Na Sérvia, a saudade traduz-se por “seta”, que também é um lamento, e por isso o fado é um estilo musical urbano, aceite quase de forma natural pelos sérvios, sobretudo em Belgrado.
Maja Volk, 52 anos, fundou há dois anos o "Beogradski fadisti", Fadistas de Belgrado, um grupo musical que interpreta vários géneros de fado e inclui três vozes de fadistas, masculinas e feminina.
Assim, o lamento da "canção nacional" portuguesa acaba por penetrar no âmago mais profundo dos sérvios, povo do outro extremo da Europa, dos Balcãs, região com vincados registos de história e memórias afinal tão diferentes desta nossa.
"Um amigo psicólogo descreveu-me o fado como um lamento sobre problemas psicológicos não resolvidos. É por isso que sérvios e portugueses têm algo em comum, porque na Sérvia temos muitos problemas psicológicos não resolvidos,", arrisca esta professora de arte dramática na Universidade de Belgrado, e ainda música, crítica de cinema, de teatro, escritora e apresentadora de um programa cultural na televisão.
"Tal como os sérvios, os portugueses gostam de se lamentar sobre o destino, o amor ou problemas psicológicos não resolvidos", insiste Maja, que diz ter sido "a primeira intérprete de guitarra clássica", em Belgrado.
No entanto, o "Beogradski fadisti" também propõe temas mais ligeiros, como os clássicos "Uma Casa portuguesa"
ou "Maria Lisboa", que podem ser visualizados no You Tube.
"Somos a única orquestra não portuguesa conhecida na Sérvia. Não somos portugueses mas interpretamos o fado", afirma em tom divertido.
Há dez anos começou a tocar e a cantar o fado e, em 2009, fundou o "Beogradski fadisti", nove músicos e cantores.
"Interpretamos diversos estilos, desde o fado tradicional até Cristina Branco, Marisa, Amália ou Ana Moura. Cada concerto é diferente".
O grupo registou ainda um enorme sucesso quando levou à cena, na capital sérvia, a "História do Fado", um "fado-ballet" com a participação de bailarinos e bailarinas do Teatro Nacional, e que lhes garantiu projecção internacional.
"Fomos convidados para o próximo festival de dança de Miami e a Embaixada de Portugal em Belgrado contratou-nos porque disse que isto é algo que não existe em Portugal. Que eu conheça, só em Belgrado!", assegura a mentora do "Beogradski fadisti".
O primeiro contacto de Maja Volk com o fado ocorreu no início de Junho de 1999, quando foi convidada para o júri do festival de cinema de Tróia, "exactamente na última semana dos bombardeamentos da NATO à Sérvia", como recorda.
Informou-se, escutou fados de Amália, comprou vários CD`s, e começou de imediato a cantar. "Foi o meu primeiro encontro com o fado, mas foi amor à primeira vista", confessa.
Um "amor" sempre relacionado com a saudade, ou a "seta", a forma como o povo sérvio exprime a sua saudade, através das canções de lamento urbanas que começaram a surgir em Belgrado nos inícios do século XIX, no período final da ocupação turca/otomana.
"Na nossa música urbana do século XIX, os poetas escreviam canções muito parecidas com as dos fadistas, incluindo no ritmo e na melodia. São ambas músicas urbanas e foi isso que me atraiu".
Nemanya Sekiz é um dos vocalistas deste grupo, tendo já actuado em Portugal, em várias casas de fado, graças à sua amizade com um dos músicos de Marisa, Luís Guerreiro, ele próprio convidado do grupo no seu maior concerto dado em Belgrado e que foi um enorme sucesso.
Se outras razões não houvesse, e há-as e muito fortes, felizmente, para eu gostar da Sérvia e do povo sérvio, esta seria suficiente.
Volim te, Déjan!
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No outro dia, a propósito da proclamação do Fado a Património Imaterial da Humanidade, vi uma referência a este conjunto numa das nossas televisões, acho que na TVI, e achei a ideia brilhante. Acho delicioso ouvir interpretes de outros países a tocar e a cantar Fado, é um misto de orgulho e prazer.
ResponderEliminarPinguim, obrigado pela partilha.
Extraordináriamente bem elaborado este post. Gostei particularmente. Parabéns.
ResponderEliminarLuís
ResponderEliminarsim, houve uma referência a este grupo, mas eu já há tempos estava para pôr um texto sobre estes magníficos "embaixadores do Fado" na Sérvia, e decerto também eles ficaram satisfeitos e orgulhosos com a escolha recente da Unesco.
Abraço amigo.
Luís
ResponderEliminareste elogio, ainda por cima vindo de quem vem, é muitíssimo gratificante, acredita.
Abraço amigo.
adorei, João. gostei muito do toquezinho eslavo, dá um subtil sabor exótico ao fado.
