domingo, 22 de abril de 2012

A propósito de um livro...

Este será talvez um dos posts mais longos deste blog, começo por avisar...
Na minha febre devoradora  de livros actual, da Páscoa até hoje li, "O Mestre" de Tom Coíbin, "O 3º.Sexo" de Raquel Lito, "Clarabóia", de José Saramago e acabei há pouco um livro singular, de seu nome "O Livro dos Dias" de Stephen J.Rivelle.
É este livro que me traz aqui  o assunto das Cruzadas, Mas primeiro quero frisar dois ou três pontos importantes; o autor, um americano de origem francesa, numa viagem à Europa, decidiu conhecer um pouco da história dos seus antepassados. E foi assim que tomou conhecimento da existência de um diário escrito por Roger, Duquede Lunel, um comandante da Primeira Cruzada (1096-1099), e que foi conservado pelos clérigos da Igreja de Saint Gilles de Lunel, até que um descendente de Roger se apresentasse.
Há quem considere este livro como o relato mais fiel da Primeira Cruzada e nele o autor do diário disseca de uma forma brilhante o que levava toda aquela gente a "embarcar" numa aventura tamanha, e que seria mais do que defender a Terra Santa dos ocupantes não cristãos, mas sim a expiação dos seus pecados. E é ele próprio que exemplifica com a sua vida essa visão da Cruzada, já que vai dando conta do seu passado e no próprio decorrer da Cruzada, de outros pecados e vivências.
Um parêntesis para referir que sou um admirador confesso da História, mas sempre tive uma profunda aversão pelo período da Idade Média, um período obscuro dominado totalmente por uma Igreja, que não deixava vir à superfície senão a miséria, a precariedade dos povos, a selvajaria e a brutalidade das guerras e não trouxe nada de bom à Humanidade na sua vigência. Se dúvidas tivesse antes, depois de ler este livro fiquei perfeitamente esclarecido.
Mas vamos então às Cruzadas.
As Cruzadas são tradicionalmente definidas como expedições de caráter "militar" organizadas pela Igreja, para combaterem os inimigos do cristianismo e libertarem a Terra Santa (Jerusalém) das mãos desses infiéis. O movimento estendeu-se desde os fins do século XI até meados do século XIII. O termo Cruzadas passou a designá-lo em virtude de seus adeptos (os chamados soldados de Cristo) serem identificados pelo símbolo da cruz bordado em suas vestes. A cruz simbolizava o contrato estabelecido entre o indivíduo e Deus. Era o testemunho visível e público de engajamento individual e particular na empreitada divina.
O movimento cruzadista foi motivado pela conjugação de diversos factores, dentre os quais se destacam os de natureza religiosa, social e econômica. Em primeiro lugar, a ocorrência das Cruzadas expressava a própria cultura e a mentalidade de uma época. Ou seja, o predomínio e a influência da Igreja sobre o comportamento do homem medieval devem ser entendidos como os primeiros factores explicativos das Cruzadas. Partindo desse princípio, podemos afirmar que as peregrinações em direcção a Jerusalém, assim como as lutas travadas contra os muçulmanos na Península Ibérica e contra os hereges em toda a Europa Ocidental, foram justificadas e legitimadas pela Igreja, através do conceito de Guerra Santa, a guerra divinamente autorizada para combater os infiéis, os hereges e todos os demais que não aceitavam a igreja.
Tendo como base a intensa religiosidade presente na sociedade feudal a Igreja sempre defendia a participação dos fiéis na Guerra Santa, prometendo a eles recompensas divinas, como a salvação da alma e a vida eterna, através de sucessivas pregações realizadas em toda a Europa.
Houve nove cruzadas, mas se lhes acrescentarmos a Cruzada dos Populares ou dos Mendigos, a Cruzada Albigense e a Cruzada das Crianças, elas foram realmente doze.
Nesta carta podemos ver os percursos das quatro primeiras Cruzadas.
Já referi a data da Primeira Cruzada, (1096-1099), tendo a última, a Nona Cruzada, ocorrido já no século XIII (1271-1272).
Focando-nos apenas na Primeira Cruzada, da qual o livro fala com imenso rigor histórico: *
* Esta descrição mais minuciosa, apenas interessará a quem goste verdadeiramente de História ou do movimento das Cruzadas, embora seja fascinante.
Em Agosto de 1096 partiu a Primeira Cruzada "oficial", chamada de Cruzada dos Nobres, Cruzada dos Cavaleiros ou Cruzada dos Barões (1096-1099). No total, esta expedição militar organizada, radicalmente diferente do movimento de peregrinos pobres da Cruzada Popular, consistiria em cerca de 30.000-35.000 guerreiros, incluindo 5.000 cavaleiros.
Liderada espiritualmente por Ademar de Monteil, legado papal e bispo de Le Puy, a liderança militar era repartida e disputada principalmente por:
§  Raimundo IV de Toulouse, talvez o mais carismático líder no início da expedição, já tinha participado da Reconquista e era acompanhado pelos cavaleiros da Provença e pelo legado Ademar; (era a este Senhor Feudal quem servia Roger, Duque de Lunel)
§  Boemundo de Taranto, líder dos normandos do sul da Itália, velhos inimigos do Império Bizantino, acompanhado pelo seu sobrinho Tancredo de Hauteville;
§  Godofredo de Bulhão trazia um exército da Lorena, juntamente com os seus irmãos Eustácio III de Bolonha e Balduíno de Bolonha, e foi acompanhado por Roberto II da Flandres e os seus flamengos;
§  Hugo I de Vermandois, irmão de Filipe I da França, portador do estandarte papal.
§  Roberto II da Normandia (irmão do rei Guilherme II da Inglaterra) e Estêvão de Blois (neto de Guilherme I de Inglaterra), traziam o contingente do norte da França.
