Na minha febre devoradora de livros actual, da Páscoa até hoje li, "O Mestre" de Tom Coíbin, "O 3º.Sexo" de Raquel Lito, "Clarabóia", de José Saramago e acabei há pouco um livro singular, de seu nome "O Livro dos Dias" de Stephen J.Rivelle.
É este livro que me traz aqui o assunto das Cruzadas, Mas primeiro quero frisar dois ou três pontos importantes; o autor, um americano de origem francesa, numa viagem à Europa, decidiu conhecer um pouco da história dos seus antepassados. E foi assim que tomou conhecimento da existência de um diário escrito por Roger, Duquede Lunel, um comandante da Primeira Cruzada (1096-1099), e que foi conservado pelos clérigos da Igreja de Saint Gilles de Lunel, até que um descendente de Roger se apresentasse.
Há quem considere este livro como o relato mais fiel da Primeira Cruzada e nele o autor do diário disseca de uma forma brilhante o que levava toda aquela gente a "embarcar" numa aventura tamanha, e que seria mais do que defender a Terra Santa dos ocupantes não cristãos, mas sim a expiação dos seus pecados. E é ele próprio que exemplifica com a sua vida essa visão da Cruzada, já que vai dando conta do seu passado e no próprio decorrer da Cruzada, de outros pecados e vivências.
Um parêntesis para referir que sou um admirador confesso da História, mas sempre tive uma profunda aversão pelo período da Idade Média, um período obscuro dominado totalmente por uma Igreja, que não deixava vir à superfície senão a miséria, a precariedade dos povos, a selvajaria e a brutalidade das guerras e não trouxe nada de bom à Humanidade na sua vigência. Se dúvidas tivesse antes, depois de ler este livro fiquei perfeitamente esclarecido.
Mas vamos então às Cruzadas.
As Cruzadas são tradicionalmente definidas como expedições de caráter "militar" organizadas pela Igreja, para combaterem os inimigos do cristianismo e libertarem a Terra Santa (Jerusalém) das mãos desses infiéis. O movimento estendeu-se desde os fins do século XI até meados do século XIII. O termo Cruzadas passou a designá-lo em virtude de seus adeptos (os chamados soldados de Cristo) serem identificados pelo símbolo da cruz bordado em suas vestes. A cruz simbolizava o contrato estabelecido entre o indivíduo e Deus. Era o testemunho visível e público de engajamento individual e particular na empreitada divina.
O movimento cruzadista foi motivado pela conjugação de diversos factores, dentre os quais se destacam os de natureza religiosa, social e econômica. Em primeiro lugar, a ocorrência das Cruzadas expressava a própria cultura e a mentalidade de uma época. Ou seja, o predomínio e a influência da Igreja sobre o comportamento do homem medieval devem ser entendidos como os primeiros factores explicativos das Cruzadas. Partindo desse princípio, podemos afirmar que as peregrinações em direcção a Jerusalém, assim como as lutas travadas contra os muçulmanos na Península Ibérica e contra os hereges em toda a Europa Ocidental, foram justificadas e legitimadas pela Igreja, através do conceito de Guerra Santa, a guerra divinamente autorizada para combater os infiéis, os hereges e todos os demais que não aceitavam a igreja.
Tendo como base a intensa religiosidade presente na sociedade feudal a Igreja sempre defendia a participação dos fiéis na Guerra Santa, prometendo a eles recompensas divinas, como a salvação da alma e a vida eterna, através de sucessivas pregações realizadas em toda a Europa.
Houve nove cruzadas, mas se lhes acrescentarmos a Cruzada dos Populares ou dos Mendigos, a Cruzada Albigense e a Cruzada das Crianças, elas foram realmente doze.
Nesta carta podemos ver os percursos das quatro primeiras Cruzadas.
O movimento cruzadista foi motivado pela conjugação de diversos factores, dentre os quais se destacam os de natureza religiosa, social e econômica. Em primeiro lugar, a ocorrência das Cruzadas expressava a própria cultura e a mentalidade de uma época. Ou seja, o predomínio e a influência da Igreja sobre o comportamento do homem medieval devem ser entendidos como os primeiros factores explicativos das Cruzadas. Partindo desse princípio, podemos afirmar que as peregrinações em direcção a Jerusalém, assim como as lutas travadas contra os muçulmanos na Península Ibérica e contra os hereges em toda a Europa Ocidental, foram justificadas e legitimadas pela Igreja, através do conceito de Guerra Santa, a guerra divinamente autorizada para combater os infiéis, os hereges e todos os demais que não aceitavam a igreja.
