Fui ver à Comuna a peça que estreou no dia 8 e que me chamava particularmente a atenção.
Eu penalizo-me muito, por, apesar de ser um privilegiado na possibilidade de acesso à melhor produção teatral do nosso país, pois habito na região de Lisboa, ficar a dever à minha inércia a perda de produções teatrais importantes, algumas por descuido e outras por desconhecimento; e se eu gosto de teatro!
Mas esta não falhei, e ainda bem, pois gostei imenso. O tema era apelativo, o dramaturgo, excepcional, e na Comuna, não se costumam “enfiar barretes”.
A peça mantém o seu nome original “Design for living” e ainda bem , pois poderia vir a ser escolhido um título em português que fosse menos próprio, como sucedeu ao filme que Ernst Lubitsch, dirigiu em 1933 sobre esta peça e que se chamou entre nós “Uma Mulher para Dois”, e que reuniu , à época um elenco de luxo: Gary Cooper, Frederic March e Miriam Hopkins.
Ao contrário do cinema, de que apenas se realizou esta versão, as produções teatrais foram várias, ao longo dos anos, quer na Broadway, quer em Londres. No entanto, Noel Coward, esse fabuloso dramaturgo inglês, que escreveu a peça em 1932, só teve autorização de a ver exibida em Londres em 1939, proibida até então oficialmente, devido ao tema delicado e complicado.
Devido à 2ª.Grande Guerra, foi cancelada a sua exibição e só voltou a ser reposta em Londres após a morte de Coward, em 1973 e a sua última representação na capital inglesa foi no Old Vic, em 2010. Na Broadway estreou logo em 1933 , mas teve menos reposições que a maior parte das outras peças de Noel Coward.
Se falo tanto de Noel Coward, é porque o êxito da peça está fundamentalmente no texto, fabuloso, escrito como disse em 1932, há 80 anos e de uma actualidade incrível, e passível de uma encenação muito conseguida de Álvaro Correia, que transfere a sua acção perfeitamente para os nossos dias.
Noel Coward foi decerto o mais brilhante dramaturgo inglês do século passado, homossexual assumido e escritor de fino trato, de um humor muito saudável e de uma critica muito acutilante, sempre.
Esta peça fala-nos de um triângulo amoroso formado por três jovens amigos, um dramaturgo, Léo,um artista plástico, Otto e uma designer de interiores, Gilda. Todos se amam uns aos outros, todos lidam melhor ou pior com o sucesso e todos não conseguem passar demasiado tempo sem se amarem “à vez”, mas o outro está sempre “presente” nesses relacionamentos a dois. O espaço está dividido em três cidades: primeiro, Paris, depois Londres e finalmente Nova York. A bissexualidade dos dois intérpretes masculinos está muito bem apresentada, e há ainda um quarto personagem, importante, um amigo de todos, mas que nunca desde o início, deixou de mostrar interesse por Gilda, Ernest.
A encenação é simples, com mudanças de adereços apenas a marcar os três apartamentos, sempre na área social da casa, pois não há cenas intimas,a não ser uma cena muito afectuosa, progressivamente intima entre Otto e Leo.
Na interpretação, eu apenas conhecia Carlos Paulo, claro, como sempre, muito bem, aqui no papel de Ernest, e já tinha visto na televisão o Carlos Vieira, que me agradou (em todos os sentidos), no papel de Otto. João Tempera é uma revelação como Léo,mas os louros vão para a interpretação nervosa, mas conseguida de Rita Calçada Bastos, no papel nevrálgico de Gilda.
Embora não sejam importantes e até funcionem mais como “adereços”, não gostei dos três actores que fazem um pequeno papel na última parte da peça: demasiado artificiais e completamente desfasados do resto do elenco, embora os seus papéis também sejam muito artificiais, valha a verdade.
Enfim, um espectáculo imperdível (está em exibição até 5 de Fevereiro) e que me foi publicitado pelo portal “Dezanove”, que quero aqui felicitar pela actualidade permanente que nos vai fazendo chegar sobre o mundo e as actividades LGBT – muito obrigada!
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