Hugo I de Vermandois comandou o primeiro contingente a chegar a Constantinopla. Saíu da França a meados Agosto e passou pela Itália, recebendo o estandarte de São Pedro em Roma. No caminho, muitos dos seguidores do conde Emico juntaram-se-lhe após a derrota que tinham sofrido contra os húngaros. Ao contrário dos outros exércitos cruzados que viajaram por terra, este atravessou o mar Adriático, partindo de Bari. Mas uma tempestade ao largo do porto bizantino de Dyrrhachium destruíu muitos dos seus navios. Os sobreviventes foram resgatados pelos bizantinos e escoltados para Constantinopla, onde chegaram em Novembro.
Godofredo de Bulhão e os seus irmãos seguiram pela "Estrada de Carlos Magno" como, segundo o cronista Roberto o Monge, Urbano II terá chamado a este trajecto (que passava por Ratisbona, Viena, Belgrado e Sófia). Ao passarem pela Hungria tiveram alguns conflitos com os locais, que já tinham sido atacados pelas diferentes vagas da Cruzada Popular. O rei Colomano exigiu um refém para garantir a conduta correcta dos cruzados, e por isso Balduíno de Bolonha ficou em poder dos húngaros até os seus companheiros saírem deste território.
Depois de mais algumas escaramuças no domínios do Império Bizantino, os bolonheses foram o segundo exército a chegar a Constantinopla, em Novembro, e mais uma vez não conseguiram evitar que as suas forças pilhassem os territórios vizinhos. O imperador Aleixo I Comneno foi forçado a ceder um refém aos cruzados para repor a paz, e o escolhido foi o seu filho e futuro imperador João II Comneno, que foi confiado a Balduíno.
Boemundo de Taranto tinha motivações geopolíticas específicas aos seus domínios para se envolver em uma expedição até territórios bizantinos. Partiu do sul da Itália assim que as primeiras forças francesas passaram pelos seus domínios e chegou a Constantinopla em Abril de 1097.
O mais numeroso dos exércitos, encabeçado por Raimundo IV de Toulouse, era acompanhado pelo legado Ademar de Monteil. Com alguma dificuldade atravessaram a Dalmácia (actual costa croata) durante o Inverno. Ao chegar aDyrrhachium, entraram na estrada romana Via Egnatia, que os levou a Tessalónica e depois a Constantinopla no 21 de Abril.
O último grande contingente, sob as ordens de Roberto II da Normandiasaiu de Brindisi e cruzou o mar Adriático, chegando à capital bizantina em Maio de 1097, dois meses depois da aniquilação da Cruzada Popular.
Com escassez de alimentos, os cruzados acampados às portas de Constantinopla esperavam que Aleixo I Comneno, que tinha solicitado a sua ajuda, alimentasse a vasta multidão, reforçada pelos ainda mais miseráveis sobreviventes da Cruzada Popular. Outros populares pobres, sem equipamento, armas e armaduras adequadas para a campanha militar, tinham acompanhado os vários nobres. Pedro o Eremita, que se juntara à Cruzada dos Nobres em Constantinopla, foi responsabilizado pelo bem-estar destes pauperes, que assim se organizaram em pequenos grupos, geralmente liderados por um nobre também empobrecido.
O imperador bizantino estava apreensivo quanto a esta multidão, frequentemente hostil, que provocara incidentes com os povos dos locais por onde passava, para além da sua experiência anterior com os peregrinos da Cruzada Popular. Para além disso, o seu velho inimigo Boemundo de Taranto liderava parte da expedição.
Pretendendo exercer algum controlo sobre os cruzados, em troca de provisões e transporte para a Ásia Menor, Aleixo exigiu que os líderes da cruzada lhe prestassem um juramento de vassalagem e prometessem entregar ao controlo bizantino todas as terras que conquistassem aos turcos. O braço de ferro entre orientais e ocidentais quase levou a um conflito armado em grande escala na capital do império.
Sem alternativa, a maioria dos líderes sujeitou-se ao juramento, que acabariam por não cumprir. Outros, como Tancredo de Hauteville, recusaram-se terminantemente, e Aleixo acabou por ceder em fornecer provisões e transporte a todos. Raimundo IV de Toulouse terá sido o mais hábil político, evitou fazer o juramento ao prometer vassalagem ao imperador apenas se este liderasse pessoalmente a cruzada. O bizantino recusou, mas ambos se tornaram aliados, partilhando uma apreensão em comum sobre a pessoa de Boemundo.
Para acompanhar os cruzados através da Ásia Menor, Aleixo enviou um exército bizantino liderado por um general chamado Tatizius. Conforme o acordado em Constantinopla, o seu primeiro objectivo era a tomada de Niceia, recentemente conquistada pelos seljúcidas, e agora a capital do Sultanato de Rum. Boemundo de Tarantotornou-se no principal líder da Primeira Cruzada no percurso de Constantinopla a Antioquia. Comandou um cerco algo ineficaz a Niceia, uma vez que não foi possível controlar os movimentos no lago que bordeava a cidade, e por onde esta continuava a poder receber abastecimentos e fazer comunicações.
O sultão Kilij Arslan I, fora da cidade, aconselhou os seus soldados a renderem-se se a sua situação se tornasse insustentável. Temendo que os cruzados saqueassem Niceia e a destruíssem, ou que não cumprissem o seu juramento de lhe entregar as suas conquistas no Levante, durante a noite Aleixo I Comneno negociou em segredo a rendição da cidade ao Império Bizantino. Na manhã de 19 de Junho de 1097 os cristãos latinos surpreenderam-se ao ver o estandarte bizantino nas muralhas da cidade. Proibidos de saquear, só lhes foi permitida a entrada na cidade de pequenos grupos, sob escolta.
Sentindo-se traídos pelos seus aliados, e depois de coagidos a prestar o juramento de vassalagem, a partir deste momento os cruzados começaram a sentir-se sozinhos na sua expedição, sem obrigações para com os bizantinos. Para simplificar o problema dos abastecimentos, o exército cristão dicidiu-se em dois grupos: na vanguarda, Boemundo, Tancredo de Hauteville,Roberto II da Normandia e Roberto II da Flandres, ainda acompanhados de forças imperiais; na retaguarda, Godofredo de Bulhão, Balduíno de Bolonha, Raimundo IV de Toulouse, Estêvão de Blois e Hugo I de Vermandois. Estêvão de Blois escreveu para a sua esposa neste período, dizendo acreditar que a marcha até Jerusalém demoraria cinco semanas. Na verdade, demoraria dois anos, e Estêvão abandonaria a cruzada antes disso.
