sexta-feira, 12 de abril de 2013

Kalizma*

“Corta!”, disse Mankiewicz.
Richard Burton, vestido de Marco António, beijava Elizabeth Taylor, despida de Cleópatra, há mais de um minuto.
Estava calor – a rodagem do épico sobre a mais famosa egípcia da Antiguidade era nos estúdios da Cinecittà, nos arredores de Roma. Os holofotes, postados acima do décor, derretiam as pedras de gelo no bourbon de Mankiewicz.
Mas Burton e Taylor não desgrudavam.
“Corta!”, repetiu o realizador.
“Importam-se que eu termine a cena?”.
Nada. Continuavam a beijar-se.
Mankiewicz insistiu: “Interessa-vos que já seja hora de almoço?”
 Desde esse dia, Richard Burton, o grande actor clássico, e Elizabeth Taylor, a grande estrela de Hollywood, nunca mais pararam de se amar. E de se odiar.
Ele já a tinha visto uma vez. Fora há nove anos, na piscina de Stewart Granger e Jean Simmons, em Beverly Hills.
Ela só tinha vinte e um, estava de biquini azul claro, tirou os óculos escuros e fitou-o por um segundo, naquela explosão violeta que era o olhar de Liz Taylor.
Ele ficou de queixo tão caído que quase desatou à gargalhada.
Não foi só o olhar que o impressionou: “Ela era extraordinária. Os seios eram apocalípticos, podiam derrubar impérios”.
Conteve-se.
Nessa tarde, fez de Richard Burton, o galês com voz de tempestade, o declamador de memória dos sonetos de Shakespeare, a criança nascida na miséria das minas de carvão do País de Gales, o filho de alcoólico, o décimo segundo de treze irmãos. O “angry young man” prestes a conquistar a América.
Ela não lhe ligou nenhuma.

