quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Cinema e Música - 3



  Hoje venho aqui falar de um filme, que à primeira vista, nada teria a ver com esta rubrica “Cinema e Música”. Mas, bem vistas as coisas, a música é sempre um elemento fundamental de um filme e mesmo que não seja o seu principal motivo de interesse, há filmes que nos despertam uma sensibilidade musical muito apurada. O filme de que falo é o muito celebrado “A Lista de Schindler” (1993), realizado por Steven Spielberg, sem dúvida um dos melhores filmes que vi e seguramente um dos que mais vezes me humedeceu as faces… É difícil ficar indiferente à temática do filme, o salvamento de uma enorme quantidade de judeus por um homem de confiança dos nazis, Óscar Schindler. O tema musical do filme é do consagrado Jonh Williams que por este seu trabalho ganhou mais um Óscar dos muitos da sua carreira. É um tema belíssimo, muito triste, como convém num filme com este argumento e que no vídeo aqui apresentado tem como solista o famoso violinista Itzhak Perlman.
 
 Mas o principal motivo da inclusão deste filme na rubrica é uma cena, do filme a única cena que tem algo de cor, e que mostra o percurso de uma pequena miúda com um casaco rosa que se dirige para casa, no gueto de Varsóvia, passando pelo meio de cenas terríveis que vão acontecendo nas ruas quando os nazis invadiram o gueto para matarem e prenderem os judeus. Durante essa cena, e misturada com os sons normais do decorrer da mesma, vai-se começando a ouvir uma belíssima canção, cantada por um coro de crianças. É uma canção célebre entre os judeus, cujo nome é “Oyfn Pripetshik” , cuja tradução inglesa é “On the Cooking Stove”, e que foi escrita em Yiddish na segunda metade do século XIX, tornando-se muito popular na altura entre os judeus da Europa central e oriental, até à época anterior ao holocausto; fala-nos de um “rabbi” que ensina às crianças o alfabeto judaico. É uma melodia que ao longo da cena se vai ouvindo cada vez melhor e que está muito bem integrada nela. A cena é espantosa, como se pode ver no vídeo.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Rua dos cafés

Correspondendo a mais uma interessante iniciativa do Carlos, decidi juntar-me à “Rua dos Cafés”.
Sim porque eu sou do tempo em que se frequentavam os cafés e em muitos, havia estudantes a qualquer hora do dia ou da noite; eu próprio fiz algumas das cadeiras de Económicas num simpático café perto de minha casa e que ficava a 100 metros do Instituto Britânico – o “Big Ben”.
Mas o meu café de Lisboa era bem longe das minhas duas primeiras casas lisboetas, ficava no Saldanha (mais propriamente no final da Fontes Pereira de Melo) e era sem dúvida um dos mais emblemáticos cafés de Lisboa – o “Monte Carlo”.
Eu sei, Carlos que também foi o teu café e quem sabe não nos cruzámos várias vezes por lá…
Comecei a ir ao Monte Carlo, porque a malta da Covilhã que estudava em Lisboa fez ali o seu poiso e ali nos encontrávamos todas as noites e quantas tardes…Mesmo em frente da “Paulistana”, onde pontuavam os alentejanos e os estudantes de Veterinária, ficava mesmo ao lado de outro café bem conhecido, o “Monumental”.
Mas o Monte Carlo era uma instituição e chamavam-lhe a “catedral”. Havia à entrada, do lado de fora à direita, a tabacaria (vê-se na foto) e logo depois de franqueada a porta, do lado esquerdo, antes do restaurante, a pastelaria.
Geralmente encontrava-se por lá um cão, velho e gordissimo, o Benfica, que adorava queques e tanta gente lhe comprava esses bolos para sua delícia…
O restaurante, não me perguntem pela ementa, pois para mim, só existia o “bife à Monte Carlo”, com molho de café e que quase se trinchava com o garfo. Mais tarde, quando fui para a tropa, para Mafra, o meu fim de semana só começava depois de ali comer o bife, acompanhado de meia garrafa de Dão Grão Vasco. Presença assídua ali no restaurante, quase sempre só, era Laura Alves, com o seu lenço verde na cabeça e os enormes óculos de sol, sempre aparentando tristeza.
Depois do corredor, com mesas, chegava-se à parte mais baixa e maior do café, onde geralmente nós abancávamos; a afabilidade dos empregados de mesa era tal, que quando chegava à mesa, tinha o café já à espera.
Nesse corredor prontificava a tertúlia dos forcados com o Salvação Barreto à cabeça. Depois havia os actores, vários, embora alguns também frequentassem o Monumental e havia os escritores e os “revolucionários”.
Sim, ali havia de tudo e até muito boa gente de variados gostos sexuais.
E depois havia as “traseiras”; por de trás dos bilhares havia um pequeno bar e as célebres mesas do dominó e dos cavalinhos, e não só… Havia um cabeleireiro de homens e o WC.
Era um mundo, que começava à porta, na cavaqueira e que prosseguia lá dentro, no estudo, na escrita, no jogo, nas conversas, no início de tantas ideias de esquerda, tudo ali coabitava.
Hoje é mais uma loja da Zara, que tristeza…