A 1 de Julho, o grupo de Boemundo foi cercado nas proximidades de Dorileia. Godofredo e mais alguns do segundo grupo vieram em auxílio de Boemundo, mas seriam as forças do legado Ademar de Monteil, provavelmente comandadas por Raimundo de Toulouse, que tornariam a batalha numa vitória decisiva dos cruzados. Kilij Arslan retirou e os cruzados continuaram quase sem oposição através da Ásia Menor, na direcção de Antioquia. Pelo caminho conquistaram algumas cidades - Sozopolis, Iconium e Cesareia Mazaca - apesar de a maioria destas voltar para o domínio turco em 1101.
Em pleno Verão a marcha era difícil, e os cruzados tinham pouca comida e água, pelo que homens e cavalos morriam em grande número. Apesar de ofertas de alimentos e dinheiro que por vezes recebiam de outros cristãos na Ásia e na Europa, os peregrinos viam a sua sobrevivência dependente de pilhagens aos poucos locais com recursos por onde passavam. Ao mesmo tempo, os diferentes líderes continuavam a disputar a primazia militar da expedição. Apesar de nenhum se conseguir afirmar decisivamente, a liderança espiritual era universalmente reconhecida no bispo Ademar de Monteil.
Em Heraclea Cybistra, Balduíno de Bolonha e Tancredo de Hauteville separaram-se das restantes forças, entrando em conflito entre si pela posse deTarso e outras praças que conquistariam aos cristãos arménios, ambos tentando estabelecer os seus feudos no Levante. Mas a situação nunca passou de pequenas escaramuças, tendo Tancredo acabado por continuar a sua marcha para Antioquia.
Depois de se juntar ao exército principal em Marach, Balduíno recebeu o convite de um arménio chamado Bagrat e seguiu para leste, em direcção ao rio Eufrates, onde tomou a fortaleza de Turbessel. Depois recebeu outro convite, desta vez de Teodoro de Edessa, um ortodoxo grego em conflito com a ortodoxia arménia dos seus súbditos. Balduíno foi-se impondo na política deste isolado domínio, depois ameaçou partir para se juntar aos restantes cruzados, obrigando o governante a adoptá-lo como filho e herdeiro. Teodoro foi assassinado a 9 de Março de 1098 e Balduíno sucedeu-o, tomando o título de conde e assim criando o primeiro estado cruzado - o Condado de Edessa.
Os cruzados tinham ouvido o rumor que Antioquia tinha sido abandonada pelos turcos seljúcidas, pelo que se apressaram a tomá-la. Mas ao chegar aos arredores da cidade a 20 de Outubro, verificaram que esta ainda estava ocupada e disposta a oferecer grande resistência, protegida por imponentes muralhas. Para além disso, a cidade era tão grande que os invasores não tinham homens suficientes a cercá-la eficazmente, pelo que foi parcialmente abastecida pelo exterior.
Durante os oito meses do cerco, em que tiveram de combater contra um exército de Damasco e outro de Alepo, os cruzados passaram por grandes dificuldades. Foram forçados a comer até os próprios cavalos ou, conforme as lendas, os corpos dos companheiros cristãos que não sobreviveram. Estêvão de Blois e Hugo I de Vermandois abandonaram esta expedição, acabando depois por aderir à Cruzada de 1101 para cumprir o seu voto. Balduíno de Edessa enviou dinheiro e mantimentos ao exército latino, apesar de não participar pessoalmente na acção militar.
Face às dificuldades do cerco, Boemundo de Taranto viu a ocasião de tomar um domínio para si. Imediatamente ameaçou, com o pretexto da demora, voltar a Itália para trazer reforços, mas as suas capacidades estratégicas e a importância do contingente que o acompanhava eram absolutamente necessárias à cruzada. Por isso foi-lhe prometido tudo o que quisesse para continuar. Entretanto a partida de Tatizius, o representante do Império Bizantino, deu-lhe um pretexto para alegar uma traição, o que podia autorizar os cruzados a considerarem-se livres do seu juramento a Aleixo I Comneno.
Quando chegaram notícias da aproximação de Kerbogha de Mossul, Boemundo pressionou um sentinela arménio, com quem tinha vindo a trocar comunicações, para permitir a entrada de um pequeno grupo de cruzados para abrir as portas da cidade ao exército principal. O plano teve lugar a 3 de Junho de 1098, seguindo-se o massacre dos habitantes muçulmanos da cidade.
Somente quatro dias depois, Kerbogha chegou para sitiar os até ao momento sitiadores da cidade. Devido ao longo cerco a que tinham sujeitado Antioquia, havia pouco alimento e a peste alastrava-se. Aleixo Comneno vinha a caminho para auxiliar os cruzados mas voltou para trás ao ouvir as notícias de que a cidade já tinha sido retomada.
No entanto estes ainda resistiam, moralizados por um monge chamado Pedro Bartolomeu que afirmou ter descoberto a lança do destino, que ferira o flanco de Cristo na cruz. Com este novo objecto santo à cabeça do exército, marcharam ao encontro dos muçulmanos, a quem derrotaram miraculosamente - milagre segundo os cruzados, que afirmavam ter surgido um exército de santos a combater juntamente com eles no campo da batalha.
Boemundo pretendeu tomar Antioquia para um seu domínio, mas nem todos os outros líderes concordaram, particularmente Raimundo IV de Toulouse, e a cruzada atrasou enquanto os nobres criavam partidos e discutiam. Historiograficamente entende-se que os francos do norte da França, os provençais do sul da França e os normandos do sul da Itália se consideravam "nações" separadas no todo do exército, e que cada contingente se unia para ganhar poder sobre os outros. Este pode ter sido um dos motivos para as disputas, mas a ambição pessoal dos líderes terá também tido um peso muito importante.