Em 1963, depois do pri­meiro beijo que incen­diou um filme pres­tes a con­su­mir um dos gran­des estú­dios, aMGM (o orça­mento descontrolou-se tanto que gerou uma fac­tura equi­va­lente a dois “Tita­nic”), fize­ram amor “como coe­lhos”, em todo o lado: iates empres­ta­dos, hotéis da Via Venetto, o cama­rim dele. 
Os papa­razzi, que Fel­lini inven­tara no seu “La Dolce Vita”, ganha­vam a razão de exis­tir. 
Eli­za­beth Tay­lor estava casada (era o quarto matri­mó­nio) há pouco tempo com o can­tor Eddie Fisher. Roubara-o à amiga Deb­bie Rey­nolds. 
Richard Bur­ton estava casado há catorze anos com a tam­bém galesa Sybil, a sua âncora emo­ci­o­nal. Mas Bur­ton já estava solto em mar alto.
Ainda fez uma ten­ta­tiva: “Não me posso sepa­rar de Sybil e dos miú­dos”, disse a Tay­lor. 
Ela ten­tou suicidar-se – enfi­ada numa camisa de noite Dior, claro — com uma over­dose de bar­bi­tú­ri­cos. Acor­dou com Eddie Fisher à cabe­ceira da cama, com uma arma apon­tada à cabeça: “Não te pre­o­cu­pes, que nunca dis­pa­ra­ria sobre uma cara tão bonita”. 
A 5 de Março de 1964, dois dias depois de Tay­lor obter o divór­cio de Fisher, meteu-se com Bur­ton num char­ter para Mon­treal e casa­ram. Ela ia de ama­relo. Ele ia feliz.
Na mais intensa e por­me­no­ri­zada bio­gra­fia do casal, “Furi­ous Love – Richard Bur­ton, Eli­za­beth Tay­lor and the Mar­ri­age of the Cen­tury”, edi­tada em 2011 pela Har­per & Col­lins, o amor colé­rico, caó­tico, con­tra­di­tó­rio de Liz/Burton atin­giu a ple­ni­tude quando Richard ofe­re­ceu a Eli­za­beth um iate exausto mas supre­ma­mente ele­gante – como eles -, vete­rano da Pri­meira e Segunda Guerra Mun­di­ais, cha­mado “Minona” na pri­meira encar­na­ção, agora pronto para um segundo período de beli­ge­rân­cia. 
“Kalizma”, assim foi bap­ti­zado o barco pelo casal, em home­na­gem aos filhos Kate (de Bur­ton com Sybil), Liza (de Liz com Michael Todd, o pro­du­tor morto num desas­tre de avi­a­ção) e Maria, uma menina alemã adop­tada por ambos – para des­gosto do casal, Tay­lor nunca pode­ria ter filhos de Bur­ton após uma histerectomia.
Richard sonhava com Liz mesmo antes de a conhe­cer. 
Com doze anos e “Las­sie Come Home” ou “Nati­o­nal Vel­vet”, ela já era um ídolo das mati­nés. Fazia parte da pri­meira aris­to­cra­cia do cinema sonoro. De pais norte-americanos e abas­ta­dos, edu­cada em Ingla­terra, em Hamps­tead, Liz fre­quen­tara o mesmo colé­gio da prin­cesa Isa­bel. Não conhe­cia difi­cul­da­des, só adu­la­ção. 
Já Richard vinha de Pon­trhydy­fen, terra pobre e impro­nun­ciá­vel. Nunca conhe­cera a mãe, o pai desa­pa­re­cia durante sema­nas em odis­seias de jogo e whis­key, fora edu­cado pela irmã mais velha e a sua pátria eram os livros. Liz e Richard não podiam ser mais diferentes.
Mas havia pon­tos comuns:  ambos pre­ci­sa­vam de anal­gé­si­cos (sofriam dos ossos e da coluna); ambos sen­tiam o vazio da fama; ambos bebiam, muito. 
Ele, para mino­rar os sen­ti­men­tos de culpa – de ter dei­xado Sybil, de o pai achar que ele era um inú­til com uma pro­fis­são de mari­cas, de ter optado pelo estre­lato no lugar de uma res­pei­tá­vel car­reira tea­tral, de o irmão mais velho ter caído uma noite no cha­let do casal em Céligny, na Suiça, pelo final dos anos 60, após uma tre­menda ses­são de copos com Richard e batido com o pes­coço num para­peito, ficando para­li­sado. 
Ela embor­cava para aguen­tar o peso da cele­bri­dade e para dis­si­par a ten­são dos dias de roda­gem com catorze horas. 
Quando se conhe­ce­ram, pas­sa­ram a beber mais, bebendo-se um ao outro.
Após o impacto do affair – os fran­ce­ses cha­ma­ram ao caso Le Scan­dale e o Vati­cano emi­tiu um comu­ni­cado a cen­su­rar a vida dis­so­luta dos adúl­te­ros – Eli­za­beth e Richard deci­di­ram pisar terra ape­nas quando as câma­ras esti­ves­sem pron­tas a rodar: o “Kalizma” tornou-se o lar flu­tu­ante do clã Liz/Burton.
Em mea­dos dos anos ses­senta, os Bur­ton pos­suíam uma quinta com cava­los no con­dado de Wic­klow, na Irlanda, a Casa Kim­ber­ley, uma vivenda junto ao mar na costa oeste mexi­cana (foram eles que puse­ram Puerto Val­larta no mapa), o De Havil­land, um jacto pri­vado que cus­tou um milhão (chamava-se “Eli­za­beth”), casas em Gstaad, 685 hec­ta­res nas Caná­rias, apar­ta­men­tos em Lon­dres e Paris. 
Mas a garan­tia do seu estilo de vida iti­ne­rante era o “Kalizma”. 
Além disso,  o iate permitia-lhes fugir aos impos­tos sobre as cen­te­nas de milhões de dóla­res que ame­a­lha­ram nessa década. Gastaram-nos bem – tornou-se céle­bre a expres­são “spen­ding money like the Bur­tons”. 
Afi­nal, nada fazia Liz sor­rir mais do que uma jóia. E Richard sabia-o. Come­çou por oferecer-lhe o Krupp, um dia­mante do tama­nho de uma uva (pagou o equi­va­lente a dois milhões de dóla­res pela pedra). 
Tinham espe­cial pra­zer em atra­car o iate de 50 metros nos por­tos em que Onas­sis pro­cu­rava sedu­zir Jac­que­line Ken­nedy. 
Quando Bur­ton con­se­guiu supe­rar a oferta de Onas­sis no lei­lão pelo maior dia­mante do mundo à época, o Car­tier, escre­veu no seu diá­rio que “esta pedra tem que ser usada pelo mais bela mulher da Terra. Teria um ata­que se ela fosse para Jac­kie Ken­nedy”. 
Valendo cerca de 6 milhões de dóla­res ao câm­bio actual, o dia­mante foi rebap­ti­zado “Taylor-Burton”. Liz só estava auto­ri­zado a usá-lo trinta dias por ano, sem­pre na pre­sença de segu­ran­ças.
Claro que ela se diver­tia a exibi-lo no “Kalizma”. Só para os dois, em alto mar. Era a única roupa que usava.
Mas a melhor prenda de Richard a Liz foi o “Kalizma”. 
O pai de Liz era um repu­tado mar­chand, e ela her­dou o ins­tinto paterno. 
Os Monet, Picasso e Van Gogh do casal foram direi­ti­nhos para o iate, dis­tri­buí­dos pelos sete quar­tos (ape­sar de Liz pas­sar horas nas três casas de banho da embar­ca­ção, não che­ga­ram a pen­du­rar uma tela em qual­quer delas). 
A tri­pu­la­ção era de oito pes­soas, incluindo uma cri­ada e um mor­domo. Entre maqui­lha­do­ras para Liz, amas e pre­cep­to­ras para os filhos de ambos e con­sul­to­res de mar­ke­ting para o casal, Richard e Eli­za­beth che­ga­ram a ter qua­renta e duas pes­soas na sua folha de paga­men­tos (Richard tam­bém sus­ten­tava quase todos os seus doze irmãos). John Giel­gud, o actor sha­kes­pe­re­ano amigo do casal, pas­sou uma tem­po­rada com eles no “Kalizma” e ficou impres­si­o­nado com os “14 mari­nhei­ros por­tu­gue­ses” da embar­ca­ção (tal­vez Giel­gud, homo­se­xual assu­mido, alu­ci­nasse). 
Sendo o par mais gla­mo­roso da sua época, eram rece­bi­dos como rea­leza cada vez que punham os pés em terra firme – rein­ven­ta­ram a fama, e o casal Bran­ge­lina seria um duo de pobres mis­si­o­ná­rios a seu lado.
 Per­cor­riam o Medi­ter­râ­neo como pira­tas ao largo da civi­li­za­ção, bebendo três gar­ra­fas de vodka por dia (só ele des­pa­chava duas), fazendo amor todas as noi­tes. Se não bebiam, não con­se­guiam. 
A única alter­na­tiva era uma dis­cus­são feroz. A luta era o motor da sua líbido: nada lhes dava mais tesão do que vinte shots ou uma mag­ní­fica sequên­cia de insul­tos.
 Depois, a cama era ine­vi­tá­vel. 
Como diz Liz, “ima­gi­nem ter a voz de Richard Bur­ton no vosso ouvido enquanto fazem amor. Todos os pro­ble­mas desa­pa­re­cem”. Bur­ton res­ponde: “Ela é uma amante lou­ca­mente exci­tante, bela para além dos sonhos da por­no­gra­fia. Irei amá-la até morrer”.
Quando não esta­vam entre­ti­dos um com o outro, apa­re­ciam con­vi­da­dos: Grace Kelly, a prin­cesa Mar­ga­rida, Wal­lis Simp­son, ou a mulher de Rex Har­ri­son que, certa noite, bêbada, resol­veu mas­tur­bar o seu cão no deck do “Kalizma”. 
Depois de “Refle­xos Num Olho Dou­rado”, a fita de John Hus­ton em que con­tra­ce­nara com Liz, Mar­lon Brando come­çou a fre­quen­tar o iate. Richard tinha ciú­mes dele e, de acordo com a bio­gra­fia da ex-mulher de Brando, Anna Kashfi, houve uma cena de pugi­lato entre os dois a bordo. Aca­ba­ram sor­ri­den­tes, nos copos.
Após dez anos de amor furi­oso, Eli­za­beth Tay­lor e Richard Bur­ton divorciaram-se em 1974. Não aguen­ta­ram muito tempo: vol­ta­ram a casar-se no ano seguinte. Durou sete meses. A sepa­ra­ção foi, dessa vez, defi­ni­tiva, e o “Kalizma” foi ven­dido por mútuo acordo. 
O barco que sobre­vi­vera a duas guer­ras mun­di­ais não resis­tiu ao ven­da­val Liz/Burton.
Com des­tino vago nas duas déca­das seguin­tes, o Kalizma salvou-se do esque­ci­mento em 1995 gra­ças a Vijay Mal­lia, um mili­o­ná­rio da dis­tri­bui­ção de bebi­das alcoó­li­cas – pelo álcool houve alguma jus­tiça poé­tica. Mal­lia gas­tou mais de três milhões de dóla­res a res­tau­rar o velho iti­ne­rante num esta­leiro de Bom­baim. 
Hoje, o “Kalizma” tem um novo motor, bom­bas, ar con­di­ci­o­nado e casco. Os quar­tos, assim como a sala de jan­tar, mantêm-se (há agora um jacuzzi no deck), e os Monet, Van Gogh e Picasso ainda habi­tam o barco. 
Mais impor­tante do que tudo, a suite dos Bur­ton, com a sua cama de dos­sel, sobre­vi­veu. “Sem­pre tive a impres­são de que nos íamos casar uma ter­ceira vez”, disse Eli­za­beth um ano antes de mor­rer. 
Se calhar casa­ram. E ainda fazem amor como coelhos.