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Para alegrar as vistas e não só...

Ultimamente tenho sido bastante critico duma certa moda que existe nalguns blogs que sigo, e que são objectivamente interessantes, mas batem sempre na mesma tecla de pôr imagens de jovens, as quais obtêm êxito garantido numa série de comentadores, que repetem sempre os mesmos clichés: "ai que maravilha!", eu quero o terceiro", "que homem lindo" e não passam disso.
Quem sou eu para discordar disso? Em cada blog manda o seu proprietário e cada seguidor faz os comentários que muito bem entende, desde que aprovados pelo dono do blog.
Pronto, já afirmei que o meu gosto pessoal não vai para esse tipo de meninos, mas isso é problema meu e não dos outros.
Será que não tenho no meu blog ao longo de tantos anos, postado nunca fotos de homens bonitos?
Será que me considero especial?
Nem uma coisa, nem outra. Já tenho postado e variadas vezes fotos de homens de que gosto, mas prefiro fazê-lo apenas de tempos a tempos e  não todos os dias. E não sou especial, pois tenho gostos diferentes, é certo, mas gosto de gente normal e bonita, como os demais.
Mas para mim são essenciais duas questões: devem ter acima de 25-30 anos e se possível serem não depilados.
Assim e para que vejam onde param os meus gostos e também para saber se vocês gostam ou não das minhas escolhas, hoje é dia de fotos!
Aqui vão uma mão cheia delas, daquelas que eu gosto: são modelos, são actores (alguns são mesmo actores pornográficos), e todos têm o seu nome, para quem quiser, na net encontrar mais fotos deles.
Daqui a um ano, mais ou menos, mostro mais, hehehe...

Panayiotis Simopoulos
Henry Cavill
Jude Law
Arpad Miklos
Tom Ford
Braun Dreck
Christopher Camplin
Bo Roberts
Hugh Jackman
Ryan Zane
Bill Cable
Franco Nero
Hairy Boxer
Asi Naiz
Tom Cullen
Jean Dujardin

sábado, 24 de novembro de 2012

Cinema e música - 2

Para mim, “West Side Story”, com o incrível título português de “Amor Sem Barreiras” é o melhor musical de sempre.
É um filme de 1961, baseado numa bem sucedida peça apresentada em 1957, na Broadway, da autoria de Arthur Laurents e encenada por Jerome Robbins; tanto a peça como o filme são ambientadas nos anos 50 do século passado, em Manhattan (New York), precisamente na zona conhecida como West Side, mas como uma adaptação livre da obra “Romeu e Julita”, de Shakespeare.
No filme, Tony, antigo leader do gang anglo saxónico branco, os “Jets”, apaixona-se por Maria, irmã de Bernardo, o leader do gang latino dos porto-riquenhos, os “Sharks”. O amor do casal floresce no meio das rivalidades e conflitos dos dois grupos, tais como na peça de Shakespeare entre os Capuletto e os Montechio…
O filme foi realizado pela dupla Robert Wise/Jerome Robbins e ganhou 10 óscares, ente os quais, o de melhor filme, melhor realização, melhores actores secundários, feminino (Rita Moreno) e masculino (George Chakiris), melhor som e melhor banda sonora. A música do filme é da autoria do consagrado Leonard Bernstein.
Não gostei de uma coisa no filme, e que foi a escolha dos protagonistas, principalmente Tony (Richard Beymer) e mesmo Maria (Natalie Wood). Como curiosidade os primeiros nomes a serem falados foram os de Elvis Presley e Audrey Hepburn…
E também como curiosidades extra os directores fomentaram a real desavença entre os dois gangs rivais dando aos Jets melhores condições do que aos Sharks, no que respeita aos guiões e aos camarins de uns e outros; e recentemente a conhecida série televisiva “Glee” realizou um episódio de homenagem a este filme.