A tomada de Antioquia
Entretanto, a fome e a peste (provavelmente tifo) alastravam, matando inclusivamente o único líder incontestado e principal unificador da expedição, Ademar de Monteil. Em Dezembro, a cidade de Ma'arrat al-Numan foi conquistada depois de um cerco, seguindo-se o marcante incidente de um novo massacre e do canibalismo dos cruzados aos habitantes locais.
Descontentes, os nobres menores e os soldados ameaçaram seguir para Jerusalém sem os seus líderes mais notáveis. Sob esta pressão, no início de 1099 Raimundo de Toulouse (o mais carismático devido à sua crença no poder da santa lança) liderou a marcha para a cidade santa, deixando Boemundo livre para se estabelecer no seu Principado de Antioquia - o segundo estado cruzado.
Em Dezembro de 1098/Janeiro de 1099, Roberto II da Normandia e Tancredo de Hauteville tornaram-se vassalos do mais poderoso e rico Raimundo IV de Toulouse. Godofredo de Bulhão, apoiado pelo seu irmão Balduíno de Edessa, recusou-se.
A 13 de Janeiro, Raimundo iniciou a marcha em direcção ao sul, descalço e vestido como um peregrino, percorrendo a costa do mar Mediterrâneo. Os cruzados enfrentaram pouca resistência, uma vez que os pouco poderosos governantes muçulmanos locais preferiram comprar uma paz com provisões em vez de lutar. Também é provável que estes, pertencentes ao ramo sunita do Islão, preferissem o controlo de estrangeiros ao governo xiita dos fatímidas.
A caminho encontrava-se o emirado de Trípoli. Em 14 de Fevereiro o conde de Toulouse iniciou o cerco de Arqa, uma cidade deste domínio. Provavelmente, uma das suas intenções seria fundar um território independente em Trípoli que limitasse a capacidade de Boemundo expandir o seu principado para sul. Mas o cerco demorou mais do que o previsto e, apesar de algumas conquistas menores no local, o atraso da cruzada para Jerusalém fez-lhe perder muito do apoio que ganhara em Antioquia.
A cruzada prosseguiu a 13 de Maio, ao longo da região costeira, passando por Beirute no dia 19 e Tiro a 23. Em Jaffa abandonaram a costa e a 3 de Junho alcançaram Ramla, que tinha sido abandonada pelos seus habitantes. No dia 6 Godofredo enviou Gastão IV de Béarn e Tancredo de Hauteville para a bem sucedida conquista de Belém, e a 7 de Junho de 1099 os cruzados chegaram a Jerusalém, acampando no exterior da cidade. O exército cristão ficara reduzido a cerca de 1.200/1.500 cavaleiros e 12.000/20.000 soldados de infantaria, carentes de armas e provisões.
Um padre chamado Pedro Desiderius ofereceu uma solução de : afirmou que uma visão divina lhe tinha dado instruções para que os cristãos jejuassem e depois marchassem descalços em procissão ao redor das muralhas da cidade; estas cairiam em nove dias, da mesma forma que a Bíblia relata ter acontecido com Josué no cerco de Jericó. A procissão realizou-se no dia 8 de Julho.
Entretanto, uma frota da República de Génova liderada por Guilherme Embriaco desmantelara os seus navios para construir torres de assalto com a sua madeira, com as quais foi possível derrubar secções das muralhas. O ataque principal ocorreu a 14 e 15 de Julho (uma sexta-feira santa, sete dias depois da procissão). Vários nobres reclamaram a honra de terem sido os primeiros a penetrar na cidade. Segundo uma das crónicas da época, a exacta sequência terá sido Letoldo e Gilberto de Tournai, depois Godofredo de Bulhão e o seu irmão Eustácio III de Bolonha, Tancredo e os seus homens. Outros cruzados entraram pela antiga entrada dos peregrinos.
Durante a tarde e noite do dia 15 e manhã do dia seguinte, os cruzados massacraram a população de Jerusalém - muçulmanos, judeus e cristãos do oriente. Godofredo de Bulhão não terá participado deste aspecto mais violento, Tancredo de Hauteville e Raimundo de Toulouse teriam tentado proteger alguns grupos da fúria assassina, mas na generalidade falharam: a maioria dos relatos só diverge na descrição da quantidade de cadáveres amontoados ou de sangue que escorria pelo chão - segundo um cronista "Nunca ninguém tinha visto ou ouvido falar de tal mortandade de gentes pagãs". A estimativa do número de mortos varia entre 6.000 e 40.000. Segundo o arcebispo Guilherme de Tiro, os próprios vencedores ficaram impressionados de horror e descontentamento.
Assim que a tomada da cidade foi concluída, era necessário estabelecer um governo. A 22 de Julho, realizou-se um concílio na Igreja do Santo Sepulcro.Raimundo IV de Toulouse foi o primeiro a recusar o título de rei, talvez tentando provar a sua piedade, mas provavelmente esperando que os outros nobres insistissem na sua eleição.
Godofredo de Bulhão, que se tornara no nobre mais popular depois das acções do conde de Toulouse no cerco de Antioquia, aceitou o cargo de líder secular, mas recusou-se a ser coroado rei na cidade onde Cristo usara a coroa de espinhos. O seu título ficou assim mal definido - teria sido Advocatus Sancti Sepulchri (Protector do Santo Sepulcro), princeps (príncipe) ou dux (duque). Raimundo terá ficado desagradado com isto e saiu com o seu exército para acabar por cercar Trípoli.
A 12 de Agosto teve lugar a última batalha da Primeira Cruzada, com a relíquia da cruz na qual Jesus teria sido crucificado (descoberta no dia 5) na vanguarda do exército - em Ascalon, Godofredo de Bulhão e Roberto II da Flandres venceram os fatímidas. Depois disto, a maioria dos cruzados, entre os quais Roberto da Flandres e Roberto da Normandia, considerou os seus votos cumpridos e voltou para a Europa. Segundo Fulquério de Chartres, apenas algumas centenas de cavaleiros permaneceram no reino recém-formado.
Carta da Primeira Cruzada (Roger pertencia ao grupo assinalado a azul claro, proveniente da França). Todos os grupos se reuniram em Constantinopola.




