quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
"Salto Mortal"
Eu adoro ler e na minha juventude, entre os 16 anos e a minha ida para a tropa eu li muito e diversifiquei muito as minhas leituras.
Durante a vida militar,não tinha nem tempo nem disposição para ler e quando a acabei, entrei na euforia de ler os jornais e revistas e lia-os de fio a pavio, não me restando tempo para ler livros e até comecei a acumular jornais atrasados, o que era ridículo.
Foram anos e anos perdidos de leitura que hoje lamento profundamente e que só começaram a ser compensados de alguma forma, depois de já reformado, ter deixado um part-time que tive uns anos, como delegado de vendas do Círculo de Leitores.
Assim, quando me cansei de andar de casa em casa, e resolvi mesmo parar de trabalhar, recomecei a ler e verifiquei que tinha “montanhas” de livros que tinha adquirido ao longo dos anos, para ler.
Mas e entretanto houve muitos livros que me começaram também a interessar e eis-me não a ler o que tinha em casa mas principalmente o que ia (e vou) adquirindo.
Desde há cerca de quatro anos que leio quase compulsivamente, mas com um enorme prazer e ando com uma média de leitura bastante interessante (cerca de 60 livros por ano).
Dos muitos livros que tenho adquirido, vários há que me despertam particular interesse, estando nesse caso os romances históricos e os livros relacionados com as actividades LGBT.
Foi assim que comprei um livro enorme, mais de 800 páginas, do qual muito ouvi falar e de uma autora célebre mas da qual nunca havia lido nada – trata-se do livro “Salto Mortal” de Marion Zimmer Bradley, da qual me recordava do êxito que tinha tido com a série “As Brumas de Avalon”.
Tenho uma mania talvez idiota, no que se refere aos livros que tenho para ler, e que também acontece nos muitos filmes que tenho para ver (outro bom vício) e que se traduz em não ler o que tenho mais interesse, mas o que está na lista ordenada conforme vou tendo os livros, e que só tem excepção quando alguém me empresta um livro, o qual tem natural prioridade, para que o possa devolver com brevidade.
Ora sucede que me apareceu, nessa natural ordenação, neste momento “O Salto Mortal”, quando eu tinha planeada uma viagem de duas semanas à Alemanha para estar com o Déjan, que estando a trabalhar me deixaria algum tempo disponível para a leitura.
Ainda estava no final de um outro livro quando cheguei, mas terminei-o em dois dias e assim lá fui à minha “aventura” de ler um livro de 878 páginas.
E não é que li o livro numa semana?
O único problema que o livro me deu foi ter um volume enorme, incómodo para o transportar até um café ou para ler na cama; de resto, nem dei por ele...
“O Salto Mortal” poderá não ser o melhor livro que já li, mas entra sem hesitação no grupo muitíssimo restrito daqueles livros que sempre enumero quando me questionam quais os livros de que mais gostei.
E porquê?
Primeiro que tudo pelo tema, o amor entre dois homens, ambos jovens, embora um sendo ainda menor, e ambientado num mundo que sempre me fascinou – o circo.
Penso não ser único a procurar num livro (ou mesmo num filme) algo que de uma forma ou outra tenha um pouco a ver comigo, e quando tal acontece, o livro (ou o filme) mais me interessa.
Neste livro eu encontrei alguns pontos em que isso acontece, nomeadamente no ponto principal e que é viver um amor difícil.
Claro que as circunstâncias são bem diversas mas o fulcro que é o amor ser mais forte que as contrariedades, esse está lá; e até algumas das contrariedades não serão totalmente diferentes, pois se em 2015 o relacionamento entre dois homens é visto de uma maneira muito diferente do que nos anos 40 e 50 do século passado, continua a haver uma homofobia grande e aqui refiro-me principalmente ao facto do Déjan ser sérvio e no seu país, a homossexualidade ser vista quase pior que nos EUA nos anos atrás referidos.
Há depois outros pequenos pontos de identidade comigo que são referidos no livro, um deles que é raro ver tão bem definido como eu o sinto e tem a ver com a fidelidade num relacionamento (homossexual).
Como muita gente sabe, sou avesso a citações de livros, mas aqui abro uma excepção e passo a citar:
“Sabes? Pergunto-me se saberás. Essas coisas em relação à fidelidade, esquecer todos os outros...isso é para os adolescentes ainda verdes, ou para os papás e as mamãs que estão a criar os filhos, e para quem a interferência de alguém podia dar cabo da vida aos miúdos. Para os homens, tentar jogar esse jogo, não dá resultado. Talvez duas mulheres o possam fazer, não sei. Mas para os homens, não serve. Se tentarem ser muito castos e fiéis, e nunca tocar em mais ninguém, e tiverem ciúmes, vão acabar por se odiar um ao outro. Eu sei que é assim porque já tentei viver assim uma vez. Não podem pertencer um ao outro dessa maneira. Tu não és propriedade dele assim como ele não é propriedade tua. Eu quero-te. É tão simples como isso. Achas que isso vai realmente tirar alguma coisa ao Matt?”