Tendo como base a intensa religiosidade presente na sociedade feudal a Igreja sempre defendia a participação dos fiéis na Guerra Santa, prometendo a eles recompensas divinas, como a salvação da alma e a vida eterna, através de sucessivas pregações realizadas em toda a Europa.
Houve nove cruzadas, mas se lhes acrescentarmos a Cruzada dos Populares ou dos Mendigos, a Cruzada Albigense e a Cruzada das Crianças, elas foram realmente doze.
Nesta carta podemos ver os percursos das quatro primeiras Cruzadas.
Já referi a data da Primeira Cruzada, (1096-1099), tendo a última, a Nona Cruzada, ocorrido já no século XIII (1271-1272).
Focando-nos apenas na Primeira Cruzada, da qual o livro fala com imenso rigor histórico: *
* Esta descrição mais minuciosa, apenas interessará a quem goste verdadeiramente de História ou do movimento das Cruzadas, embora seja fascinante.
Em Agosto de 1096 partiu a Primeira Cruzada "oficial", chamada de Cruzada dos Nobres, Cruzada dos Cavaleiros ou Cruzada dos Barões (1096-1099). No total, esta expedição militar organizada, radicalmente diferente do movimento de peregrinos pobres da Cruzada Popular, consistiria em cerca de 30.000-35.000 guerreiros, incluindo 5.000 cavaleiros.
Liderada espiritualmente por Ademar de Monteil, legado papal e bispo de Le Puy, a liderança militar era repartida e disputada principalmente por:
§ Raimundo IV de Toulouse, talvez o mais carismático líder no início da expedição, já tinha participado da Reconquista e era acompanhado pelos cavaleiros da Provença e pelo legado Ademar; (era a este Senhor Feudal quem servia Roger, Duque de Lunel)
§ Boemundo de Taranto, líder dos normandos do sul da Itália, velhos inimigos do Império Bizantino, acompanhado pelo seu sobrinho Tancredo de Hauteville;
§ Godofredo de Bulhão trazia um exército da Lorena, juntamente com os seus irmãos Eustácio III de Bolonha e Balduíno de Bolonha, e foi acompanhado por Roberto II da Flandres e os seus flamengos;
§ Hugo I de Vermandois, irmão de Filipe I da França, portador do estandarte papal.
Liderada espiritualmente por Ademar de Monteil, legado papal e bispo de Le Puy, a liderança militar era repartida e disputada principalmente por:
§ Raimundo IV de Toulouse, talvez o mais carismático líder no início da expedição, já tinha participado da Reconquista e era acompanhado pelos cavaleiros da Provença e pelo legado Ademar; (era a este Senhor Feudal quem servia Roger, Duque de Lunel)
§ Boemundo de Taranto, líder dos normandos do sul da Itália, velhos inimigos do Império Bizantino, acompanhado pelo seu sobrinho Tancredo de Hauteville;
§ Godofredo de Bulhão trazia um exército da Lorena, juntamente com os seus irmãos Eustácio III de Bolonha e Balduíno de Bolonha, e foi acompanhado por Roberto II da Flandres e os seus flamengos;
§ Hugo I de Vermandois, irmão de Filipe I da França, portador do estandarte papal.
§ Roberto II da Normandia (irmão do rei Guilherme II da Inglaterra) e Estêvão de Blois (neto de Guilherme I de Inglaterra), traziam o contingente do norte da França.
Hugo I de Vermandois comandou o primeiro contingente a chegar a Constantinopla. Saíu da França a meados Agosto e passou pela Itália, recebendo o estandarte de São Pedro em Roma. No caminho, muitos dos seguidores do conde Emico juntaram-se-lhe após a derrota que tinham sofrido contra os húngaros. Ao contrário dos outros exércitos cruzados que viajaram por terra, este atravessou o mar Adriático, partindo de Bari. Mas uma tempestade ao largo do porto bizantino de Dyrrhachium destruíu muitos dos seus navios. Os sobreviventes foram resgatados pelos bizantinos e escoltados para Constantinopla, onde chegaram em Novembro.