quarta-feira, 18 de abril de 2012

Clip hipócrita

Basta de brincar à "caridadezinha"...


Custa-me bastante ver neste grupo certas pessoas, pois no seu todo, este clip é um nojo.

domingo, 15 de abril de 2012

Antonin Ivanovich Soungouroff

Antonin Ivanovich Soungouroff, nasceu na Rússia em 1894; em 1926 emigrou para a China, trabalhando como ilustrador para a revista russa “Youth”, e os seus quadros eram essencialmente baseados na cultura popular chinesa. Em 1933 estabeleceu-se em França, onde se tornou conhecido pelos seus retratos de atractivos jovens, particularmente jovens pescadores da costa mediterrânica, legionários, marinheiros e soldados. A sua obra está desde então abertamente ligada à vida e cultura gay. Tornou-se amigo de grandes vultos desse tipo de cultura, como Jean Cocteau e Roger Peyrefitte. Faleceu em 1982(?), na Cote d’Azur, no Sul de França.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

3 "Drei"

É este o filme que ontem estreou em Lisboa (Amoreiras) e Porto (Dolce Vita), do realizador alemão Tom Tykwer, que entre outros já nos deu o conhecido "Corre, Lola, Corre", e que agora disseca a vida de um casal da classe média, alemão, ambos à volta dos 40 e do aparecimento nas suas vidas de uma terceira pessoa. É um filme imperdível e dos poucos filmes sobre estes temas que aparecem no circuito comercial.
É curioso ver como este filme mostra na perfeição o conceito de bissexualidade que há dias aqui trouxe.
É um filme com cenas magníficas e aconselho-o sem reservas, e porque corre o risco de passar desapercebido na voragem da exibição de filmes americanos, é para ver rapidamente...
Gostaria muito de ter aqui as vossas opiniões.
Deixo o trailer internacional.