ResponderEliminardetesto aqueles puristas que acham que o fado para ser fado tem de ser cantado numa tasca reles por putas reformadas. detesto o purismo coimbrinha de que o fado de Coimbra não pode ser cantado por mulheres (pois se sou contra a proibição de mulheres no açãosacerdócio...)
e acho que o fado ser património da unesco só faz sentido se for assim, se o mundo se apropriar dele e fizer dele uma coisa outra, ainda que sendo o mesmo.
abr
Miguel
ResponderEliminaro purismo no fado, manifesta-se de variadas formas; caso os puristas fossem a maioria, o António Variações e mesmo a Marisa não seriam considerados fadistas.
Quanto a este grupo, como eu gostaria de os ver actuar aqui em Lisboa.
Abraço amigo.
Saber que o nosso Fado se exprime também neste sotaque sérvio, é uma boa surpresa. Adorei ouvir e saber como esta forma de expressão de sentimento (alegria e tristeza) vai ao encontro de tantos paises e culturas. Agora mais do que nunca por esse mundo fora!!! Muito giro o sotaque da cantora :)))
ResponderEliminarMuito fixe.
ResponderEliminarMz
ResponderEliminaros sérvios têm uma grande facilidade para aprender línguas e até na pronúncia, que é difícil para os países de línguas eslavas não está mal; muito boa mesmo, no intérprete masculino.
Beijinho.
Johnny
ResponderEliminarpara mim, de uma forma especial, claro...
Abraço amigo.
O fado é português, é alma, é tristeza, é história imortal de povo...
ResponderEliminarInteressante saber que temos afinidades, mais não seja em personalidade, com povos tão distantes. No fundo, admiro bastante os vários povos do leste europeu: com garra e determinação, libertaram-se do jugo da União Soviética e, no caso da Sérvia, da Jugoslávia, esse mosaico de povos só mantido à custa de Tito e do seu punho de ferro... Enfim, vingaram - e bem - as nacionalidades. (:
Mark
ResponderEliminara história da Jugoslávia, durante o tempo de Tito e o seu desmembramento após o seu desaparecimento é muito complexa e tenho aprendido muito sobre tudo isso, incluindo naturalmente toda aquela horrível guerra fratricida e posso dizer-te que tudo terá acontecido porque Tito não soube, ou não quis acautelar o futuro daquele mosaico de povos irmãos, mas de religiões diversas e com fortes tradições nacionalistas.
Mas aqui o que interessa é saborear este delicioso cantar eslavo com tons e sons de Portugalidade. o que faz jus afinal ao galardão agora justamente atribuído ao Fado - Património Imaterial da Humanidade.
Abraço amigo.
Mas que ignorância a minha! Sei pouco da Sérvia, mas nunca imaginei que eles tivessem "adoptado" o fado e o cantassem! E num português impecável!
ResponderEliminarObrigada pela informação, vou saber mais coisas desta gente:)))
Abraço
Justine
ResponderEliminarnão é ignorância; eles não são um grupo de projecção internacional.
A blogosfera serve é para isto: partilhar!
E no caso aqui referido, com um pouco de orgulho, pelo Fado e pela Sérvia, país que eu aforo, por razões óbvias e também objectivas.
Beijinho.
Os sérvios, os crotas e os eslovenos... creio que falam todos a mesma língua, mas escrita de formas diferentes. Servo-croata, certo? A língua da antiga Jugoslávia.
ResponderEliminarFireHead
ResponderEliminarem relação aos eslovenos há umas pequenas diferenças, agora croatas e sérvios falam a mesma língua que é como bem dizes o servo-croata.
Eu quando comprei um dicionário aqui, apenas encontrei Português - Servo-Croata, pois não há só sérvio ou só croata.
Mas também é das poucas coisas que têm em comum, pois odeiam-se mutuamente e têm religiões distintas: os sérvios são cristãos ortodoxos e os croatas são católicos.
Abraço amigo.
Obrigado, Pinguim. Não conhecia estes fadistas sérvios e fiquei impressionado. Muito bonito.
ResponderEliminarReouvindo o rapaz a cantar "Estranha Forma de Vida". Que beleza e com que sentimento! De fadista.
ResponderEliminarGostei muito deste post, e também de Nemanya Sekiz
ResponderEliminarGosto de vir ao teu blog, aprendo sempre qualquer coisa nova por estas bandas =)
Um grande abraço
Paulo
ResponderEliminaré uma surpresa muito agradável, mas para mim, não o é totalmente, pois os sérvios gostam mesmo do fado.
Notei isso a primeira vez que fui ter com o Déjan, ouvindo por mais de uma vez o som das vozes de Marisa, ou Dulce Pontes vindos de discotecas.
A Marisa dá um concerto por ano em Belgrado no Arena, equivalente ao Pav.Atlântico, sempre esgotado.
Uma vez ouvi uma cantora na rua piedonal a cantar uma espécie de fado, acompanhada por um guitarrista...