Godofredo de Bulhão e os seus irmãos seguiram pela "Estrada de Carlos Magno" como, segundo o cronista Roberto o Monge, Urbano II terá chamado a este trajecto (que passava por Ratisbona, Viena, Belgrado e Sófia). Ao passarem pela Hungria tiveram alguns conflitos com os locais, que já tinham sido atacados pelas diferentes vagas da Cruzada Popular. O rei Colomano exigiu um refém para garantir a conduta correcta dos cruzados, e por isso Balduíno de Bolonha ficou em poder dos húngaros até os seus companheiros saírem deste território.
Depois de mais algumas escaramuças no domínios do Império Bizantino, os bolonheses foram o segundo exército a chegar a Constantinopla, em Novembro, e mais uma vez não conseguiram evitar que as suas forças pilhassem os territórios vizinhos. O imperador Aleixo I Comneno foi forçado a ceder um refém aos cruzados para repor a paz, e o escolhido foi o seu filho e futuro imperador João II Comneno, que foi confiado a Balduíno.
Boemundo de Taranto tinha motivações geopolíticas específicas aos seus domínios para se envolver em uma expedição até territórios bizantinos. Partiu do sul da Itália assim que as primeiras forças francesas passaram pelos seus domínios e chegou a Constantinopla em Abril de 1097.
O mais numeroso dos exércitos, encabeçado por Raimundo IV de Toulouse, era acompanhado pelo legado Ademar de Monteil. Com alguma dificuldade atravessaram a Dalmácia (actual costa croata) durante o Inverno. Ao chegar aDyrrhachium, entraram na estrada romana Via Egnatia, que os levou a Tessalónica e depois a Constantinopla no 21 de Abril.
O último grande contingente, sob as ordens de Roberto II da Normandia, saiu de Brindisi e cruzou o mar Adriático, chegando à capital bizantina em Maio de 1097, dois meses depois da aniquilação da Cruzada Popular.
Com escassez de alimentos, os cruzados acampados às portas de Constantinopla esperavam que Aleixo I Comneno, que tinha solicitado a sua ajuda, alimentasse a vasta multidão, reforçada pelos ainda mais miseráveis sobreviventes da Cruzada Popular. Outros populares pobres, sem equipamento, armas e armaduras adequadas para a campanha militar, tinham acompanhado os vários nobres. Pedro o Eremita, que se juntara à Cruzada dos Nobres em Constantinopla, foi responsabilizado pelo bem-estar destes pauperes, que assim se organizaram em pequenos grupos, geralmente liderados por um nobre também empobrecido.
O imperador bizantino estava apreensivo quanto a esta multidão, frequentemente hostil, que provocara incidentes com os povos dos locais por onde passava, para além da sua experiência anterior com os peregrinos da Cruzada Popular. Para além disso, o seu velho inimigo Boemundo de Taranto liderava parte da expedição.
Pretendendo exercer algum controlo sobre os cruzados, em troca de provisões e transporte para a Ásia Menor, Aleixo exigiu que os líderes da cruzada lhe prestassem um juramento de vassalagem e prometessem entregar ao controlo bizantino todas as terras que conquistassem aos turcos. O braço de ferro entre orientais e ocidentais quase levou a um conflito armado em grande escala na capital do império.
Sem alternativa, a maioria dos líderes sujeitou-se ao juramento, que acabariam por não cumprir. Outros, como Tancredo de Hauteville, recusaram-se terminantemente, e Aleixo acabou por ceder em fornecer provisões e transporte a todos. Raimundo IV de Toulouse terá sido o mais hábil político, evitou fazer o juramento ao prometer vassalagem ao imperador apenas se este liderasse pessoalmente a cruzada. O bizantino recusou, mas ambos se tornaram aliados, partilhando uma apreensão em comum sobre a pessoa de Boemundo.
Para acompanhar os cruzados através da Ásia Menor, Aleixo enviou um exército bizantino liderado por um general chamado Tatizius. Conforme o acordado em Constantinopla, o seu primeiro objectivo era a tomada de Niceia, recentemente conquistada pelos seljúcidas, e agora a capital do Sultanato de Rum. Boemundo de Tarantotornou-se no principal líder da Primeira Cruzada no percurso de Constantinopla a Antioquia. Comandou um cerco algo ineficaz a Niceia, uma vez que não foi possível controlar os movimentos no lago que bordeava a cidade, e por onde esta continuava a poder receber abastecimentos e fazer comunicações.
