Ainda há pouco tempo,na semana passada, referi este mesmo livro, como um dos melhores que já li, no que concerne à literatura gay.
Mas António Botto, foi acima de tudo um grande poeta, que pela sua condição de homossexual foi perseguido e amaldiçoado, tendo por isso partido para o Brasil, onde morreu atropelado.
Este magnífico poeta e também ficcionista (não esquecer um belo livro para crianças "Os Contos"), tem a sua poesia essencialmente contida neste livro "As Canções", de que nunca me canso de ir de vez em quando...
Dele se retira este poema, intitulado "Poema da Cinza" e que ele dedica à memória de outro grande poeta, Fernando Pessoa.
Se o lerem atentamente, poderão nele encontrar muita actualidade, embora escrito há tanto tempo...
"Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas, escutai-me. Transformemos
A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho! e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!"
Adenda: sobre o exemplar que possuo deste livro, ler o meu comentário ao André, na caixa de comentários. E é a que está agora na foto.
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muito bonito :)
ResponderEliminarFrederico
ResponderEliminarsim, é muito bonito.
Aconselho-te um dia a adquirir este livro, pois estou certo, vais gostar muito.
Abraço amigo.
os patifes, os patifes bem falantes...
ResponderEliminartive uma sensação de déjà-vu, pois li isto não há muito tempo aqui no ciber-espaço.
não esmoreças. (a tendinite?)
bjs.
Margarida
ResponderEliminarsei que vi este poema algures e guardei-o para posterior postagem; mas não consigo relembrar onde, pelo que não pude citar a sua origem.
Mas já apareceu em vários blogs, mesmo naqueles que eu frequento.
A tendinite vai melhor, mas não curada, obrigado.
Beijinho.
mais um belíssimo poema do Botto, sem dúvida.
ResponderEliminaro exemplar das Canções que tu tens é esse da foto (edição da Ática)?
Não, Miguel
ResponderEliminare agora vou-te fazer inveja, pois eu tenho um exemplar de 1956, da Bertrand com um pequeno selo com a rubrica do autor...
Abraço amigo.
Meus pais nasceram na década de 20 mas, ao contrário do que seria "normal" para a época, nunca "baniram" autores. Graças a isso, posso partilhar o seguinte Soneto.
ResponderEliminarSe, para possuir o que me é dado,
Tudo perdi e eu próprio andei perdido,
Se, para ver o que hoje é realizado,
Cheguei a ser negado e combatido.
Se, para estar agora apaixonado,
Foi necessário andar desiludido,
Alegra-me sentir que fui odiado
Na certeza imortal de ter vencido!
Porque, depois de tantas cicatrizes,
Só se encontra sabor apetecido
Áquilo que nos fez ser infelizes!
E assim cheguei à luz de um pensamento
De que afinal um roseiral florido
Vive de um triste e oculto movimento.
Rosa
ResponderEliminarparabéns pelos Pais que tiveste e obrigado por partilhares aqui, este magnífico poema.
Beijinho.
Devia ter 16 anos quando descobri o Botto e, hoje em dia, ainda gosto mais da poesia dele. Como aliás este poema tão bem demonstra.
ResponderEliminarDo Botto, só conheço as Canções e há poemas de que gosto muito. Nem todos me vêm à memória (deste por exemplo não me lembrava). Excelente lembrança!
ResponderEliminarDe resto, bom dia de S. Valentim para para ti e para o Déjan! Apesar das distâncias, sejam o mais felizes possível!
Abraços aos 2
Lindo! Não há palavras.
ResponderEliminarMuito tocante. Gostaria de adquirir o livro. ^^
Arrakis
ResponderEliminarisso é perfeitamente normal; com o desenvolvimento dos teus conhecimentos, nomeadamente dos pressupostos da vida do autor, vamos conhecendo muito melhor a profundidade das suas palavras.
Abraço amigo.
Paulo
ResponderEliminaraconselho-te vivamente a ler o livro de que falo - "Os Contos de António Botto", onde se encontram, porventura alguns dos melhores contos infantis portugueses. É um livro surpreendente de um escritor perfeitamente imprevisível.