Isto tem muito a ver com a minha velha teoria de que a verdadeira fidelidade está centrada na mente e no coração e não propriamente no sexo.
Por isso eu sempre me considerei fiel nas poucas relações realmente importantes que tive, mesmo sendo uma delas uma relação aberta, comummente aceite por ambos (não, não é a actual...)
Mas o livro é também muito mais.
Fala-nos do mundo mágico do circo, e principalmente do mundo dos trapezistas.
Eu pouco sabia deste particular mundo e a forma como a autora nos transmite toda a mística que envolve essa magia de o homem poder “voar” é absolutamente arrebatadora e mostra um trabalho de pesquisa assombroso pois ela vai a pormenores incríveis nas suas descrições.
Um outro tema abordado é a questão familiar.
Não havendo aqui aquele lado mafioso que encontramos noutras famílias de origem italiana radicadas nos EUA, o lado da união, da fortaleza familiar que aqui encontramos é maravilhoso.
E depois as personagens e são múltiplas, tão bem definidas, e tão complexas algumas delas são, nos seus confrontos e nos seus afectos – uma maravilha.
Um livro que recomendo, sem quaisquer reservas, e a toda a gente, pois até na descrição de algumas cenas intimas, MZB tem o cuidado extremo de nunca ir demasiado longe e é até bastante púdica e o livro só ganha com isso.
Ainda bem que trouxe comigo o Kobo, e assim já li com grande prazer o pequeno livro do Miguel "Fados" e estou finalmente a ler a edição também da Index de "O Corredor de Fundo" da Patricia Nell Warren.
Publicada por
João Roque
à(s)
08:57
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Muito interessante a resenha e, mais ainda, as reflexões e paralelos com a obra. E sobre relacionamentos, é isso mesmo. Coincidentemente, acabo de ler um texto que termina com "... As vontades que realmente importam são as nossas e as das pessoas de quem gostamos e não algum ideal de relacionamento de amigos, conhecidos ou parentes." http://www.papodehomem.com.br/voce-nao-precisa-namorar-ou-noivar-ou-casar-ou-qualquer-coisa-assim/
ResponderEliminarEdu
Eliminarmuito interessante mesmo o texto que aqui me deixas e que, tem muito a ver, sim, com o que digo e sinto sobre fidelidade. Mas note-se que eu não advogo que toda a gente pense como eu - se houver casais para quem a fidelidade total seja a felicidade, óptimo.
Cada um deve prosseguir a sua vida a dois da melhor forma que ambos achem e nada mais.
Beijo.
li este livro há muitos anos, no ano 2000, por recomendação de um namorado que achava estranho que eu, sendo um leitor tão ávido, nunca o tivesse lido, logo este que era um dos seus livros preferidos. gostei bastante na altura, apesar da "escrita feminina", como diria o nosso amigo J. Máximo. acho que o que mais me encantou foi essa mistura de homossexualidade e circo que é um fascínio que vem da infância, como creio que acontecerá com muitas outras pessoas da nossa idade, em que não havia assim tantas diversões como há hoje e a vinda do circo à cidade era uma festa.
ResponderEliminarquanto ao último parágrafo, vejo que já estás a dar no kobo. os ebooks são óptimos para quando viajamos, leves, fáceis de transportar, e tornam mais cómodos os livros grandes, como o Corredor de Fundo (e como seria o próprio Salto Mortal, se houvesse em formato electrónico).
e já agora, quanto aos fados, e tendo em atenção o que escreveste no GR e no G+, agradeço-te a referência (e as estrelas!!!). de facto é um livrinho pequeno e despretencioso, nem lhe chamo um livro de poemas, porque aquilo são mais uns versos simples e rimados. o livro só existe por circunstâncias extraordinárias e pela muito boa vontade (e amizade) do J. Máximo.
Miguel
Eliminar"Salto Mortal" é uma obra prima e está tudo dito.
Quanto aos e-books, realmente, neste momento estão a dar-me um jeitão...
O teu livro "Fados" só é pequeno por tamanho nada mais, embora diga e repito que te prefiro na prosa.
Abraço amigo.
Fiquei muito curioso :)
ResponderEliminarGrande abraço amigo
Espero que um dia tenhas a coragem de o ler, Francisco...
EliminarAbraço amigo.
eu tenho o SM aqui em casa, foi um meu primeiro blind-date (na compra de livros pelo OLX) :D
ResponderEliminar:) uma citação, uma citação! vês, publicamos aquilo que gostamos e que nos diz tanto. tu não aprecias muito esta forma, eu adoro, porque me faz reler e reler e fica gravada num blogue para visualização futura :)
ora, mas cada um aprecia a leitura do seu modo. todos somos diferentes e ainda bem.
sim, de facto, o kobo é excelente para viagens (agora tenho a biblioteca da piscina como próximo livro do comboio, que não consigo lê-lo à noite e é um tijolinho também...)
continuação de excelentes leituras.
bjs.