O sultão Kilij Arslan I, fora da cidade, aconselhou os seus soldados a renderem-se se a sua situação se tornasse insustentável. Temendo que os cruzados saqueassem Niceia e a destruíssem, ou que não cumprissem o seu juramento de lhe entregar as suas conquistas no Levante, durante a noite Aleixo I Comneno negociou em segredo a rendição da cidade ao Império Bizantino. Na manhã de 19 de Junho de 1097 os cristãos latinos surpreenderam-se ao ver o estandarte bizantino nas muralhas da cidade. Proibidos de saquear, só lhes foi permitida a entrada na cidade de pequenos grupos, sob escolta.
Sentindo-se traídos pelos seus aliados, e depois de coagidos a prestar o juramento de vassalagem, a partir deste momento os cruzados começaram a sentir-se sozinhos na sua expedição, sem obrigações para com os bizantinos. Para simplificar o problema dos abastecimentos, o exército cristão dicidiu-se em dois grupos: na vanguarda, Boemundo, Tancredo de Hauteville,Roberto II da Normandia e Roberto II da Flandres, ainda acompanhados de forças imperiais; na retaguarda, Godofredo de Bulhão, Balduíno de Bolonha, Raimundo IV de Toulouse, Estêvão de Blois e Hugo I de Vermandois. Estêvão de Blois escreveu para a sua esposa neste período, dizendo acreditar que a marcha até Jerusalém demoraria cinco semanas. Na verdade, demoraria dois anos, e Estêvão abandonaria a cruzada antes disso.
A 1 de Julho, o grupo de Boemundo foi cercado nas proximidades de Dorileia. Godofredo e mais alguns do segundo grupo vieram em auxílio de Boemundo, mas seriam as forças do legado Ademar de Monteil, provavelmente comandadas por Raimundo de Toulouse, que tornariam a batalha numa vitória decisiva dos cruzados. Kilij Arslan retirou e os cruzados continuaram quase sem oposição através da Ásia Menor, na direcção de Antioquia. Pelo caminho conquistaram algumas cidades - Sozopolis, Iconium e Cesareia Mazaca - apesar de a maioria destas voltar para o domínio turco em 1101.
Em pleno Verão a marcha era difícil, e os cruzados tinham pouca comida e água, pelo que homens e cavalos morriam em grande número. Apesar de ofertas de alimentos e dinheiro que por vezes recebiam de outros cristãos na Ásia e na Europa, os peregrinos viam a sua sobrevivência dependente de pilhagens aos poucos locais com recursos por onde passavam. Ao mesmo tempo, os diferentes líderes continuavam a disputar a primazia militar da expedição. Apesar de nenhum se conseguir afirmar decisivamente, a liderança espiritual era universalmente reconhecida no bispo Ademar de Monteil.
Em Heraclea Cybistra, Balduíno de Bolonha e Tancredo de Hauteville separaram-se das restantes forças, entrando em conflito entre si pela posse deTarso e outras praças que conquistariam aos cristãos arménios, ambos tentando estabelecer os seus feudos no Levante. Mas a situação nunca passou de pequenas escaramuças, tendo Tancredo acabado por continuar a sua marcha para Antioquia.
Depois de se juntar ao exército principal em Marach, Balduíno recebeu o convite de um arménio chamado Bagrat e seguiu para leste, em direcção ao rio Eufrates, onde tomou a fortaleza de Turbessel. Depois recebeu outro convite, desta vez de Teodoro de Edessa, um ortodoxo grego em conflito com a ortodoxia arménia dos seus súbditos. Balduíno foi-se impondo na política deste isolado domínio, depois ameaçou partir para se juntar aos restantes cruzados, obrigando o governante a adoptá-lo como filho e herdeiro. Teodoro foi assassinado a 9 de Março de 1098 e Balduíno sucedeu-o, tomando o título de conde e assim criando o primeiro estado cruzado - o Condado de Edessa.
Os cruzados tinham ouvido o rumor que Antioquia tinha sido abandonada pelos turcos seljúcidas, pelo que se apressaram a tomá-la. Mas ao chegar aos arredores da cidade a 20 de Outubro, verificaram que esta ainda estava ocupada e disposta a oferecer grande resistência, protegida por imponentes muralhas. Para além disso, a cidade era tão grande que os invasores não tinham homens suficientes a cercá-la eficazmente, pelo que foi parcialmente abastecida pelo exterior.