*Texto escrito por Pedro Marta Santos, no blog "Escrever é triste". Agradeço ao Pedro a autorização para esta publicação e recomendo vivamente o blog em referência.
A primeira e quarta fotos constam da postagem original. As restantes tirei-as da net.



quarta-feira, 10 de abril de 2013

Sarita

Se eu quisesse fazer uma postagem normal sobre Sara Montiel seguiria os passos normais para o efeito: consultaria a Wikipedia, onde encontraria os principais dados pessoais, profissionais e afectivos dela.
Faria uma pesquisa cuidada na net sobre a actriz, e naturalmente que iria encontrar bastantes postagens em variadíssimos blogs, de onde possivelmente retiraria algumas curiosidades sobre a sua vida, a sua carreira e a sua personalidade.
E com certeza iria ver a sua página no IBDM, a bíblia do cinema mundial, onde teria tudo à disposição sobre a sua carreira cinematográfica.
Mas eu quero aqui dar uma visão intimista do que foi para mim esta mulher, que muito mais que uma mera actriz, uma boa cantora ou uma bela mulher, foi sobretudo para mim, um mito!

Sara Montiel foi durante alguns anos da minha vida o meu maior ídolo, a minha Sarita. 
O meu encontro com Sarita não se dá senão depois de ter visto pela primeira vez “La Violetera”, no final dos anos cinquenta. Foi daqueles filmes que me arrebatou, me fez chorar muitas lágrimas e que posteriormente vi vezes sem conta. Tive os quatros 45 RPM com todas as canções do filme e soletrava-as quase todas, com ênfase natural para o tema musical dominante – “La Violetera”.
Perdi as vezes que revi o filme e só mais tarde vi o seu filme anterior e que afinal foi o que permitiu a rodagem da Violetera – “O Último Couplet” e de donde retirei duas ou três canções dela também muito marcantes.

A partir de então, vi apaixonadamente todos os seus filmes, mesmo aqueles que no final da sua carreira foram pouco apreciados.
A nível musical ela foi a maior, para mim, num vasto grupo de cantoras espanholas que muito admirava. Foi uma mulher muito bela, muito provocante e talvez das poucas que me fez olhar para o sexo oposto com volúpia e desejo.
Claro que conforme fui crescendo, vi muitos filmes, ouvi inúmeras vozes e disseminei os meus gostos por muitos e variados géneros, mas o meu culto por Sarita nunca foi beliscado.
Curiosamente não me interessei muito pela última parte da sua carreira, e que tem a ver com a sua participação televisiva, talvez porque fugia um pouco à “minha” Sarita.
Morreu agora, aos 85 anos, como qualquer mortal, é óbvio, mas eu continuo a vê-la a cantar uma das maisbelas canções do filme "La Violetera"

Até sempre Sarita.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Cartazes soviéticos

