Hoje venho falar das primeiras viagens que fiz, sem a família, e que poderei situar entre os meus 10 e 17 anos.
Começo por referir as excursões liceais, muito diferentes das de hoje, pois eram muito cordatas, sob a guarda atenta de três ou quatro professores e que não tinham grandes horizontes geográficos : ficavam-se por cá e recordo-me bem das duas primeiras a que fui, logo no então 1º.ano do Liceu (Covilhã), equivalente ao actual 5º.ano, e que foi à região centro, com aquele itinerário clássico para a época – Batalha, Alcobaça, Fátima, Tomar, Coimbra, Nazaré e por aí; três dias diferentes, com companhia agradável, e pela primeira vez com uns “tostões” para poder gerir por mim próprio.
No ano seguinte foi a vez do Norte – Guimarães, Braga, Viana e curiosamente evitando o Porto, pois seria mais difícil o controlo...
Depois, apenas me recordo de ter ido, já no 6º.ano, actual 10º. e no Liceu de Castelo Branco, que já nos levou e pela primeira vez neste tipo de excursões a sair de Portugal, pois fomos até Salamanca. Já havia um controlo menos apertado e também a idade, sendo outra, nos proporcionava outros pequenos prazeres, mas nada de ir além do que era politicamente correcto.
Ainda no que respeita a visitas escolares, recordo uma efectuada a diversas unidades fabris e agrícolas, já no 1º. Ano de Económicas, que teve momentos memoráveis e que levaram a uma expulsão a meio da noite, de todos nós, de um hotel em Sesimbra, por distúrbios e mau comportamento, e só estávamos em 1963…Foi um passeio de que guardo recordações fabulosas.
Tenho que falar numa viagem, não escolar, que foi para mim, talvez a mais importante da minha vida e que se efectuou, tinha eu à volta de 16 anos, durante umas férias e em que fui passar um mês a Inglaterra. Tendo a minha família uma empresa têxtil, na Covilhã, havia entre os fornecedores de matérias primas – lãs – um indivíduo inglês que vinha todos os anos a Portugal e que se tornou relativamente amigo do meu Pai. Um dia, o meu Pai surpreendeu-me ao dizer-me que tinha acordado com o referido senhor, que eu fosse passar um mês, não à sua casa, mas perto, na cidade de Bradford, no Yorkshire, para desenvolver o meu inglês e também para me desenvolver um pouco em relação à vida, claro.
Fui de comboio até Londres, e recordo a emoção de ir sozinho, chegar à Gare de Austerlitz, em Paris e aí apanhar o metro até à Gare do Norte, onde apanhei o comboio que me levou à estação de Vitória em Londres. Aí chegado, fiquei confuso como tomaria o comboio para a cidade onde ele me esperava, mas vi um local de informações, onde expus o que pretendia, tendo inclusivamente dado á pessoa que me atendeu, o contacto do fornecedor em causa; disse-me para aguardar e passados uns 20 minutos disse-me que tinha falado com a pessoa e o que eu devia fazer: apanhar o comboio x na linha y e à hora z, com destino a Wakefield, onde chegaria já de noite. Era uma estação pequena e o senhor estaria ali à minha espera. Assim fiz e quando nos encontrámos, ele levou-me de carro, a Bradford, onde me tinha arranjado um quarto numa residência familiar que apenas tinha 3 quartos para alugar, e onde comeria (tudo pago por ele) e que tinha uma particularidade – a empregada dos quartos era portuguesa e assim eu poderia ter menos problemas linguísticos; mas a Conceição era madeirense e tinha ido directamente da Madeira para ali, pelo que quando comecei a falar com ela em português, cheguei à conclusão que era preferível falarmos em inglês.
Num outro quarto estava hospedado um rapaz mais velho que eu, espanhol, de Barcelona, o Xavier, com quem comecei a andar, visitando a cidade e os arredores (Bradford era e é uma cidade feia), íamos a uma piscina a Ilkley, chegámos a ir a Leeds, que era muito perto e fomos a ver filmes, o que era delicioso para mim, que já na altura adorava cinema e pude ver vários filmes que aqui estavam proibidos. E até fomos a discotecas abanar o capacete. Foi uma amizade muito saudável e o Xavier depois convidou-me a visitá-lo na Catalunha, onde vivia em Sabadell, perto de Barcelona, e onde iria começar a trabalhar numa fábrica de perfumes; acabei por concretizar essa viagem dois anos mais tarde e foi muito interessante. Nunca falámos em assuntos sexuais, eu era virgem, mas hoje tenho quase a certeza de que ele seria homossexual…
Quanto ao senhor, estava no seu trabalho, e sempre que podia ia buscar-me e levava-me a diversas cidades para as conhecer e assistir a coisas diferentes: assim fui a Manchester assistir a um jogo de futebol em Old Strattford, fui a Sheffield ver uma partida de crickett, que não entendi patavina, fomos a York, que é linda, linda e fomos ver corridas de cavalos, visitámos Coventry, com a sua catedral moderníssima ao lado da que tinha sido completamente destruída na guerra, enfim foi excepcional.
Voltei, passado um mês, bastante diferente, com uma visão de um mundo diferente, aprendi a desembaraçar-me sozinho e com dinheiro para gerir (não era muito, mas chegou, pois quase tudo foi pago pelo senhor). Foi uma maravilhosa lição de vida que o meu Pai me proporcionou.
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