Só uma referência pessoal a uma cena do filme, que é a primeira passada na piscina (uma piscina linda, linda, não é Miguel?). Uma cena que mostra a minha teoria de que tudo é possível se surge uma oportunidade, e estou a falar de novo na bissexualidade.
A música do dia é uma das que faz parte da banda sonora.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Cet amour

Jacques Prévert foi um poeta francês da primeira metade do século XX, que deixou o seu nome ligado ao movimento surrealista. Dento da sua obra, merece destaque o livro "Paroles", de 1946, um dos livros que mais marcou a minha juventude.
Foi também o argumentista de muitos grandes filmes franceses dos anos 30 e 40.
Desse livro "Paroles", retirei este poema, "Cet amour", talvez um dos mais belos que já se escreveram sobre o amor e que aqui deixo na voz inconfundível da fabulosa Jeanne Moreau *


Este amor
Este amor
Tão violento
Frágil
Tão terno
Tão desesperado
Este amor
Tão bonito como o dia
E mau como o tempo
Quando o tempo está ruim
Este amor tão verdadeiro
Este amor tão bonito
Tão feliz
Tão alegre
Tão irônico
Tremendo de medo como uma criança no escuro
Tão confiante
Como um homem tranquilo no meio da noite
Este amor que assusta os outros
Que os faz falar
Que os faz empalidecer
Este amor de espionagem
Porque nós o espiávamos
Perseguidos feridos mortos pisoteados esquecidos negados
Por que temos perseguido ferido matado pisoteado esquecido negado
Este amor um pedaço
No entanto, tão vivo
E tudo ensolarado
E seu
E meu
Ele era o que era
Esta coisa sempre nova
Que nunca mudou
Verdadeiro como uma planta
Esvoaçante como um pássaro
Quente e vivo como o verão
Podemos tanto
Ir e voltar
Esquecermos
E depois dormir de novo
Despertar sofrer envelhecer
Adormecer novamente
Sonhar a morte
Acordar sorrindo e rindo
E rejuvenescer
O nosso amor está lá
Teimoso como um burro
Vivo como o desejo
Cruel como a memória
Seco como o arrependimento
Terno como a memória
Frio como o mármore
Tão bonito como o dia
Frágil como uma criança
que nos olha sorrindo
E nos fala sem dizer nada
E eu tremendo o escuto
E grito
Grito por você
Grito por mim
Eu imploro
Por você, por mim, por todos aqueles que amam
E que são amados
Sim, eu vou gritar
Por você, por mim e por todos os outros
que não conheço
Parado
Onde você está
Onde você esteve em outros momentos
Parado
Não se mova
Não se vá
Nós, que fomos amados
Nós, que fomos esquecidos
Não nos esqueçamos
Não tivemos mais que amor sobre a terra
Não deixemos tornar-nos frios
Embora muito longe ainda
E não importa onde
Dê-me um sinal de vida
Muito mais tarde à margem de uma floresta
Na floresta da memória
Levantemo-nos Agora
Para dar-nos as mãos
E nos salvar. **

É também de Jacques Prévert, outro magnífico poema,"Les Feilles Mortes", que deu origem a variadas versões musicais, de entre as quais gosto particularmente desta de Yves Montand


* Este poema pode ser traduzido em todas as línguas, mas ele é inigualável na sua língua original - o francês!
** I miss you so, so much, Déjan!!!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Aquele Abraço

No seguimento do êxito que teve o primeiro concurso PIXEL, da autoria do blog do Sad eyes, ele inicia agora um segundo concurso, cujo tema é a música que estão a ouvir: "Aquele Abraço".
Como gosto deste tipo de concursos, concorri ao primeiro e agora também estou presente nesta segunda edição.
Eis a minha história, que será a História #01 deste concurso.

“Tinha sido há nove meses - o tempo de uma gestação - que o tinha conhecido através de um site de encontros onde ambos tínhamos um perfil.
De uma simples troca de mensagens, passámos num curto espaço de tempo a uma demorada e cada vez mais sedutora troca de mails onde nos íamos dando a conhecer e onde aprendemos a gostar um do outro. O MSN completou este percurso de conhecimento mútuo e então reparei que aliada à beleza interior que já me tinha sido dada a conhecer, havia a beleza externa e ele era o que eu sempre tinha idealizado fisicamente.
Mas estávamos longe um do outro, muito longe, e o passo seguinte, que seria o conhecimento real, não era exactamente o mesmo de marcar um encontro para tomar um café, nem mesmo uma deslocação a outra zona do país. Obrigava a ir a um país desconhecido, a ter com ele. E se as coisas não corressem bem? Se o retrato que ambos tínhamos feito um do outro falhasse por qualquer motivo, sexo incluído? Valeria a pena?
Arrisquei e fui. O encontro no aeroporto foi quase comovente e as palavras faltaram-nos. No táxi que nos transportou ao centro da cidade, ao seu apartamento, apenas tínhamos os nossos dedos mindinhos unidos e trocávamos sorrisos nervosos, mas estávamos a viver um momento único.
Chegados a sua casa, e mal a porta se fechou, abraçámo-nos no mais longo e no mais terno abraço de toda a minha vida. O nosso primeiro abraço, ao fim do qual não havia mais dúvidas e todos os temores e nervosismos se diluíram num primeiro beijo.
O primeiro de muitos, o primeiro de uma nova vida que hoje continua…”

domingo, 8 de abril de 2012

É "in" ser bi???