São inúmeros os cartazes de propaganda comunista quando existia a URSS, principalmente durante o período do pós guerra.
Aliás eram um dos instrumentos mais eficazes, internamente falando, da divulgação das maravilhas do comunismo de então.
O curioso é a descoberta entre eles de alguns com conotações homo eróticas, de uma forma talvez acidental nalguns casos, mas noutros bastante deliberada.
Vejamos alguns exemplos






















sexta-feira, 5 de abril de 2013

Actualização literária

Como já vai sendo hábito, gosto de referir de tempos a tempos, os livros que vou lendo, numa actualização que é também uma espécie de balanço que se faz periodicamente.
 Desde que aqui falei nos livros lidos nos últimos tempos, mais alguns consegui tirar da interminável fila de espera da minha sala.
De três deles já falei em posts especiais: o interessante ensaio de Collin Spencer - “Homossexualidade – Uma história”, do livro de poemas que me deu a descobrir Al Berto – “Horto de Incêndio”, e da recente referência ao magnífico “Correr com Tesouras” de Augusten Burroughs.
Mas mais uma série deles li entretanto, desde “O Caderno de Algoz”
um decepcionante livro de Sandro William Junqueira, que aliás mais do que uma decepção foi uma grande desilusão, até a um surpreendente pequeno livro do desconhecido autor brasileiro Alexandre Ribondi, “Da Vida dos Pássaros”
em que fiquei a conhecer além de uma bela história de amor homossexual, um pouco mais da América do Sul (Perú, Bolívia e Argentina),  uma muito agradável surpresa.
Entretanto li três livros de autores portugueses, bastante diferenciados entre si: um dos poucos livros que ainda não tinha lido de Guilherme de Melo – “A Porta ao lado”
que não acrescenta muito à obra do autor, mas não desilude; estreei-me a ler um escritor consagrado, dos nomes maiores da literatura portuguesa do século XX, Jorge de Sena, com um muito bom livro de contos – “Os Grão-Capitães"
e finalmente dei continuidade à quadrilogia que lançou definitivamente um dos nomes mais recentes da nova leva de escritores lusos, Valter Hugo Mãe; foi o terceiro da série – “O Apocalipse dos Trabalhadores”
e confesso, que sendo um livro bom (penso ser difícil vir a ler um livro menos conseguido deste autor), estará na minha opinião um pouco abaixo dos dois anteriores (“O Nosso Reino” e “Os Remorsos de Baltazar Serapião”); o que me parece de realçar é que são três livros completamente diferenciados entre si e as expectativas sobre o último que me falta ler são muitas, até porque é dos quatro o que mais edições já tem (“A Máquina de Fazer Espanhóis”).
Finalmente dois excelentes livros de dois óptimos escritores: de Michael Cunningham li um muitíssimo interessante “Ao Cair da Noite”
e principalmente fiquei rendido ao livro do já muito lido (por mim) David Leavitt, com o seu soberbo “Enquanto a Inglaterra dorme”
onde o escritor nos mostra uma Inglaterra num período interessante, o final dos anos 30 do século passado, numa dupla incursão na vida homossexual burguesa e no apogeu do comunismo inglês, que levou muitos ingleses a combater ao lado dos republicanos na Guerra Civil Espanhola.

terça-feira, 2 de abril de 2013

A "nona"

No dia 26 de Março de 1827 morreu, em Viena, Ludwig van Beethoven, um célebre alemão, canhoto, surdo, com o rosto marcado pela varíola e a quem chamavam “o espanhol”, devido à sua tez morena e cabelos muito negros.
Tinha nascido em Bona, na Alemanha, no dia 16 de Dezembro de 1770.
Hans von Bülow refere-se a Beethoven como um dos "três Bs da música" (os outros dois seriam Bach e Brahms), considerando as suas 32 sonatas para piano como o Novo Testamento da música.
Ludwig nunca teve estudos muito aprofundados, mas sempre revelou um talento excepcional para a música. Com apenas oito anos de idade, foi confiado a Christian Gottlob Neefe, o melhor professor de cravo da cidade, que lhe deu uma formação musical sistemática, e lhe deu a conhecer os grandes mestres da música alemã.
Neefe afirmava que o seu aluno, de dez anos, dominava todo o repertório de Johann Sebastian Bach, e apresentava-o, orgulhosamente, como um segundo Mozart.
Existem especulações históricas sobre um provável encontro entre Beethoven e Mozart, mas não existe nenhum facto histórico que o possa comprovar. No entanto, existem histórias do seu encontro, como por exemplo, uma que refere um Mozart absorto no seu trabalho, na composição de Don Giovanni, que não terá tido tempo de lhe prestar a devida atenção. Uma outra, bem mais interessante, refere um encontro em que Mozart terá dito acerca de Beethoven: "Não o percam de vista, um dia há-de dar que falar."
Beethoven demonstrou genialidade em praticamente todas as obras que compôs. E foram muitas, entre sinfonias, concertos, quartetos, trios, sonatas, não esquecendo uma ópera.
No ano em que morreu, ainda conseguiu compor cerca de 44 obras musicais.
A sua influência na história da música foi imensa.
Ao morrer, a 26 de Março de 1827, estava a trabalhar numa nova sinfonia e projectava escrever um Requiem.
Conta-se que cerca de dez mil pessoas compareceram no seu funeral, entre elas,Franz Schubert. Ludwig van Beethoven faleceu de cirrose hepática, após contrair pneumonia.
A sua obra-prima, na opinião de muitos, foi a Sinfonia nº 9 em ré menor, Op.125.
Pela primeira vez é inserido um coral num andamento de uma sinfonia.
O texto é uma adaptação do poema de Friedrich Schiller, "Ode à Alegria", feita pelo próprio Beethoven. Otto Maria Carpeaux, na sua obra “Uma Nova História da Música”, afirma que Beethoven assistiu à primeira apresentação pública da sua 9ª Sinfonia, ao lado de Umlauf, que a regeu, mas abstraído na leitura da partitura e já com uma surdez avançada, não percebeu que estava a ser ovacionado até que Umlauf, tocando-lhe no braço, lhe chamou a atenção para a sala, e então Beethoven inclinou-se diante do público que o aplaudia.