Durante os oito meses do cerco, em que tiveram de combater contra um exército de Damasco e outro de Alepo, os cruzados passaram por grandes dificuldades. Foram forçados a comer até os próprios cavalos ou, conforme as lendas, os corpos dos companheiros cristãos que não sobreviveram. Estêvão de Blois e Hugo I de Vermandois abandonaram esta expedição, acabando depois por aderir à Cruzada de 1101 para cumprir o seu voto. Balduíno de Edessa enviou dinheiro e mantimentos ao exército latino, apesar de não participar pessoalmente na acção militar.
Face às dificuldades do cerco, Boemundo de Taranto viu a ocasião de tomar um domínio para si. Imediatamente ameaçou, com o pretexto da demora, voltar a Itália para trazer reforços, mas as suas capacidades estratégicas e a importância do contingente que o acompanhava eram absolutamente necessárias à cruzada. Por isso foi-lhe prometido tudo o que quisesse para continuar. Entretanto a partida de Tatizius, o representante do Império Bizantino, deu-lhe um pretexto para alegar uma traição, o que podia autorizar os cruzados a considerarem-se livres do seu juramento a Aleixo I Comneno.
Quando chegaram notícias da aproximação de Kerbogha de Mossul, Boemundo pressionou um sentinela arménio, com quem tinha vindo a trocar comunicações, para permitir a entrada de um pequeno grupo de cruzados para abrir as portas da cidade ao exército principal. O plano teve lugar a 3 de Junho de 1098, seguindo-se o massacre dos habitantes muçulmanos da cidade.
Somente quatro dias depois, Kerbogha chegou para sitiar os até ao momento sitiadores da cidade. Devido ao longo cerco a que tinham sujeitado Antioquia, havia pouco alimento e a peste alastrava-se. Aleixo Comneno vinha a caminho para auxiliar os cruzados mas voltou para trás ao ouvir as notícias de que a cidade já tinha sido retomada.
No entanto estes ainda resistiam, moralizados por um monge chamado Pedro Bartolomeu que afirmou ter descoberto a lança do destino, que ferira o flanco de Cristo na cruz. Com este novo objecto santo à cabeça do exército, marcharam ao encontro dos muçulmanos, a quem derrotaram miraculosamente - milagre segundo os cruzados, que afirmavam ter surgido um exército de santos a combater juntamente com eles no campo da batalha.
Boemundo pretendeu tomar Antioquia para um seu domínio, mas nem todos os outros líderes concordaram, particularmente Raimundo IV de Toulouse, e a cruzada atrasou enquanto os nobres criavam partidos e discutiam. Historiograficamente entende-se que os francos do norte da França, os provençais do sul da França e os normandos do sul da Itália se consideravam "nações" separadas no todo do exército, e que cada contingente se unia para ganhar poder sobre os outros. Este pode ter sido um dos motivos para as disputas, mas a ambição pessoal dos líderes terá também tido um peso muito importante.
A tomada de Antioquia
Entretanto, a fome e a peste (provavelmente tifo) alastravam, matando inclusivamente o único líder incontestado e principal unificador da expedição, Ademar de Monteil. Em Dezembro, a cidade de Ma'arrat al-Numan foi conquistada depois de um cerco, seguindo-se o marcante incidente de um novo massacre e do canibalismo dos cruzados aos habitantes locais.
Descontentes, os nobres menores e os soldados ameaçaram seguir para Jerusalém sem os seus líderes mais notáveis. Sob esta pressão, no início de 1099 Raimundo de Toulouse (o mais carismático devido à sua crença no poder da santa lança) liderou a marcha para a cidade santa, deixando Boemundo livre para se estabelecer no seu Principado de Antioquia - o segundo estado cruzado.
Em Dezembro de 1098/Janeiro de 1099, Roberto II da Normandia e Tancredo de Hauteville tornaram-se vassalos do mais poderoso e rico Raimundo IV de Toulouse. Godofredo de Bulhão, apoiado pelo seu irmão Balduíno de Edessa, recusou-se.
A 13 de Janeiro, Raimundo iniciou a marcha em direcção ao sul, descalço e vestido como um peregrino, percorrendo a costa do mar Mediterrâneo. Os cruzados enfrentaram pouca resistência, uma vez que os pouco poderosos governantes muçulmanos locais preferiram comprar uma paz com provisões em vez de lutar. Também é provável que estes, pertencentes ao ramo sunita do Islão, preferissem o controlo de estrangeiros ao governo xiita dos fatímidas.
