“Uma das coisas que me faz espécie, aqui nos Balcãs, é haver bons de um lado e os sérvios serem sempre os maus”
Raul Cunha – oficial da missão da ONU no Kosovo in “Jornal de Negócios” de 18 de Dezembro de 2007
O Kosovo foi o coração do reino medieval sérvio; os sérvios perderam a sua liberdade e estiveram 500 anos sob ocupação otomana, depois da grande batalha do Kosovo, em 1389, tendo sido apenas em 1830, que a autonomia da Sérvia foi proclamada de novo, após a expulsão do invasor. Se o Kosovo foi o coração da Sérvia medieval e se era apenas formada por sérvios até ao final do século XIV, como se chegou ao Kosovo de hoje, com uma população esmagadoramente albanesa?
Houve três grandes vagas de êxodo sérvio: a primeira, em 1690, durante a ocupação turca e que tem razões históricas que não são importantes para o momento actual; a segunda, durante a ocupação pelos fascistas italianos, durante a II GG, e a última, durante o governo de Tito. A segunda vaga aconteceu porque a ocupação italiana e albanesa (seus aliados) incluía juntar à Albânia, o Kosovo e parte da Macedónia, pois o resto do território foi ocupado pelos nazis germânicos; e com essa ocupação italiana se formou a “Grande Albânia”, e foi neste período que a população albanesa começou a perseguiu os sérvios, forçando a fuga de milhares deles, enquanto se estabeleciam ali cada vez mais albaneses; assim, no final da II GG (1948), havia no território do Kosovo, que entretanto tinha sido libertado pelos “partizans”, em 1944 e se tornou parte integrante da República Federal Democrática Jugoslava, cerca de 500.000 albaneses e 200.000 sérvios; a população albanesa expandia-se muito mais rapidamente, com famílias de 10/15 filhos, e em 1971, havia já mais de 900.000 albaneses, para 260.000 sérvios. Foi nesta altura que começou a saga separatista dos albaneses do Kosovo, que fez expulsar cada vez mais a população sérvia, a quem era feita uma guerra feroz pela população albanesa, política essa tolerada por Tito, que não era sérvio, mas sim croata.
Assim, a primeira razão para as tensões no Kosovo foi o explosivo crescimento da população albanesa. Apesar dos esforços de desenvolvimento da região por parte do governo jugoslavo, o Kosovo tornou-se a mais pobre das suas regiões; a autonomia extensiva dada por Tito aos albaneses do Kosovo (autonomia regional dada em 1945, mas não uma autonomia real, pois o Kosovo continuava a ser parte integrante da Jugoslávia), foi por estes ultrapassada, com a sucessiva expulsão do resto da população não albanesa – terceira vaga. Os albaneses kosovares nunca pretenderam juntar-se à Albânia, país atrasado, pobre e esquecido do mundo, governado por um regime comunista pró maoísta e não seguidor da ortodoxia soviética. Entretanto, esta população albanesa do Kosovo começou a ser o centro de importantes actividades ilegais de venda de droga para o Ocidente e a enriquecer com isso; o Ocidente, na sempre prática e eficaz política de “dividir para reinar”, não só fechava os olhos a tudo isto, como até fomentava tal situação, pois sabia, principalmente os EUA, o valor dos recursos minerais ainda não explorados, que a região terá; os terroristas albaneses sempre tiveram o apoio americano, sendo poderosíssimo nos EUA o “lobbie albanês” .
Voltando à questão da autonomia da província, durante o mandato de Tito, foi havendo sucessivos alargamentos das regalias dos albaneses, que pretenderam em 1970, ser reconhecidos como as outras “nações” que constituíam a Jugoslávia, e não estar incluídos na “nação” sérvia e os grupos mais extremistas começaram a pedir mesmo a independência; Tito não foi capaz de estancar estes acontecimentos. Após a morte de Tito e das naturais convulsões internas na Jugoslávia, chega ao poder o sérvio Milosevic e começa a guerra dos Balcãs, que levou à independência da Eslovénia em 1991, e mais tarde da Croácia, Bósnia e Macedónia; foi uma luta terrível, fratricida, com violência e actos cruéis de TODOS os beligerantes ( a independência da Macedónia foi pacífica).
Claro que Milosevic, com o cerco a Sarajevo, viu todo o mundo contra ele, e até os próprios sérvios, e começou a enviar para o Kosovo as populações sérvias que fugiram da Croácia e da Bósnia; foi forçado internacionalmente a assinar o Tratado de Dayton, em 1995, que pôs fim à guerra.
No Kosovo forma-se o Exército de Libertação do Kosovo – UÇK, que se envolve em ferozes combates com a população sérvia e as forças que Milosevic envia para sua defesa; para obrigar Milosevic a terminar com os combates, a NATO, por ordem de Clinton, bombardeia Belgrado e a Sérvia, nos seus órgãos vitais, durante 78 dias consecutivos, em 1999, ao fim dos quais, Milosevic capitula, pois também internamente a contestação aumentava dia a dia, tendo durado escassos meses no poder até ser afastado por dirigentes democráticos numa revolta em Belgrado, a 5 de Outubro de 1999. Embora Milosevic tivesse sido uma personagem sinistra, neste caso do Kosovo, limitou-se a defender os sérvios do extermínio e da expulsão de que estavam a ser alvo, pelos albaneses, no território sérvio do Kosovo. Os bombardeamentos castigaram a Sérvia por defender o seu povo e o seu território e levaram à criação de uma zona “tampão”, governada pelos albaneses, sob o controlo e vigilância das forças da ONU, situação que ainda hoje se mantém. Mas estas forças têm-se limitado a ver os albaneses kosovares fazerem uma operação de limpeza étnica, expulsando por todas as formas possíveis, os sérvios, para criar o primeiro narco-estado da Europa, completamente dedicado ao contrabando da droga, de pessoas (prostituição) e de armas.