O que apresentar neste post, deste filme?
Uma cena era para mim, fundamental, embora seja uma cena dançada e não cantada, que é o prólogo do filme, e que mostra a rivalidade entre os Jets e os Sharks.


Outra cena marcante e que é protagonizada pelos excelentes George Chakiris e Rita Moreno é a muito conhecida canção “América”.

Já para documentar o amor entre os dois protagonistas, parece fora de dúvida que a escolha teria que ser “Tonight”; mas aqui surgiu-me um pequeno dilema: apresentar a canção original do filme, que não é um primor de vozes, ou apresentar dois cantores verdadeiramente bons a interpretar a imortal canção? Acabei por optar por esta última hipótese, e porque gosto muito de dois nomes emergentes do bel-canto actual, escolhi a versão ao vivo, em Berlim da cantora russa Anna Netrebko e do cantor mexicano Rolando Villazón. Espero que não me batam muito…

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Taras e fétiches

Um dos blogs brasileiros que sigo é o “A letra E”, do meu amigo Edu; aliás este já é o terceiro blog dele que sigo, pois ele de vez em quando, muda de blog, mas não da forma de postar, muito pessoal, expondo muito da sua vida familiar, afectiva e profissional, mas também com algumas curiosidades bem apanhadas. É o caso desta postagem, que pelo título que ele lhe deu, dá a ideia que veio lá dos “States”. Aqui vem um autêntico dicionário de todas ou quase todas as taras e fétiches que o ser humano vai tendo, algumas delas bastante nojentas, pelo que não se aconselha a leitura a pessoas mais sensíveis.
Deixei ficar os comentários e exclamações do Edu, pois são verdadeiramente originais. Ele, mesmo nas postagens normais, usa uma linguagem muito própria que é muito dele e só dele; ao princípio quase precisava de dicionário para compreender certas frases, mas com o hábito, agora estranho é quando ele fala numa linguagem normal, o que é raro…

E aqui ficam as taras e manias, segundo os americanos:


Adstringopenispetrafilia: fetiche por amarrar pedras ao pênis.   [Ouch!]
Agalmatofilia: atração por estátuas.   [Prefiro movimento]
Agorafilia: atração por copular em lugares abertos ou ao ar livre.   [A experimentar!]
Aiquemofilia : Prazer pelo uso de objetos pontudos e cortantes.   [Ouch!]
Amaurofilia: excitação da pessoa pelo parceiro que não é capaz de vê-la (não se aplica a cegos).   [Que bom que explicou]  
Amphiboliafilia: atração ou excitação sexual por ambiguidades.   [Sou eu! Ou não...]
Anadentisfilia: excitação sexual por pessoas sem dentes ou prazer sexual ao receber sexo oral de uma pessoa sem dentes.   [Imagino prós e contras...]
Anemofilia: excitação sexual com vento ou sopro (corrente de ar) nos genitais ou em outra zona erógena.   [Já fiz uso disso]
Apotemnofilia: desejo de se ver amputado.   [Ouch!]
Asfixiofilia (asfixia autoerótica): prazer pela redução de oxigênio.   [Ouch!]
ATM (ass to mouth): prática em que o parceiro ativo, após o coito anal, leva seu pênis à boca da pessoa penetrada.   [Prefiro o inverso]
BBW: atração por mulheres obesas.   [BBM, moderadamente]
Bondage: prática onde a excitação vem de amarrar ou/e imobilizar o parceiro.   [Ouch!]
Bukkake: modalidade de sexo grupal praticado com uma pessoa que "recebe" no rosto a ejaculação de diversos homens.   [No olho arde...]
Clismafilia: fetiche por observar ou sofrer a introdução de enemas.   [Chuca Show]
Coleopterafilia: atração sexual por besouros.   [Besouros???]
Coprofagia: fetiche pela ingestão de fezes.   [Eeew!]
Coprofilia: fetiche pela manipulação de fezes, suas ou do parceiro.   [Eeew!]
Coreofilia: excitação sexual pela dança.   [Hmmm... nah]
Crinofilia: excitação sexual por secreções (saliva, suor, secreções vaginais, etc).   [Moderadamente encaro de boa]
Crematistofilia: excitação sexual ao dar dinheiro, ser roubado, chantageado ou extorquido pelo parceiro.   [Putz, nem!! A menos que seja eu recebendo, né?]
Cronofilia: excitação erótica causada pela diferença entre a idade sexo-erótica e a idade cronológica da pessoa, porém em concordância com a do parceiro.   [Num intendi!]
Cyprinuscarpiofilia: excitação sexual por carpas.   [Carpas???]
Dendrofilia: atração por plantas.   ["Vamos pro matinho?" "Vamos!!" Chegando lá...]
Emetofilia: excitação obtida com o ato de vomitar ou com o vômito de outro.   [Eeew!]
Espectrofilia: prática medieval que consiste na excitação por fantasias com fantasmas, espíritos ou deuses.   [Nah!]
Estelafilia: atração sexual por monumentos líticos (feitos de pedra) normalmente feitas em um só bloco, contendo representações pictóricas e inscrições.   [Er...]
Exibicionismo: fetiche por exibir os órgãos genitais.   [Só se for antes da piscina...]
Fetiche por balões: excitação ao tocar balões de látex (usadas em festas).   [Imagino orgasmos múltiplos com um plástico-bolha]
Fisting: prazer com a a inserção da mão ou antebraço na vagina (brachio vaginal) ou no ânus (brachio procticus).   ["Brachio procticus" soa tão imponente! Mas nem vem!]
Flatofilia: prazer erótico em escutar, cheirar e apreciar gases intestinais próprios e alheios.   [Nah, embora não tenha "eeew" do fato em si]
Frotteurismo: prazer em friccionar os órgãos genitais no corpo de uma pessoa vestida.   [Opa! Também curto a versão "despida"!]
Galaxiafilia: atração sexual pelo aspecto leitoso da Via Láctea.   [Hein?]
Gerontofilia: atração sexual de não-idosos por idosos.   [Entre 40 e 60 chama minha atenção, mas não exclusivamente!]
Hebefilia (ver lolismo)   [Que é lolismo?]
Hipofilia: desejo sexual por equinos.   [Pelo menos não são besouros...]
Imagoparafilia: prazer em imaginar-se com alguma parafilia.   [Perversão platônica]
Lactofilia: fetiche por observar ou sugar leite saindo dos seios   [Leitinho eu adoro!! Mas não dos seios, rsrs...]
Lolismo: preferência sexual e erótica de homens maduros por meninas adolescentes.   [Ah, tá! Nah.]
Kosupurefilia: excitação sexual por Cosplay.   [Por um segundo achei que era pelo Coldplay! Oi, Will!]
Maieusofilia: ver pregnofilia   [Maieu ou maivocê?]
Masoquismo: prazer ao sentir dor ou imaginar que a sente.   [Eeew!]
Menofilia: atração ou excitação por mulheres menstruadas.   [Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeewwwwwwwwwww!]  
Moresfilia: atração ou excitação sexual por coisas relativas aos costumes.   [#DowntonAbbeyFeelings?]
Nanofilia: atração sexual por anões.   [Peter Dinklage!]
Necrofilia : atração por pessoas mortas   [Eeew!]
Nesofilia: atração pela cópula em ilhas, geralmente desertas.   [Me chama que eu vou!!]
Odaxelagnia: fetiche por mordidas.   [Ouch caralho sifudê dói porra! Mas de levezinho...]
Orquifilia: fetiche por testículos.   [Me likey!]
Panpaniscusfilia: excitação sexual por Bonobos.   [Essa é para os Davids]
Partenofilia: fixação sexual por pessoas virgens.   [Nah]
Pigofilia: excitação sexual por nádegas.   [Me likey!]
Pirofilia: prazer sexual com fogo, vendo-o, queimando-se ou queimando objetos com ele.   [Só fogo no rabo e queimar a rosca]
Podolatria: fetiche por pés.   [Nah]
Pogonofilia: fetiche por barba.   [Me likey!]
Pregnofilia ou maieusofilia: fetiche por mulheres grávidas e/ou pela observação de partos.   [Eeew!]
Quirofilia: excitação sexual por mãos.   [But I still haven't found what I'm looking for]
Sadismo: prazer erótico com o sofrimento alheio.   [Eeew!]
Sadomasoquismo: prazer por sofrer e, ao mesmo tempo, impingir dor a outrem.   [Eeew!]
Sarilofilia: fetiche por saliva ou suor.   [Enquanto cuspe não, enquanto beijo, adooogo! E suadinho também gostcho...]
Timofilia: excitação pelo contato com metais preciosos.   [My precious!!!]
Trampling: fetiche onde o indivíduo sente prazer ao ser pisado pelo parceiro.   [Eeew!]
Tricofilia: fetiche por cabelos e pelos.   [Woof!]
Urofilia: excitação ao urinar no parceiro ou receber dele o jato urinário, ingerindo-o ou não.   [Difícil urinar excitado #comofas]
Vorarefilia: atração por um ser vivo engolindo ou devorando outro.   [Fritas pra acompanhar?]
Voyeurismo: prazer pela observação da intimidade de outras pessoas, que podem ou não estar nuas ou praticando sexo.   [Bem melhor se estiverem!]
Zoofilia: prazer em relação sexual com animais.   [Eeew!]