Como pode alguém escrever poemas como aqueles dois "Inéditos" que se encontram nas "Canções" e que "toda a gente" sabe quase de cor (o que termina com «e a puta fode» e aquele outro que tem o célebre «nunca te foram ao cu»), mas também a letra do hino religioso mais cantado em Portugal, o "13 de Maio"?
Abraço amigo.
Mark
ResponderEliminarfaz um favor a ti mesmo, e rápido: compra "As Canções", e depois diz-me alguma coisa...
Abraço amigo.
Botto é genial: um dos meus poetas favoritos :)
ResponderEliminarBackpacker
ResponderEliminarainda há-de vir a primeira pessoa a dizer que não gosta de Botto...
Apenas os insensíveis e eventualmente algum homófobo.
Abraço amigo.
Trágico fim dum excelente poeta que sofreu por ser gay.
ResponderEliminarNão conhecia, confesso, mas adorei, não só pela actualidade mas talvez mais ainda pela frontalidade, considerando a época.
Fantástico.
Cheguei cá pelo seu interessante comentário feito num Blog duma amiga.
Why not now? It's never too late, is it?
Beijo
Ná
gostei muito,
ResponderEliminarmais uma sugestão para a feira do livro :)
abraço
Olá Ná
ResponderEliminarprimeiro que tudo, um obrigado pela visita a este blog, que só tem uma regra: o tratamento obrigatório por tu! Há aí umas duas meninas que teimosamente ainda não se habituaram à ideia, mas eu resolvo o assunto, hehehe...
E claro que vale mais tarde que nunca...acerca do why not now?
A amiga comum deve ser a Mary (Brown Eyes), que por escrever tão bem, me obriga a comentar com algum cuidado.
Quanto a Botto, é único e tão maltratado que ele foi em vida, santo Deus...
Beijinho.
Francisco
ResponderEliminareu ando numa de compras de livros e este ano, ao contrário dos últimos anos também irei à Feira do Livro, a ver se encontro uns livritos esgotados...
E acho óptimo que adquiras este livro, poise uma relíquia...
Abraço amigo.
Gostei bastante de ler.
ResponderEliminarPS: ainda não vi os graffitis, enviastes para o meu mail?
Abraço
Olá Sérgio
ResponderEliminarsim, enviei para o teu mail.
Se não recebeste eu envio de novo...
Abraço amigo.
Por acaso também não conhecia. Gostei muito do "Poema da Cinza", ainda que não goste particularmente do Fernando Pessoa. :)
ResponderEliminarFireHead
ResponderEliminareu não sou daqueles que considere Pessoa um deus, mas é um enorme poeta.
Botto tem uma obra limitada em quantidade, mas admiro-o intensamente.
Abraço amigo.
Caro Pinguim,
ResponderEliminarAlém do belo poema do Botto, também uma belíssima música daquelas que nos levam ao céu. Nunca li nada do Botto, embora conheça o seu difícil percurso de vida. E nunca li nada dele talvez por eu não ser um grande admirador de poesia. Quanto aos contos infantis de que falas, estão em prosa ou em poesia? Gostaria de adquirir, para ler à minha filhota mais pequena. Que mais dizer Pinguim? Que é sempre um prazer imenso visitar o teu blog, que para mim é um espaço de amizade - ainda que à distância - de conhecimento, de cultura e de livre pensamento?
Um abraço de amizade.
Muito bonito. Não conhecia o autor. Beijinhos
ResponderEliminarLear
ResponderEliminarembora me custe acreditar (e não és caso único), como é possível uma pessoa com a tua cultura e sensibilidade, não gostar de poesia?
Eu sei que é a mais pessoal e introspectiva forma de comunicar, mas a poesia não é só importante para quem a lê, é-o principalmente para quem a escreve: e quando nós atingimos o que o poeta escreve e o interpretamos, à nossa maneira, por vezes até diversa, é maravilhoso.
Botto é admirável a "manobrar"as palavras...