E agora faço uma proposta ousada a quem me lê e que sei não vai ser seguida por quase ninguém; a proposta é que arranjem um bocadinho do vosso tempo e que oiçam esta versão da "nona".
É muito tempo? Sim, é algum, mas é tão arrebatador e ao mesmo tempo tão relaxante que será tudo menos entediante. Vá lá, não custa nada...

Sinfonia nº 9 “Ode à Alegria”, de Beethoven
Soprano: Anna Samuil
Mezzo-soprano: Waltraud Meier
Tenor: Michael König
Baixo: René Pape
Coro Nacional da Juventude da Grã-Bretanha
West-Eastern Divan Orchestra
Maestro: Daniel Barenboim

domingo, 31 de março de 2013

Running with Scissors


 Baseado nas memórias pessoais de Augusten Burroughs, “Running with Scissors” é uma história mordaz e divertida, corajosa e tocante sobre sobreviver a uma infância absolutamente estranha.
Realizado por Ryan Murphy em 2006, recebeu em Portugal o nome de “Recortes da minha vida” e penso que tenha sido exibido comercialmente.
A mãe de Augusten (Annette Bening) é uma mulher de personalidade bipolar com aspirações frustradas de vir a ser poeta, cujo casamento com o seu pai (Alec Baldwin) está à beira da ruína. Pouco depois ela é acompanhada por um excêntrico psicólogo, o Dr.Finch (Brian Cox), enquanto Augusten (Joseph Cross) é deixado a cargo da peculiar família deste, incluindo uma filha muito reservada (Gwineth Paltrow). Abandonado pelos seus paise adoptado pelos Finch, ele descobrirá grandes afinidades com a filha mais nova, Natalie (Evan Rachel Wood) e uma figura maternal na sofredora mulher de Finch, Agnes (Jill Clayburgh).Registando constantemente os acontecimentos da sua vida no seu diário, como forma de os enfrentar, Augusten dá por si a rejeitar a escola, a aprender o significado do amor com um homem mais velho (Joseph Fiennes) e a ter de tomar grandes decisões apenas com 15 anos.
 Apenas vi este filme agora, após ter lido o livro, com o mesmo nome do escritor americano Augusten Burroughs
 o qual muito me entusiasmou e quando soube que havia um filme baseado no livro, apressei-me a arranjá-lo e vê-lo, embora soubesse à partida que essa adaptação ficaria como ficou bastante aquém do livro. Para quem não leu o livro, o filme é à mesma bom, mas é muito difícil transpor para imagens toda a trama do livro e o que mais me “incomodou” é que o filme é sempre muito mais “dramático” do que o livro, que tem partes até bastante divertidas; também seria impossível desenvolver mais algumas das personagens, quer das faladas aqui quer de outras que nem menciono. Aceito até que o filme por si só, pareça algo confuso a quem não leu o livro. As interpretações são brilhantes num cast muito equilibrado, e que tem em Annete Bening, Brian Cox e Jill Claybourgh os melhores desempenhos, embora todos os outros estejam muito bem.
Auguste Burroughs é um autor que me está a agradar sobremaneira. Este é o segundo livro que li dele, sendo o primeiro “Efeitos Secundários”. Deveria ter lido este “Correr com tesouras” em primeiro lugar, pois teria ainda gostado mais de “Efeitos Secundários”, embora não haja uma relação directa entre ambos; mas como este livro é uma colectânea de pequenas e muito divertidas histórias, se eu conhecesse a infância e juventude de Augusten em primeira mão ainda teria gostado mais.

A seguir a “Correr com tesouras”, Burroughs escreveu “ A Seco” em que fala do seu alcoolismo já em Nova York, ao qual se seguiu “Pensamento mágico”. Só depois deste escreveu “Efeitos Secundários” e finalmente, apareceu um dos seus mais celebrados livros “ À mesa com o lobo” que poderá ser considerado uma prequela de “Correr com Tesouras”, em que ele descreve o seu relacionamento com o seu problemático pai.
Talvez uma das razões porque me agrada tanto este autor seja por todos os seus livros o terem a si próprio como centro das histórias, muito no estilo que eu prefiro nos meus pequenos escritos.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Privatize-se

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno de olhos abertos.
E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional.
Aí se encontra a salvação do mundo…e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»

 José Saramago – Cadernos de Lanzarote – Diário III – pag. 148

quarta-feira, 27 de março de 2013

"A borboleta" ou o reverso da medalha

Cada vez mais fico mais convencido da importância dos comentários; mais uma vez um comentário me trouxe à memória um certo acontecimento e o que é curioso é que apenas relacionei esse acontecimento com o que relatei no post anterior, mas agora num campo oposto. O "intruso" fui eu e apenas não houve qualquer alusão monetária em todo o contexto.
É curioso que eu já publiquei este conto (em 6 de Março de 2009), que escrevi para participar no primeiro concurso que o Sad Eyes promoveu, ainda no seu anterior blog "Uma imensa minoria" e a que ele deu como mote para as participações o tema "blind date". Esse concurso decorreu durante o mês de Janeiro de 2007, teve participações muito interessantes e seria curioso que, se por acaso alguém participou nesse concurso , deixasse essa participação no blog que tem, embora à distância me pareça pouco provável que ainda ande pela blogosfera algum desses participantes.
Mas aqui vai o conto, a que dei o título de "A Borboleta"