E que tal ir apanhar um pouco de sol, para desanuviar...

Após sugestão do amigo Coelho no seu comentário, porque não confessar algum ou alguns dos nossos fétiches (ou taras...), certo de que não há ninguém que não os tenha.Dos que estão nesta lista ou dos que não estão (a imaginação humana é infinita)...
Dando o exemplo, há dois aqui na lista que me agradam: a Pogonifilia e a Tricofilia e um outro que aqui não vem bem especificado - a excitação por via do tacto (e não só) dos mamilos.
Vá lá, confessem-se.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Livros e lombadas

Há que tempos que não falo de livros; e tenho lido livros, muitos livros mesmo.
Vou procurar fazer uma resenha do que tenho lido.
Falando primeiro de alguns livros que quase não são livros, pequenas brochuras de títulos brasileiros de autores gays, sem grande ou mesmo nulo interesse: “Tirando a farda” (Stewart Chatwick), “Apartamento 41”(Nelson Luiz de Carvalho), “No calor de Zanzibar” (Alex Von Mann), “Caçar a gosto” (Sousa e Castro), “Cicatrizes e tatuagens”(Felipe Alface) e “Na companhia dos homens” (Alexandre Ribondi).
Ainda no campo da relativa decepção, um autor português, João Firmino (“Um dia as canas tocarão os céus?”), e dois latino-americanos, um cubano, Paz Senel (“No céu com diamantes”) e outro peruano, Jaime Bayly(“Os amigos que perdi”).
Li dois livros de dois grandes autores clássicos da literatura gay e dos quais gostei bastante: “A harpa das ervas” (Truman Capote) e “O tumulto das ondas” (Yuko Mishima), aos quais junto um excelente Gore Vidal (“Navegação ponto por ponto”) e que confirma o recém falecido autor como um dos melhores escritores americanos dos últimos 50 anos.
Do “velhinho” Frank Ronan, ainda me faltavam ler dois livros que agora li: “A comunidade” e “A morte de um herói”; tenho todos os livros deste autor.
Uma outra boa surpresa foi o livro de Gilles Rozier “Um amor sem resistência”, e houve duas obras que me fizeram ficar com uma vontade louca de rever as suas adaptações cinematográficas – “As horas” de Michael Cunningham e principalmente “A linha de beleza”, um fresco do thatcherismo, com a SIDA à mistura, de Alan Hollinghurst.
Deixo para o fim dos autores estrangeiros, “O bailarino” de Colum McCann, que nos fala da vida de Nureyev, desde o final da guerra, ainda rapazito, até à sua decadência física, que o levou à morte. Muito mais interessante toda a primeira parte passada na então União Soviética, da sua cidade natal até Leninegrado e à sua fuga para o Ocidente e que retrata muito bem como era a vida ali naqueles anos de comunismo totalmente ortodoxo. A segunda parte, tirando a sua ligação artística a Margot Fonteyn, e ao seu grande romance com outro bailarino (Erick Brhunn), fica-se pelo mundanismo das festas com figuras publicas e a sua estranha ligação a um venezuelano que o levava à prática dos mais variados actos homossexuais, não com ele, mas com todo o mundo…
E, “last but not the least…”, um autor que é para mim uma descoberta sensacional – Allan Massie, do qual li dois livros “O rei David” e “Calígula”; para quem goste de romances históricos, está servido e tenho aqui para gozo futuro, mais três livros dele, todos sobre imperadores romanos. (À atenção do Mark…).
Não!!! faltava o melhor; de um dos meus escritores preferidos- Christopher Ischerwood- um livro assombroso (Encontro à beira rio). O rio é o Ganges, na India e o encontro é o de dois irmãos e talvez eu nunca tenha visto tão bem descrita uma relação entre dois irmãos; eles estão profundamente ligados um ao outro – os laços do sangue – mas os conflitos, mais de espírito do que físicos também ali estão retratados. Um livro fundamental.
E passemos aos portugueses: Li finalmente o primeiro livro de Ana Zanatti, (Os sinais do medo), que correspondeu às minhas expectativas. E continuo à espera do grande livro do José Luís Peixoto, pois “Abraço” ainda o não foi; continua a ser para mim um escritor demasiado “hermético”, mas também ainda só li dois livros dele.
Entrei a sério na leitura de dois jovens escritores portugueses: Frederico Lourenço e Valter Hugo Mãe. Do primeiro li a famosa trilogia “À beira do mundo”, “O curso das estrelas” e “Pode um desejo imenso” e conquistou-me por completo; não sendo fácil pois nem sempre é linear, entrei nele como faca em manteiga (salvo seja…). De V.H.Mãe tinha lido o seu último livro e agora iniciei aqueles seus quatro livros que não são o seguimento uns dos outros, mas se encadeiam; primeiro li, claro, “O nosso reino” e agora “O remorso de Baltasar Serapião”, este com uma fabulosa escrita à maneira do período que retrata – a Idade Média. Os dois restantes estão na calha… É um valor enorme e emergente da escrita portuguesa.
Guardei para o fim falar do livro do meu prezado amigo e companheiro de blogosfera, André Benjamim; li finalmente “Os cadernos secretos de Sébastian”. Não me surpreendeu, pois já conhecia o estilo literário do André e este livro tem muito dele em cada página. Só espero que não fique por aqui.