Conhecida a história, convém agora reflectir sobre o dia de hoje, e no agudizar da crise, com a entrada em força nesta questão, dos EUA, com múltiplos interesses na região, como já referi.
A política externa norte-americana, nomeadamente após o comunismo na URSS, tem sido a de “guardião do mundo” e “vigilante da paz”, mas nunca uma política conduziu a tantas guerras, a tanta violência, como agora. Acresce que seria extremamente útil ter um estado “amigo” e ainda por cima muçulmano, naquela região europeia, não só para os fins ilícitos ali praticados (o Kosovo é conhecido como a Colômbia da Europa, no que respeita à droga), mas também para a lavagem de dinheiro, tráfico de carne branca e eventuais interesses económicos das suas minas. Mas é extremamente hipócrita esta política americana, pois para serem coerentes, deviam os EUA reconhecer o direito à independência do povo curdo, em relação à Turquia (mas é aliado e parceiro da NATO) ou à Palestina (mas Israel é demasiado importante para os americanos); os problemas, quando começarem a surgir, serão na Europa e não na América e como sempre o território americano sairá imune de qualquer futuro conflito, consequente deste precedente perigosíssimo.
Do lado europeu, a Alemanha foi historicamente , é ainda e será sempre um inimigo da Sérvia e todos sabemos o peso da Alemanha no seio da UE. Mas como reagirão estados como a Espanha (com os problemas autonómicos por resolver, principalmente do país basco), Chipre (com parte do seu território ocupado pela Turquia), a Bélgica, com evidentes dicotomias entre valões e flamengos, e até a Inglaterra, se fosse coerente, em relação ao Ulster, entre outros ? A Grécia sempre foi um fiel aliado da Sérvia; Hungria, Bulgária e Roménia são vizinhos territoriais…Haverá consenso nos 27 ??? Abrir um precedente destes na Europa, será amanhã legitimar a ETA; será dar luz verde à separação da Bélgica entre valões e flamengos; e porque não permitir a independência dos sérvios da Bósnia, que representam 50% da população deste país ? E porque não os portugueses que residem no Luxemburgo ( 1/3 da população do país), pedirem a sua autonomia ?
Finalmente, se por um absurdo da História, milhares de galegos se tivessem fixado entre o Douro e o Minho, e quisessem agora declarar um estado independente, com o apoio do estado espanhol, incluindo esse território, claro está, Guimarães, o berço da nacionalidade portuguesa ? Como reagiríamos nós?
Não é com chantagens políticas, oferecendo à Sérvia o imediato início de conversações para a sua integração na UE, que se consegue vergar um povo; os sérvios sentem-se, e são-no, realmente, enteados e não filhos, numa Europa cada vez mais unida; têm grande vontade e necessidade de integrar a UE, mas nunca o farão como moeda de troca de uma perda do deu território – uma pátria não se vende…
A consideração de uma autonomia quase geral, mas não uma independência, poderá estar nos planos de alguns políticos de Belgrado, mas nunca subjugar-se a uma posição de força. E convém não esquecer Putin e a Rússia de Putin, aliado de sempre dos sérvios , que NUNCA aceitará uma independência unilateral do Kosovo e todos sabemos a necessidade que o novo czar da Rússia tem, de se afirmar internacionalmente; além do mais, a Rússia tem muito mais a dar à Sérvia do que a EU.
Portanto, qualquer resolução via ONU está, a priori, condenada ao fracasso, devido aos mais que certos vetos da Rússia e da China, e os americanos sabem isso perfeitamente.
Houve demasiados erros, ao longo da História, nesta questão do Kosovo e bastantes culpados. Talvez Tito tivesse sido o mais culpado, pois nunca soube, ou nunca quis precaver o futuro da Federação Jugoslava, que assentava em si próprio, e isso levou à guerra dos Balcãs e a esta situação no Kosovo.
Como já afirmei antes, o precedente da independência do Kosovo será perigoso para o mundo, principalmente para a Europa, mas que importa isso ao senhor Bush e à senhora Condolezza Ricce, que lhes importa a História? São demasiado grandes e importantes para se preocuparem com isso e sabem que têm o apoio quase total da EU, que ainda não percebeu que, quer em termos económicos, quer em termos essencialmente políticos, não é, nem poderá vir a ser subserviente em relação ao “expansionismo” americano. Vários actores americanos (George Clooney, Robert de Niro, Sharon Stone, Johnnie Depp, entre outros), já publicamente declararam o seu apoio à Sérvia, aliás como o insuspeito Sean Connery, defensor da autonomia escocesa.
Claro que a situação actual não é a de há 8 anos atrás, pois já não está no poder Milosevic, nem a América, a NATO ou a EU recorrerão a meios violentos para forçar situações; mas o que acontecerá no terreno?
Para finalizar, gostaria de dizer que no passado dia 25 de Janeiro foi publicado um artigo no jornal “Público” sobre este assunto; li-o, em Belgrado, on line; e houve comentários, muitos, mais de 40, não de políticos, não de comentadores políticos ou de “fazedores de notícias”, mas sim de gente anónima; e fiquei feliz por ver que a gente do meu país não é tão inculta ou mal informada como às vezes parece, pois esses comentários, na sua esmagadora maioria, condenavam, com argumentos válidos a independência do Kosovo. Mas, infelizmente quem governa não é o povo e todos sabemos que a posição oficial portuguesa será na EU, a do habitual “yes, sir”!!!!
Tadic, o candidato mais europeísta venceu, e agora? Fala-se que a proclamação unilateral da independência será feita esta semana… a ver vamos…