Foi numa sauna já desaparecida desta Lisboa que o vi.
 Era lindo,sedutor, diferente.
A sauna estava cheia, a fauna habitual, que ao ver "sangue novo", se excita e se prepara para atacar a presa. O homem, trintão, ar estrangeirado, ia deambulando pelos espaços, e um bando de vampiros o seguia, sequioso.
Deixei-me ficar, observando a cena, mas tão excitado como os demais.
Alguns minutos mais tarde, o homem, visivelmente agastado, dirigiu-se ao sítio dos cacifos, para se vestir e sair.
Fui mais rápido, agi prontamente e saí primeiro.
Não o esperei cá fora; uma estranha intuição me dizia que seria de uma companhia de aviação, e provavelmente estaria hospedado no Sheraton (intuição de puta, dirão...).
Para lá me dirigi e não tive que esperar muito tempo para ver parar um táxi que o trazia.
Sorri-lhe, sorriu-me, entrámos, subimos ao seu quarto sem uma palavra e pude ver tatuada na sua nádega direita uma pequeníssima e bela borboleta.
Não sei do que mais gostei, se da borboleta, se do seu habitat.
Era manhã, quando deixei a borboleta voar.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Num hotel de Atenas...

Nunca na vida andei obcecado por nada ou por ninguém.
No que diz respeito às pessoas com quem tive relacionamentos, nunca as procurei deliberadamente, embora sempre estivesse receptivo a eventuais encontros que pudessem levar a compromissos futuros duráveis; assim, tive alguns relacionamentos, não muitos e todos eles quando acabaram, foi sem azedume e mantendo relações cordiais com as pessoas em causa.
Também esse tipo de atitude foi marcante nos meus encontros sexuais e embora em certas alturas frequentasse sítios de eventual engate, não ia desesperadamente à procura disso; se acontecia, tudo bem, se não, não acabava o mundo.
Mas o que fui, foi sempre muito directo quando as situações aconteciam: matava-os com os olhos e nunca os deixava com dúvidas, mas gostava muito daquele jogo de sedução que levava ao epílogo…sexual.
O exemplo que agora vou contar, insere-se nesse tipo de jogo, mas teve um desfecho bastante original e faz parte de muitas situações incríveis que me foram acontecendo ao longo da vida; como já disse, quando uma oportunidade surgia, aí sim, eu não a deixava perder e assim tive contactos com gente muito interessante e em circunstâncias variadíssimas.

Mas, vamos à história:
estava eu em Atenas, nesta célebre viagem que acabei de relatar, quando certa noite, não demasiado tarde, e depois de ter andado a deambular pela Plaka (uma espécie de Bairro Alto lá do sítio), resolvi ir dormir; o hotel não era longe e resolvi ir a pé.
A um dado momento reparei que havia um rapaz, bastante interessante que me seguia. Não aparentava qualquer perigo, pelo que me fiz ao jogo: paro aqui, ele para ali, e lá fomos andando, sem uma palavra, ele sempre atrás de mim.
Chegado ao hotel, um hotel pequeno, (mas pelo que se seguiu depreendo que muito liberal), dirigi-me à recepção e pedi a chave do meu quarto e quando me dirigia para o elevador, reparei que o rapaz entrara no hotel e se dirigiu também para os elevadores, tendo, sempre sem uma palavra, subido comigo.
Claro que não havia qualquer dúvida e assim chegado à porta do quarto finalmente lhe perguntei (como se houvesse dúvidas…) se queria entrar?
E claro que entrou e aconteceu aquilo que aqui omito, como é normal, apenas dizendo que foi muito bom… Depois disso, o rapaz começou a vestir-se para se ir embora e eu estva sentado na cama, apenas de sleep, à espera que ele se fosse para tomar um duche e dormir.
,Qual o meu espanto quando o vi sacar da carteira e deixar uma nota em cima de um móvel perto da porta; levantei-me da cama e ia aproximar-me dele, quando ele abriu a porta e começou a correr, corredor fora; não ia com certeza correr atrás dele quase nu, hotel abaixo…
Fiquei a olhar para nota que não era assim tão pequena, e acabei por rir.
Ali a deixei, fui tomar banho e já estava a adormecer quando ouvi alguém a bater à porta.
Fui abrir e era outro rapaz ainda mais interessante que o primeiro, com uma nota na mão!!!
Em inglês disse-me que o amigo tinha gostado muito e ele também queria…
Eu não acreditava que aquilo se estivesse a passar comigo.
Fui buscar a nota que o outro tinha deixado, entreguei-lhe essa nota e disse-lhe para a devolver ao amigo, para guardar a dele, mas disse-lhe também para entrar…é evidente!
O resto deixo à vossa perversa imaginação..........

quarta-feira, 20 de março de 2013

Viagens - 7 - (parte 3)