Permitam-me que aproveite ter falado de livros para de uma forma mais correcta, (já tinha escrito “isto” sem foto num comentário), deixar aqui o meu contributo para o interessante desafio que a Margarida nos deixou no seu blog: escrever uma frase baseada na lombada de livros. E o que é curioso é que a minha escolha recaiu em três livros aqui falados.
Aqui fica a foto e a respectiva frase: “Encontro à beira rio, amor sem resistência: abraço!”.

Mas como a Margarida nos permite várias participações, seleccionei mais duas com títulos de livros que estão aqui na sala, já fora das prateleiras, prontinhos para serem lidos. Aqui vão:
“Ao cair da noite, uma casa no fim do mundo: outras vozes, outros lugares.”
E...
"Valsas nobres e sentimentais e a Canção de Tróia, para a sua jukebox".

domingo, 18 de novembro de 2012

Cinema e música - I

Mais uma rubrica a ser iniciada e que conjuga duas artes que muito aprecio: a música e o cinema.
Aqui poderá falar-se ou ver-se um episódio de um filme musical, pode ser um filme não musical , mas com uma banda  sonora que valha a pena recordar ou uma canção que se destaca num qualquer filme, enfim variadíssimas coisas.
Hoje e para começar da melhor maneira, vou referir um filme que vi já há muitos anos e que foi um marco na história do cinema: "2001 - Uma Odisseia no Espaço", do mestre Stanley Kubrick. Não é um filme nada fácil, era um filme de ficção científica, mas com variadas possibilidades de entendimento. Recordo que na altura toda a gente perguntava o significado daquela grande pedra rectangular. Kubrick era um perfeccionista e tinha as suas concepções muito pessoais, e gostava de "jogar" com o espectador em determinadas cenas (não só neste filme).
O vídeo que aqui deixo é assombroso e quem viu o filme decerto recorda esta cena de um estranho e longo bailado de astros, estações orbitais, satélites e outros objectos na imensidão do espaço celeste, ao som de uma das mais belas melodias que o ser humano já produziu - o "Danúbio Azul", de Johann Strauss. E no final do vídeo lá aparece a famosa pedra, cujo verdadeiro significado, possivelmente apenas Kubrick conheceria.
É grande, quase 10 minutos, mas não é tempo perdido.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Alfred Eisenstaedt