Desde que há já bastante tempo, mais propriamente desde que li um interessante livro sobre a bissexualidade, da autoria de Margaret Meade, em que ela afirma que todo o ser humano é potencialmente bissexual e essa bissexualidade a maior parte das vezes apenas não se manifesta quer por medo, quer por falta de oportunidade, que estou convencido dessa verdade que aliás vem de encontro ás teorias de Kinsey, segundo as quais as fronteiras entre as diferentes orientações sexuais são ténues nos seus limites e a respectiva catalogação obedece apenas a uma questão de predominância.
Sucede que agora, achei o momento oportuno para falar disto e encontrei um interessante artigo publicado na revista "Única" do jornal Expresso de 29 de Janeiro de 2011, de onde retirei este excerto, já que o artigo é demasiado longo:

"Podemos interrogar se a bissexualidade está na moda como tendência entre a população mais jovem, por exemplo, que, livre de preconceitos, é seduzida pela ideia da experiência? "Penso que não", diz Pedro Frazão*. "O que acontece é que, em Portugal, a discussão sobre as questões de género têm vindo a conquistar cada vez mais espaço na discussão política. Neste sentido, todas as questões relacionadas com a orientação sexual ganharam visibilidade, o que permite às pessoas sentirem-se mais livres para assumirem as suas escolhas. Não é uma questão de moda."
"A androgenia é uma tendência. A bissexualidade está na moda e vende", diz Alexandra Santos, 24 anos, voluntária na rede ex aequo, a associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT). Ela trabalha no Projeto Educação da rede e percorre as escolas do país a debater identidade de género: "A orientação sexual é um tema que se discute muito durante a adolescência, e a bissexualidade tem o apelo de ser interessante: sugere mente aberta, capacidade de experimentar... Mas, para além deste aspeto mais superficial, muita gente tem dúvidas sobre a sua identidade, e a bissexualidade é a caixinha da confusão. Mas não basta ter uma experiência homossexual para se ser 'bi'."
Apesar da tendência e da confusão, Alexandra Santos, assistente social, sabe o que sente. Afirma sem vacilar: "Não traio, não sou promíscua, tenho relações duradouras. Gosto de homens e de mulheres em igual percentagem." Soube que a atraíam ambos os sexos quando entrou na Faculdade e começou a perceber "que aqueles sentimentos giros que sentia pelas minhas amigas não eram só amizade". Aí, sim, a confusão instalou-se. Nada tinha ainda acontecido e já ela desesperava. "Ai, ai, o que vai ser da minha vida? Porque todos desejamos a normalidade. Assusta muito perceber que nem sempre é assim", conta Alexandra, agora descontraidamente sentada num café do Chiado. "Depois de me questionar se não seria só uma fase, fiz uma viagem à Bélgica para participar num programa entre jovens europeus, conheci uma rapariga e percebemos que tínhamos muita coisa em comum. Principalmente a nossa fé. Quando voltei, continuámos a falar no Messenger e combinámos encontrarmo-nos. Namorámos alguns meses entre cá e lá e depois terminou."
Foi nessa altura que se aproximou da rede ex aequo. Queria encontrar outras pessoas que sentissem coisas semelhantes e perceber que identidade era aquela. A questão do pecado preocupava-a. Um dia ouviu esta frase de uma crente: "Deus manifesta-se em cada um de nós quando estamos bem e fazemos bem aos outros." Sentiu que poderia ter essa força e arriscou clarificar. Em casa, começou a espalhar discretamente as revistas distribuídas pela rede LGBT até a mãe perguntar: "Aquelas revistas que trazes cá para casa são o quê?" Alexandra falou na ex aequo e explicou o projeto: "E o teu pai sabe disso?" Nessa noite, ao jantar, com as três irmãs e o pai já sentados à mesa, a mãe voltou à carga: "Tu és alguma dessas coisas?" Ela disse: "Tanto poderia casar com um homem como com uma mulher." A mãe ainda tentou dar um ar de normalidade: "Se fosses homossexual, eu aceitava." O pai disse logo que não aceitava e uma das irmãs perguntou-lhe: "O que é que te deu para dizeres uma coisa dessas aos pais?" Alexandra encolheu os ombros: "Porque é verdade."
Hoje acredita que para a sua família seria menos complicado se ela fosse homossexual. Pelo menos, seria uma coisa só. Agora aquilo assim... "Como é que se consegue gostar de homens e de mulheres ao mesmo tempo? Lá está, a questão da promiscuidade. Mas eu sou monogâmica e não tenho namorados e namoradas em simultâneo." Tenta explicar que cada sexo tem as suas diferenças, e ela gosta dessas diferenças. "Sinto-me atraída por pessoas e não por géneros", diz Alexandra. Depois dá conta da frase e desata a rir: "Este é o verdadeiro cliché dos 'cotonetes', não é?"
Pedro Frazão, o psicólogo, esclarece: "Esse é precisamente o discurso da bissexualidade. Interessa é o que se sente por determinada pessoa, independentemente do sexo. Como há uma maior abertura em relação à homossexualidade, essa abertura reflete-se, naturalmente, nos jovens, e observo que cada vez os discursos são menos estanques em relação aos rótulos identitários. Nestas faixas etárias tem-se, naturalmente, menor dificuldade em definir atrações e experiências e há uma noção cada vez mais clara de que todos os percursos são diferentes."
Os pomossexuais. "Já ouviu falar em pomossexualidade?", pergunta Ruben. Espreitamos a Wikipédia: "Pomossexual é um neologismo que descreve pessoas que evitam rótulos restritos como hetero, homo ou bissexual."
Ruben Santos, Raquel Bravo, Marta Cardoso: 19, 17 e 20 anos, respetivamente. São estudantes associativos e muito empenhados em causas cívicas. Ruben e Marta conheceram-se na Associação do Liceu Padre António Vieira. Raquel é animadora de teatro comunitário e amiga de Marta. Os três afirmam perentoriamente que não gostam de definições: "Os rótulos são muito limitadores. Acredito que, ao longo da vida, qualquer pessoa pode sentir emoções pelo sexo de que é suposto gostar e pelo que é suposto não gostar. Não conheço ninguém da minha idade que não sinta essa atração", conta Marta, referindo o seu interesse por raparigas e a maneira como gosta de viver cada uma das suas relações. Por agora está menos interessada no género masculino. Mas, aos 18 anos, ainda nada precisa de ser definitivo.
Também Raquel Bravo tem dificuldade em usar claramente uma palavra que a classifique: "Sei o que não sou", diz, tentando clarificar. "Não sou hetero, nem homo. Durante cinco anos tive um namoro fortíssimo com um rapaz que morreu e depois a minha relação com os homens mudou. Era como se estivesse a traí-lo. Quando entrei no meio artístico, tive as minhas primeiras relações lésbicas", conta Raquel descontraidamente: "Não quero casos. Quero definitivamente estar com alguém que seja minha e eu dela. Não sei se será um homem ou uma mulher, também não me preocupa. Gostar é simplesmente gostar."
Ruben Santos, o rapaz que também não sabe se é ou não homossexual, tem a teoria de que todas as pessoas, se pudessem, seriam 'bi' e acredita que só não são por uma questão de educação. "Como é que uma pessoa pode dizer sim ou sopas se não experimentou?", interroga. "Se temos várias opções, porquê aceitar uma só?" Excluir, logo à partida, a possibilidade de atração por pessoas do mesmo sexo pode ser uma construção. "Para um rapaz, custa muito aceitar. Cheguei a ter nojo de mim. Fazia-me confusão a ideia de uma relação estável ou de envelhecer ao lado de um homem. Agora, embora ainda sinta algum medo desse quotidiano, já não penso tanto nisso."
Marta, que em breve irá para a universidade e tem ideias muito próprias sobre o amor, conta que nunca se sentiu excluída ou posta de lado quando está com uma rapariga. Os amigos todos sabem e aceitam. Afirma que na sua geração é normal nos liceus os casais homo andarem abraçados: "Ninguém liga. Nem os professores."
Ruben, apesar das dúvidas, por agora não lhe interessa pensar em escolhas. Neste momento, namora com um rapaz. Mas sabe que quer ter filhos seus. E não é só isso: "Gosto do masculino e do feminino. De proteger e de me sentir protegido quando me deito num abraço", reflete.
"A bissexualidade é a zona invisível", diz Joana, a terapeuta. "A ânsia de sabermos o que somos, de nos definirmos, tem a ver com a eterna necessidade de tentarmos perceber porque nos apaixonamos por A ou por B. Nunca sabemos porque nos apaixonamos, e mesmo para a ciência continua a ser um grande mistério.”

