Sendo Nampula a capital militar de Moçambique, onde estava sediado o Quartel General, nunca ali houve
Esta hostilidade coincidia com os acontecimentos que na metrópole levaram à queda e fuga de Spínola (28 de Setembro). O momento mais grave foi a tomada pelos brancos do Rádio Clube de Moçambique em L.Marques e também da sua delegação em Nampula.
Foi então que o Comandante Chefe, que tinha substituído Kaulza de Arriaga, me chamou ao Q.G. e me ordenou, assim sem mais explicações, que levasse a minha Companhia para o aeroporto da cidade para o defender de uma eventual tentativa de assalto pela população branca;
eu, um simples capitão miliciano, que estava farto de tropa até à raiz dos cabelos e apenas com a experiência de 2 anos de guerra, e no mato, a receber uma ordem destas de um general, chefe máximo militar do território; fiquei perplexo e com uma calma da qual ainda hoje me admiro, pedi licença ao senhor general para me ouvir numa pequena explicação; disse-lhe então que a minha Companhia era da guarnição local, isto é, constituída por negros, enquadrados por alguns oficiais e sargentos brancos, a maioria deles oriundos da população branca moçambicana (algo que o senhor general deveria saber, mas parece tinha esquecido, ou não sabia mesmo); e que mandar uma Companhia deste tipo para precaver um eventual confronto com a população branca seria bastante imprudente, mas claro que se o senhor general insistisse na ordem, eu iria, mas com essa ordem por escrito e nunca verbalmente; confesso que esperei o pior da sua reacção, mas no estado de desgoverno em que tudo estava, sentia-me com coragem para reagir assim. O homem, que não queria assumir a tremenda asneira em que tinha caído, depois de pensar um pouco, perguntou-me se eu não conseguia seleccionar um punhado de homens de confiança que fossem acompanhar nesse objectivo uma Companhia de Comandos, acabada de chegar a Nampula, para o que desse e viesse; respondi-lhe que sim e dentro de uma hora lhe indicaria quantos homens iriam com os Comandos – escolhi SEIS homens entre os 2oo sob o meu comando e eu, claro; ele aceitou sem pestanejar, mas disse-me que eu não iria pois deveria ficar de prevenção nessa noite no Q.G. para comandar o resto da Companhia , noutra situação, caso fosse necessário.
Foi uma noite de muita agitação e ansiedade, com toda a tropa disponível em Nampula a ficar de prevenção, mas a rebelião foi sanada sem grandes danos. Não aconteceu nada no aeroporto mas assisti a alguma confusão junto ao R.C.M., que a população tinha tomada e do qual teve que ser desalojada à força, com episódios pouco edificantes, como o uso de bebés como escudos por parte da população branca, tendo visto um alferes tirado à força uma criança dos braços do pai, e depois de a colocar em segurança, ter socado com “delicadeza” o pai para abrir caminho…
Entretanto dias mais tarde, deu-se a desmobilização da Companhia e lá fiquei eu, sozinho, a tratar da burocracia, ou seja fazer a “entrega” da Companhia nos diferentes departamentos militares; foi-me dada uma folha (que ainda hoje guardo algures), onde ia coleccionando carimbos de todos esses serviços atestando que tudo estava bem; uns mais fáceis, outros mais difíceis, lá fui fazendo esse trabalho chato e demorado, até que fiquei pendente de apenas um carimbo: o da Chefia Geral da Intendência, pois descobriram uma irregularidade nas contas, dos bens que havia na Companhia, uma diferença de cerca de 70 contos, na altura; eu detectei que o erro já vinha do capitão anterior a mim, e embora concordando com a evidência das datas, não me queriam liberar alegando que eu deveria ter visto esse erro, quando me passaram a Companhia para as mãos; ora eu, um milicianozeco, impreparado em Mafra para essas questões fui bem enganado pelo sabido capitão do quadro que fui render.
Comecei a andar num sobressalto, todos os dias a ver partir para Portugal pessoas que conhecia e eu ali à espera de uma resolução, que tardava; cheguei a pôr a hipótese de pagar do meu bolso a importância em causa, pois aproximava-se o Natal e seria o terceiro consecutivo longe da família, e só o não fiz porque o meu Pai o não o permitiu, alegando e bem, que com isso era como que assumir a culpa e que era eu que tinha desviado o dinheiro.
Farto de me fardar todos os dias só para saber se havia novidades, que jamais surgiam, um dia apareço no Q.G. e comunico que ia para a Ilha de Moçambique passar uns dias e me contactassem se algo de novo surgisse; passasadas duas semanas de praia e de bom marisco, recebi a ansiada notícia de que me podia ir embora, pois tinha sido desbloqueada a situação.
Cheguei a Lisboa a 17 de Dezembro de 1974, no dia em que os meus pais festejavam o aniversário do seu casamento.
A guerra tinha acabado para mim; passei à disponibilidade no dia 15 de Janeiro de 1975 e na semana seguinte partia para Londres a gozar uma bem merecida semana de férias.
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