O livro dos contos é em prosa, e é uma excelente prenda para oferecer a uma criança que aprecie a leitura. A mim ofereceram-me esse livro, tinha eu para aí uns 7 anos...Não sei é se está esgotado ou não.
Abraço amigo.
Mary
ResponderEliminarimperdoável, desculpa o desabafo...
Tens que te redimir disso rapidamente: toca a comprar o livro...
Beijinho.
Infelizmente não conheço muito de António Botto. Vou seguir o conselho que deste ao Mark.
ResponderEliminarUm coelho
ResponderEliminarestou aqui estou a ver, e com um imenso agrado, mais postagens sobre António Botto, aqui na blogosfera.
Abraço amigo.
adoro a contraposição que ele faz ao mundo tão próprio do Pessoa em relação ao dele. Eu sei onde é que este texto se integra nas condições actuais...mas é-me mais presente e latente esta mensagem como sendo de terna saudade...isto ainda são restos do dia dos namorados:-D
ResponderEliminarIma
ResponderEliminare quem sou eu para te contrariar?
Abraço grande.
A primeira vez que li António Botto foi numa edição da Ática, mas a minha é de outra editora, um livro bem velhinho. Essa edição tem o texto que Fernando Pessoa escreveu sobre as Canções? É um texto imprescindível... Abraço.
ResponderEliminarAndré
ResponderEliminaresta minha edição é uma relíquia!
Além de toda a sua obra em verso, suponho, dividido em "nove livros", tem um capítulo com "as cartas que me foram devolvidas" e um último escrito do poeta, intitulado "o poeta adoeceu".
Para além de apreciações breves a este livro, de nomes como Pessoa; Lorca e Virginia Wolf, tem um estudo crítico de Manuel Teixeira Gomes e com depoimentos de Unamuno, Camilo Pessanha e dois outros, intitulado, genericamente como "Marginália". Tem depois "Dois estudos críticos de Fernando Pessoa (António Botto e o ideal estético criador e António Botto, o poeta das canções eternas); e finalmente três outros artigos: uma carta que lhe é dirigida por João Gaspar Simões, um artigo de Raul Leal e outro de José Régio (Duas Palavras).
E como já disse no comentário ao Miguel, tem uma vinheta numerada com a rubrica do autor.
É um livro que se mostra e não se empresta!
Abraço amigo.
Caro Pinguim,
ResponderEliminarÉ verdade, não apreciar muito ler poesia, é uma insuficiência minha.
Já tentei várias vezes e sempre sem sucesso. Porém, gosto de ouvir declamar porque, nesse caso, o declamador, se for bom, dá alma ao poema e isso já é outra coisa. Por exemplo gosto muito de ouvir o Vitor de Sousa declamar. Confesso ainda outra insuficiência minha: não gosto de jazz contemporâneo. Aprecio o jazz, digamos mais antigo, mais clássico, mas não o mais moderno.
Um abraço de amizade,
Lear
ResponderEliminarnão lhe chamaria insuficiência, pois é uma questão de gosto, apenas.
A minha admiração advém de não ser muito normal,mas não és único.
Sobre declamação, o maior continua a ser sempre João Vilarett.
Eu também demorei a "entrar" no jazz, mas quando comecei a gostar, todo o jazz me começou a interessar.
Não conhecia e achei magnífico!
ResponderEliminarEscolheu muito bem...
Obrigada por compartilhar uma obra tão bonita.
Beijinhos
Pat
ResponderEliminarBotto foi um homem que não dos deixou um legado grande, pois não escreveu muito; mas o que escreveu foi muito bom e deixou-nos também a história de uma pessoa que se "afirmou" quando tal era muito difícil...
Beijinho.
tu bem o disseste, que eu ia ficar com inveja. estou ansioso por poder ver, com os olhos e com as mãos, essa tua preciosidade.
ResponderEliminarabraço
Miguel
ResponderEliminarcomo podes ver, alterei a foto e agora esta é mesmo a do livro que cá tenho.
E se te deres ao trabalho de ler o que escrevi no comentário ao André Benjamim, já podes ver a relíquia que tenho aqui...
Abraço amigo.