* - Pedro Frazão, psicólogo clínico, especializado em questões de género, concorda que, entre todas as orientações sexuais, a bissexualidade é a mais difícil de definir. "Na comunidade académica e científica era entendida como uma imaturidade. A partir do Relatório Kinsey publicados entre 1948 e 1953, a nossa sexualidade começou a ser observada como um mapa que se vai construindo e delineando ao logo da vida, sobretudo no percurso das mulheres", afirma o psicólogo. "É um dado que a sexualidade feminina é mais complexa, e nas mulheres a orientação sexual decorre com maior fluidez do que nos homens."

E não me perguntem bem porquê, mas achei nada descabida, e até bastante oportuna a inclusão nesta postagem do conhecido vídeo dos R.E.M. "Everybody Hurts"

segunda-feira, 2 de abril de 2012

"António & Miguel"

Tenho plena consciência que esta postagem vai agradar apenas a uma restrita franja de quem me segue.
Há muito, tenho em "stand by" estes dois vídeos, que no seu conjunto, mostram um bailado apresentado em 2000 em publico, com coreografia de Miguel Pereira e interpretação do próprio e de António Tagliarini e tenho hesitado em publicá-lo aqui ou não; a hesitação não é motivada, pelo facto da nudez dos corpos, pois é uma obra que nada tem de pornográfica ou mesmo de provocadora.
A hesitação deve-se ao restrito número de apreciadores deste tipo de bailado, integrado no bailado contemporâneo, por vezes de muito difícil assimilação.
Miguel Pereira é um bailarino e coreógrafo com provas dadas no mundo do bailado e ousou ser ele próprio nesta que talvez seja a sua peça mais representativa. 
Esta peça é uma reflexão sobre o espectáculo, sobre a criação e sobre o intérprete enquanto intermediário da obra. É um trabalho de evocação a outros criadores que influenciaram o nascimento desta peça e que questionam a pertinência do próprio espectáculo. Uma grande ambiguidade entre o verdadeiro e falso está profundamente inscrita em "António & Miguel".
Se bem que o espectáculo seja apresentado como "de dança", e seja da dança que vêm ambos estes criadores, trata-se essencialmente de uma performance.
Apesar destes considerandos, é uma peça fundamental da história da dança contemporânea em Portugal.

O segundo vídeo é bastante mais interessante que o primeiro ( para os que acharem que "isto" é chato).