Margarida
Eliminarmas ainda não leste, presumo...Para quem leu "O Quarteto de Alexandria", o "Salto Mortal" lê-se num instante já que o entusiasmo de ler mais e mais é cada vez maior.
E, sem querer deixar aqui "spoilers", ao aproximar-me do fim, comecei a ter algum receio de que o final fosse mais ou menos óbvio, assim como que um rio desagua sempre no mar, mas não, isso não é verdade, também pode desaguar num lago....
Quanto à citação, é mesmo uma excepção, pois é um bocadinho em que o que é expresso é exactamente a forma como eu vejo uma determinada situação - eu poderia ter escrito "aquilo".
Sim, "A Biblioteca da Piscina" é excelente, mas é "quase" parecido com o SM em termos de tamanho....
Beijinho.
Já eu sou muito desorganizada, não na leitura, que faço com fervor de ritual, mas no modo como decido aleatoriamente pegar neste e não naquele livro. E depois, tenho um outro 'ritual'... ler mais do que um livro, ao mesmo tempo, segundo o tempo e o lugar em que leio.
ResponderEliminarLi 'As Brumas de Avalon'. Este, apenas lendo pela 'tua' leitura. Mas quanto à citação. não consigo concordar. Não me refiro à relação descrita, da qual nada sei. Refiro-me às relações amorosas, em geral. Não é uma questão de idade, mentalidade, ou grupo social. Existe o intimo, e cada ser humano é diferente...
Quanto aos e-readers. Sim, para viajar são ideais, não pesam, e permitem maior diversidade de leitura. Mas só isso...
Espero que estejas bem !
G- Souto
Eliminareu acho muito salutar encontrarmos pontos de não concordância nalguns assuntos, pois se todos pensássemos da mesma forma, sobre todos os temas, a vida tornar-se-ia perfeitamente monótona.
Quanto aos métodos de leitura, penso, apesar de praticar um diferente, que ler o que nos apetece aleatoriamente será mais salutar, embora não consiga de forma alguma ler mais que um livro de cada vez...
Sobre a citação e as relações amorosas, muito haveria dizer e claro que compreendo quem pense de forma diferente de mim, e até será a forma mais comum de fazer as coisas. Apesar de tudo, e em defesa do que digo e penso, estarei mais por dentro da forma de ser do mundo homossexual masculino e sei que um gay é por natureza algo promíscuo; se numa relação afectiva séria dois amantes conseguirem expurgar essa promiscuidade e apenas de quando em quando, acontecer algo, que não passa de um prazer momentâneo e puramente sexual, isso pode preservar essa relação, ao invés de ter vontade de fazer e não poder porque isso é "contra" o que está mais ou menos instituído no campo da fidelidade.
Mas não é assunto para se tomar a peito e acho que num casal tudo está bem se ambos se sentirem bem na sua forma de funcionarem a dois.
Finalmente, eu só sou adepto do e-book, neste caso de viagens e quando é impossível por qualquer razão ter o livro "físico", como é duplamente o caso do livro que estou agora a ler e que só existe traduzido em português, como e-book - "O Corredor de Fundo", da Patrícia Nell Warrens.
Beijinho.
Sabes muito bem transmitires aos outros o entusiasmo que sentiste ao ler o livro! Sinal de que o teu texto está bem escrito:-)))))
ResponderEliminar(E continuo sem perceber como tens tu tempo para ler mais de um livro por semana...)
Continuação de boa estadia
Justine
Eliminaradorei este livro!!!
Aqui em Olpe, durante as horas em que o Déjan trabalha, eu lia muito mais que isso.
Repara nisto: acabei um livro que faltava pouco para findar (Uma Janela para o Infinito), li este "tijolo" de mais de 800 páginas (Salto Mortal) e porque não trouxe mais livros, despachei no Kobo, e deixei o João Máximo feliz, o livro do Miguel (Fados), 4 livrecos de um amigo, pouco interessantes, diga-se de passagem, e já vou a meio de um ensaio sobre a homossexualidade (Inversão sexual: estudos médico-sociais).
E esta hein?
Beijinho.
Eu li a tua crítica ao livro e confesso que fiquei interessado em lê-lo! Parece-me um livro bastante giro, que mostra uma realidade que desconheço - os bastidores do circo. Tens de partilhar qual o segredo para leres tanto durante uma semana. :)
ResponderEliminarAbraço :)
João
ResponderEliminaré muito simples: ter tempo, neste caso, infelizmente...
O livro é maravilhoso.
Abraço amigo.