros urbanos, através do testemunho de prostitutos provenientes da América Latina. Velocidade Máxima pretende abordar, por um lado, as identidades transnacionais, a prostituição masculina e a relação entre sexualidade/economia, e por outro, o papel do artista no mercado da arte. No espectáculo estão em cena um actor encenador (John Romão) e três prostitutos brasileiros residentes em Lisboa. Aquilo que existe em comum entre os quatro intérpretes é o rosto: os “garotos de programa” transportam uma máscara com o modelo da cara do actor/encenador. A máscara ora protege ora permite que todos estejam ao mesmo nível, reforçando a necessidade de se esconder a cara como um instrumento para falar do próprio sentido da Identidade e do Poder.”
Mas o espectáculo é muito mais que isto: começa com um importante monólogo de John Romão (sentido e bem apresentado) de alguma da realidade da apresentação do teatro no nosso país, no que respeita aos subsídios, às diferentes “manhas” necessárias para se ser escolhido por programadores, não dando praticamente qualquer chance a novos empreendimentos e ao aparecimento de novos valores que denunciem a realidade do dia a dia, por vezes com uma mostragem crua e chocante ( bem necessária) das novas realidades da sociedade.
Depois desse intróito revoltado e apelativo, mostra-se duma forma sem concessões, o que se passa com o trabalho (não, não me enganei na palavra) de uma quantidade grande de imigrantes no nosso país ( e não serão só brasileiros) que vêem na prostituição a única forma de se sustentarem. As suas confissões, os seus lamentos, a dificuldade da vida que levam é completamente dissecada nesta peça.
Se o trabalho dos três rapazes brasileiros é muito meritório, o realce vai todo para o John Romão, que dá tudo, nesta peça: uma entrega total à denúncia da hipocrisia, da exploração e da violência exercida sobre esta gente. O acompanhamento musical a cargo da pianista Cláudia Teixeira, é perfeito e a integração de alguns temas musicais são verdadeiramente adequados. Como exemplo destes, deixo aqui um clip do último tema musical apresentado e que de certa forma resume a peça, da autoria do filho de Catano Veloso, Moreno Veloso.