Este grupo é muito bom, e este concerto no Sava Center, a segunda maior sala de Belgrado, foi um êxito total e teve a presença do Luís Guerreiro, que fez amizade com o Nemanya e o trouxe a Lisboa.
A voz deste músico é fabulosa e interpreta o fado com um sentimento que parece ser possível só aos portugueses.
Abraço amigo.
Sérgio
ResponderEliminarobrigado pelas tuas palavras.
Quanto ao Nemanya ele é simplesmente magnífico.
Abraço amigo.
De facto era engraçada a conjectura da antiga Jugoslávia que se desmembrou e deu origem a tantos países. A etnia dos ex-jugoslavos é eslava, no entanto dentro dessa etnia branca existem sub-etnias, como os croatas, os eslovenos, os sérvios, agora também os montenegrinos, os bósnios... Etnias que se confundem com nacionalidades, só para não faltar do contexto religioso e da própria escrita da língua servo-croata (com o alfabeto latino ou com o cirílico). De facto trata-se dum caso bastante paradigmático.
ResponderEliminarFireHead
ResponderEliminaré muito curioso o que me aconteceu em relação à ex-Jugoslávia.
Há muitos anos, tinha o Tito morrido havia três meses, visitei aquele país, numa viagem que fiz (espécie de inter-rail), de Lisboa a Atenas.
E visitei variadas cidades, Zagreb, Liubjana, Serajevo, Skopje e naturalmente Belgrado.
Hoje, todas estas cidades são capitais de países independentes...
Quis o destino, que muitos anos mais tarde fosse encontrar o amor da minha vida em Belgrado, já como capital da Sérvia, e onde tenho ido desde há cinco anos com regularidade. Dos restantes países, apenas visitei ultimamente a Croácia, pois o Déjan, apesar se sérvio e de agora viver em Belgrado, nasceu em Zadar, na costa adriática, e onde ainda hoje vive o seu pai; e hoje mesmo, domingo, ele exerceu o seu direito de voto nas eleições croatas, pois tem dupla nacionalidade (mas detesta os croatas, hehehe).
Nessa minha ida a Zadar fui também a Split, cidade muito bonita, aliás como toda a costa da Dalmácia.
Abraço amigo.
Impressionante a forma como no estrangeiro olham para as coisas portuguesas.
ResponderEliminarInfelizmente, agora os portugueses passaram a gostar de fado e da amália, desde que a Unesco nos reconheceu.
Adorei esta tua partilha :)
Abraço
Francisco
ResponderEliminarestes já gostavam antes da atribuição da distinção da Unesco; mas pode dizer-se que manifestações de apreço pelo Fado, como esta, um pouco por todo o mundo, primeiro com a Amália e agora com a Marisa, ajudam a entender a justeza do reconhecimento do Fado como Património Imaterial da Humanidade.
Abraço amigo.
Eu a dar-te cansaço e Ricardo Ribeiro e tu a mostrar-nos a paixão do mundo pelo fado!
ResponderEliminarObrigado, Pinguim!
(Ainda não foi desta - também para o Paulo!)
João
ResponderEliminaras partilhas de cada um são igualmente importantes...
Abraço amigo.
Adorei conhecer este grupo, João.
ResponderEliminarÉ muito interessante como o Fado consegue contagiar as pessoas de todo o mundo... e pelo mesmo sentir.
Beijinhos.
Pat.
ResponderEliminareste grupo sente-o quase como o sentem os portugueses...
Beijinho.
Um fado-ballet! Que original. Não sei é se por cá seria bem recebido, os connoisseurs do fado são tão puritanistas...
ResponderEliminarAmigo Coelho
ResponderEliminarnão vamos tomar a palavra fado-ballet à letra.
Este teria sido o nome do espectáculo dado em Belgrado, pois o fado no estilo purista apenas, seria um pouco fastidioso para um concerto total.
Estou certo de que este grupo que tem variadíssimas interpretações de fados sem qualquer dança, se se apresentasse no nosso país, seria apenas com interpretações fadistas.
Aliás o Nemanya já actuou com grande êxito em diversas casas de fado aqui em Portugal; e nessas casa de fado, que são maioritariamente frequentadas por estrangeiros, também têm em geral um número de dança, para turista ver...
Abraço amigo.
E depois ando eu a dizer aos meus amigos estrangeiros que fado não se dança, só se sente...
ResponderEliminarAmigo Coelho
ResponderEliminare dizes tu muito bem; mas isso é quase só para nós portugueses e para pouca gente mais.
Mas se ouvires esta interpretação do "Estranha forma de vida" ela é bem sentida pelo cantor; não se limita a cantar, vive a letra...
Abração.
é uma simbiose curiosa. e gostei muito!
ResponderEliminarPaulo
ResponderEliminarhá mais simbioses entre a Sérvia e Portugal, ao nível das pessoas principalmente.
Claro que também há diferenças profundas, sendo a mais saliente a que separa os nossos brandos costumes ao ferver em pouca água característico da região balcânica.
Abraço amigo.