A caminho encontrava-se o emirado de Trípoli. Em 14 de Fevereiro o conde de Toulouse iniciou o cerco de Arqa, uma cidade deste domínio. Provavelmente, uma das suas intenções seria fundar um território independente em Trípoli que limitasse a capacidade de Boemundo expandir o seu principado para sul. Mas o cerco demorou mais do que o previsto e, apesar de algumas conquistas menores no local, o atraso da cruzada para Jerusalém fez-lhe perder muito do apoio que ganhara em Antioquia.
A cruzada prosseguiu a 13 de Maio, ao longo da região costeira, passando por Beirute no dia 19 e Tiro a 23. Em Jaffa abandonaram a costa e a 3 de Junho alcançaram Ramla, que tinha sido abandonada pelos seus habitantes. No dia 6 Godofredo enviou Gastão IV de Béarn e Tancredo de Hauteville para a bem sucedida conquista de Belém, e a 7 de Junho de 1099 os cruzados chegaram a Jerusalém, acampando no exterior da cidade. O exército cristão ficara reduzido a cerca de 1.200/1.500 cavaleiros e 12.000/20.000 soldados de infantaria, carentes de armas e provisões.
Um padre chamado Pedro Desiderius ofereceu uma solução de fé: afirmou que uma visão divina lhe tinha dado instruções para que os cristãos jejuassem e depois marchassem descalços em procissão ao redor das muralhas da cidade; estas cairiam em nove dias, da mesma forma que a Bíblia relata ter acontecido com Josué no cerco de Jericó. A procissão realizou-se no dia 8 de Julho.
Entretanto, uma frota da República de Génova liderada por Guilherme Embriaco desmantelara os seus navios para construir torres de assalto com a sua madeira, com as quais foi possível derrubar secções das muralhas. O ataque principal ocorreu a 14 e 15 de Julho (uma sexta-feira santa, sete dias depois da procissão). Vários nobres reclamaram a honra de terem sido os primeiros a penetrar na cidade. Segundo uma das crónicas da época, a exacta sequência terá sido Letoldo e Gilberto de Tournai, depois Godofredo de Bulhão e o seu irmão Eustácio III de Bolonha, Tancredo e os seus homens. Outros cruzados entraram pela antiga entrada dos peregrinos.
Durante a tarde e noite do dia 15 e manhã do dia seguinte, os cruzados massacraram a população de Jerusalém - muçulmanos, judeus e cristãos do oriente. Godofredo de Bulhão não terá participado deste aspecto mais violento, Tancredo de Hauteville e Raimundo de Toulouse teriam tentado proteger alguns grupos da fúria assassina, mas na generalidade falharam: a maioria dos relatos só diverge na descrição da quantidade de cadáveres amontoados ou de sangue que escorria pelo chão - segundo um cronista "Nunca ninguém tinha visto ou ouvido falar de tal mortandade de gentes pagãs". A estimativa do número de mortos varia entre 6.000 e 40.000. Segundo o arcebispo Guilherme de Tiro, os próprios vencedores ficaram impressionados de horror e descontentamento.
Assim que a tomada da cidade foi concluída, era necessário estabelecer um governo. A 22 de Julho, realizou-se um concílio na Igreja do Santo Sepulcro.Raimundo IV de Toulouse foi o primeiro a recusar o título de rei, talvez tentando provar a sua piedade, mas provavelmente esperando que os outros nobres insistissem na sua eleição.
Godofredo de Bulhão, que se tornara no nobre mais popular depois das acções do conde de Toulouse no cerco de Antioquia, aceitou o cargo de líder secular, mas recusou-se a ser coroado rei na cidade onde Cristo usara a coroa de espinhos. O seu título ficou assim mal definido - teria sido Advocatus Sancti Sepulchri (Protector do Santo Sepulcro), princeps (príncipe) ou dux (duque). Raimundo terá ficado desagradado com isto e saiu com o seu exército para acabar por cercar Trípoli.
A 12 de Agosto teve lugar a última batalha da Primeira Cruzada, com a relíquia da cruz na qual Jesus teria sido crucificado (descoberta no dia 5) na vanguarda do exército - em Ascalon, Godofredo de Bulhão e Roberto II da Flandres venceram os fatímidas. Depois disto, a maioria dos cruzados, entre os quais Roberto da Flandres e Roberto da Normandia, considerou os seus votos cumpridos e voltou para a Europa. Segundo Fulquério de Chartres, apenas algumas centenas de cavaleiros permaneceram no reino recém-formado.
Carta da Primeira Cruzada (Roger pertencia ao grupo assinalado a azul claro, proveniente da França). Todos os grupos se reuniram em Constantinopola.