Depois do sucedido e que teve o seu epílogo em Belgrado, e em virtude do dinheiro que a embaixada me disponibilizou para chegar a casa ser muito limitado, era avisado que fizesse o trajecto de volta, o mais directo possível e também o mais rápido.
Mas, nos meus planos iniciais estavam duas paragens mais programadas para o regresso: a adiada visita a Marselha e a mais que ansiada deslocação a Veneza. 
Se me foi fácil prescindir de Marselha
até pela fraca impressão que fiquei durante as poucas horas que ali estive à vinda e que não passei das cercanias da estação, já a Veneza era difícil resistir
E assim, lá vou eu, confiando que o dinheiro esticaria…
Aluguei um quarto em Mestre, do outro lado da grande ponte que liga Veneza ao continente e fui conhecer a cidade; claro que fiquei rendido e com pena de não poder estar mais que um tempo reduzido.
 Calhou que quando estava a gastar umas moedas numa sandoca e num sumo, num barzito, ouvisse falar português – era uma família de Coimbra, pai, mãe e dois filhos menores e claro que fui falar com eles. Conversa aqui, conversa ali, falou-se do sucedido comigo, do roubo, blá blá blá e quando me despedi deles só sabia que tinha mais uns cobres para as despesas, e não foi uma ajuda pequenina…
Como sou meio maluco e um Carneiro retinto, não consigo resistir a certos impulsos e até de gôndola andei!
Enfim, Veneza ficou razoavelmente vista e lá segui destino, sempre viajando de noite. 
Desta vez fui mesmo sem mais paragens além das necessárias para ir apanhando os comboios devidos.
E foi já em Madrid, numa estação ferroviária, que salvo erro era a do Padre Pio, quando estava numa grande seca (de horas), à espera do comboio a que o bilhete dava direito, reparei que havia um outro em direcção à fronteira portuguesa que partiria dali a 40 minutos. 
Mas o problema é que era um comboio que se eu o utilizasse teria de pagar uma taxa suplementar pois era muito mais rápido (ainda não havia TGV’s, mas já havia comboios com taxas de velocidade).
Assim, lá vou eu, (que vergonha…) de mão estendida para a fila da bilheteira com aquele velho cliché do “dê-me lá uma ajuda para poder apanhar este comboio…”
Claro que consegui o dinheiro e lá venho eu na direcção de Portugal. 
Quis o destino (?) que no meu compartimento viajasse uma senhora um pouco mais idosa que eu - vá lá, uma “balzaquiana", pronto - e lá desbobinei mais uma vez a minha “história do desgraçadinho”, e eu a ver que a senhora me comia com os olhos… 
A dita balzaquiana ia para Salamanca e lá arranjou maneira de me chamar ao corredor e com um sorriso do tamanho da boca da Manuela Moura Guedes, me passou dissimuladamente para a mão, quinhentas (…) pesetas, dizendo que tinha de se despedir de mim ali, pois o marido a esperava na estação e dando-me um cartão de visita com o telefone, para numa eventual próxima visita minha a Salamanca, cidade onde ia com frequência pois dista apenas 200 quilómetros da Covilhã, a visitar...
Conclusão cheguei à Guarda onde os meus Pais me esperavam com algum dinheirito, ainda…

Bem, quando lhes contei os episódios desta última parte da viagem, os meus Pais ficaram envergonhados pelas minhas figuras, e com aquelas coisas “não foi esta a educação que te demos", etc. e tal.
Mas, ao fim e ao cabo, eu não enganei ninguém, que diabo, só fiz render o meu peixe. 
Vergonha disso? 
Muito ligeira e uma enorme satisfação de concluir que afinal tinha e mantenho uma enorme capacidade de desenrascanço.
Foi realmente uma viagem em que vi muita coisa, conheci muita gente, me aconteceram coisas bastante “esquisitas”, mas com a qual aprendi muitíssimo.

sábado, 16 de março de 2013

"Un Chant d'Amour"

“Un Chant d’Amour” é o único filme do escritor francês Jean Genet, que o dirigiu em 1950.
Por causa do seu explícito conteúdo homossexual (embora apresentado sob um ponto de vista artístico), este filme de cerca de 25 minutos esteve proibido até 1975.
A história passa-se numa prisão francesa, onde um dos guardas prisionais tem como prazer voyeurístico, observar pelo óculo da porta das celas, os prisioneiros a masturbarem-se.
Em duas celas contíguas, estavam dois prisioneiros; um, jovem e bonito e um outro, argelino, mais velho; este enamorou-se do mais jovem através de sons trocados entre ambos na  parede comum ás duas celas e chegavam a partilhar o fumo de cigarros por um pequeno buraco que conseguiram fazer nessa parede.
O guarda, aparentemente ciumento deste relacionamento, entra na cela do prisioneiro mais velho e agride-o e obriga-o a chupar o cano da sua pistola, de uma forma quase sexual, o que o leva a imaginar fantasias entre ambos, mesmo como se estivessem livres.
Na cena final, muito bela, torna-se bem claro que o poder do guarda é insuficiente para contrariar a intensidade da atracção entre os dois prisioneiros, embora eles não cheguem a consumar essa atracção física.
Genet não utilizou qualquer som neste filme, forçando o espectador a focar a sua atenção nos “close up’s” dos rostos, das axila e dos pénis semi erectos.
Considerado de início um filme pornográfico, este filme com uma alta atmosfera sexual, foi mais tarde reconhecido como formativo para posteriores obras cinematográficas, como por exemplo os filmes de Andy Wharol.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Viagens - 7 - (parte 2)


Portanto, o regresso, com paragens programadas para Belgrado, Veneza e Marselha, iniciou-se com uma longa viagem nocturna de Atenas para Belgrado; era um comboio daqueles com compartimentos para oito pessoas, quatro de cada lado
e preparamos-mos para dormir, (os bancos deslizavam e permitiam-nos dormir estendidos, mas com um conforto muito relativo). 
Naquela altura usavam-se as “pochetes”, onde se metiam as coisas mais pequenas e necessárias, e eu lá tinha a minha, onde guardava os documentos, o bilhete do comboio, o dinheiro e quaisquer outros objectos fundamentais (ainda não havia telemóveis, nem cartões de crédito nem outras “modernices”).
Eu viajava com um saco com roupa, pouca, apenas o essencial e essa pochete, que inadvertidamente deixei junto ao saco, em cima, na prateleira para as bagagens, em vez de a guardar comigo, enquanto dormia.
O comboio ia fazendo algumas paragens, e as pessoas abriam a porta do compartimento para ver se havia algum lugar vago e voltavam a fechar; claro que dormindo, ouvíamos esse barulho, mas nem ligávamos.
O que é um facto, é que ao chegar a Belgrado, pelas seis da manhã, o saco estava lá, mas a pochete alguém a tinha levado (estava mesmo à mão de semear…). 
E assim me vi na estação de Belgrado,
 indocumentado, teso e sem bilhete para seguir viagem (o bilhete era Covilhã/Atenas/Covilhã e mencionava as cidades que eu tinha planeado visitar, e tinha uma duração de cerca de dois meses).
Recordo-me tão bem de tudo, como se passou, em Belgrado quando cheguei : um gabinete da Polícia ainda dentro da gare, onde me dirigi, para lhes pedir que me ficassem com o saco e me ajudassem a procurar a embaixada portuguesa. 
Mas ninguém falava inglês e o diálogo tornou-se impossível, só os ouvia repetir “Portugália, Portugália” e não acederam a guardar o saco. 
Claro que junto a uma gare principal de uma grande cidade há sempre algum hotel, e vi logo um, mesmo em frente, um hotel pequeno, mas alguém devia falar inglês…
Para lá me dirigi e o recepcionista – rapaz novo e falando mais ou menos inglês, foi de uma imensa simpatia: acedeu a guardar-me o saco, deu-me uma planta da cidade e mostrou-me onde era a embaixada (longe, longe dali) e dizia-me que devia tomar o autocarro tal até certo sítio e daí um outro até lá. 
Simplesmente eu não tinha dinheiro e disse-lhe que ia a pé, até porque tinha muito tempo até a embaixada abrir; que não, era longe, devia apanhar o 83 (agora sei que o primeiro autocarro era esse porque conheço bem a zona) e depois o outro e não passava disto. E foi quando me estendeu uma nota de alguns dinares para os bilhetes (ele não me conhecia, mas até lá ficava o saco, pelo que ele confiava em mim).
Lá apanhei os autocarros e realmente eram uns quilómetros para lá chegar (Belgrado tem uma avenida com 8 quilómetros).
Enfim cheguei ao edifício da embaixada, muito pobrezinha, diga-se de passagem, muito cedo e sentei-me por ali à espera que abrissem no horário estabelecido; quando tal aconteceu, subi umas escadas e deparou-se uma moça, louraça bem ao estilo eslavo e eu com um “bom dia” bem português que ela não entendeu; vá lá que falava inglês, e lá lhe expliquei a minha triste situação.
Levou-me à presença de um senhor, mais ou menos da minha idade –jovem portanto – português que me pediu para lhe relatar a situação. Eu sabia que na altura o embaixador português na Jugoslávia era o escritor Álvaro Guerra, pessoa conhecida e cujo cargo era apenas político, pois não era da carreira diplomática.
Não estava à espera de ser recebido por ele, naturalmente, mas o individuo era alguém importante lá na embaixada e ouviu-me bem e depois começou uma conversa simpática, de onde eu era, onde tinha estudado, isto e mais aquilo e concluímos que tínhamos frequentado Económicas (ISCEF) nos mesmos anos, embora não nos conhecêssemos pessoalmente , mas tínhamos conhecimentos comuns, de algumas pessoas que até ocupavam lugares de destaque na altura, em Portugal. 
Isto para dizer que o homem me pôs completamente à vontade, me disse que aquela conversa tinha como fim saber se a minha história era verdadeira ou não e que iria tratar de imediato de me arranjar um novo passaporte com a validade de 15 dias, mais que suficiente para chegar a Portugal, um bilhete de comboio até à Covilhã e me disponibilizaria algum dinheiro para eu aguentar a viagem de regresso. 
Claro que o bilhete indicava Veneza e Marselha como eventuais paragens, mas eu não acreditava que pudesse visitar essas cidades, naquelas condições. Quando eu, chegado a Portugal liquidasse o empréstimo do dinheiro emprestado e do preço do bilhete, podia arranjar um novo passaporte normal aqui. 
Entretanto e como aquilo ia demorar umas horas, o homem, super simpático convidou-me a tomar o pequeno almoço com ele, num hotel que ainda hoje existe e que no momento era um dos melhores – o Slavia – no centro da cidade e que na altura era quase só para pessoal diplomático.
Tito tinha morrido havia três  meses e a Jugoslávia era um país comunista, apenas um pouco afastado da ortodoxia soviética.  Foi um dos melhores pequeno almoços que já tive e a companhia foi excelente.
Enfim, uma horas mais tarde, com documentos, bilhete e algum dinheiro, regressei ao hotel onde deixara o saco e lá fiquei hospedado duas noites, pois não quis deixar de visitar Belgrado.
Esta história é para mim muito importante, pois foi o meu primeiro encontro com uma cidade que tantos anos depois se tornou uma das que mais amo, por razões que toda a gente conhece. 
Na altura, fiquei com uma noção de uma cidade cheia de contrastes, mesmo a nível do povo, mas não podemos esquecer o contexto político da época – 1980 e o facto do líder carismático de quase quarenta anos de poder ter morrido havia três meses. 
Pouco mais visitei que a zona central da cidade, mas recordo perfeitamente alguns locais, que depois revisitei, como é óbvio.
Pela primeira vez estava num país comunista e em que era muito difícil a comunicação, já que muito pouca gente falava inglês, já que a segunda língua depois do servo-croata era o russo e depois o alemão, e eu dessas não percebia, nem percebo patavina.
Dois dias depois lá estava na velha gare de Belgrado (bem precisa de reforma urgente) a apanhar o comboio na direcção de Veneza; será que iria parar lá para visitar um dos sítios mais emblemáticos da minha programação?
É o que vamos saber na terceira e última parte desta viagem memorável…

E está prometido um episódio à parte para “aquela noite num hotel de Atenas”…