Alfred Eisenstaedt (Dirschau, 6 de Dezembro de 1898 — Nova Iorque, 24 de Agosto de 1995 foi um fotógrafo e fotojornalista norte-americano.
Nascido na antiga Prússia, aos oito anos a família mudou-se para Berlim, na Alemanha, onde ficou até ao momento em que Adolf Hitler chegou ao poder.
Aos catorze anos um tio ofereceu-lhe uma câmara fotográfica, uma Eastman Kodak nº 3 (uma câmara de fole).
Três anos mais tarde foi recrutado para o exército alemão. Em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, uma explosão de uma granada afectou-lhe ambas as pernas. Foi o único sobrevivente do ataque e foi mandado ferido para casa. Levou cerca de um ano até poder caminhar de novo sem ajuda, e foi durante a recuperação que se interessou novamente pela fotografia.
Em 1922, tornou-se vendedor de cintos e botões e, com o dinheiro que conseguiu poupar, adquiriu equipamento fotográfico. Começou por revelar os seus trabalhos na casa de banho e a aprender cada vez mais.
Durante umas férias na Checoslováquia fotografou uma mulher a jogar ténis, registando a longa sombra da mulher a lançar a bola no court.
 Eisenstaedt conseguiu vendê-la ao Der Welt Spiegel por três marcos (cerca de doze dólares na altura), o que lhe deu a ideia da possibilidade de viver da fotografia. Assim, aos 31 anos abandonou a profissão de vendedor e passou a fotografar a tempo inteiro. Como freelancer, trabalhou para a Pacific and Atlantic Photos, que se transformaria na famosa Associated Press em 1931. Por essa altura, começou a trabalhar com uma leica, uma câmara inovadora de 35 mm que tinha sido inventada quatro anos antes.
Em 1933 foi enviado para Itália para fotografar o primeiro encontro entre Hitler e Mussolini.
O seu estilo agressivo fez com que conseguisse chegar até aos dois ditadores e consequentemente fotografá-los.
Dois anos depois da subida de Hitler ao poder, emigra para os Estados Unidos da América. Em Nova York foi abordado por vários fotógrafos, entre os quais Margaret Bourke-White e Henry Luce, para fazer parte de um novo projecto que nasceria após seis meses de testes, em 1936: a revista Life.
Em 1942 naturalizou-se norte-americano e viajou por vários países para documentar os efeitos da guerra: no Japão registou o efeito da bomba atómica,
na Coreia a presença das tropas americanas,
(The 38th Parallel, 1953)
na Itália o estado miserável dos pobres
 e na Inglaterra fotografou Winston Churchill.
Durante a sua carreira fotografou muitas personalidades famosas, como Marlene Dietrich, Marilyn Monroe, Ernest Hemingway, JFK ou Sophia Loren. Esta última, que também era a sua modelo favorita, apareceu numa capa da Life usando apenas um "negligee" - o que fez com que alguns subscritores da revista cancelassem a sua subscrição
Aos 81 anos regressou à Alemanha para participar numa exposição de 93 fotografias sobre a vida na Alemanha dos anos 1930. Eisenstaedt recebeu inúmeros prémios e galardões. A cidade de Nova York nomeou um dia em sua honra, o presidente George Bush entregou-lhe a Medalha Presidencial das Artes, o ICP. (Internacional Center of Photography) atribuiu-lhe o prémio Masters of Photography, entre outros. Nos seus últimos tempos de vida continuou a trabalhar, supervisionando a impressão das suas fotografias para futuras exposições ou livros.

A fotografia de um marinheiro norte-americano beijando uma enfermeira em  Times Square após a vitória dos Estados Unidos sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial talvez seja o trabalho mais conhecido de Eisenstaedt.

Muitas são as fotos que aqui poderia deixar deste magnífico fotógrafo, mas seleccionei apenas mais estas











quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"The Man I Love"

Pode dizer-se que há realmente coincidências.
Nem 48 horas tinham passado após a minha última postagem, em que focava a problemática do mundo homossexual, hoje em dia e a necessidade de os homossexuais contribuírem, com a sua visibilidade, para que a sociedade compreenda que não somos diferentes, quando surge no jornal “O Público” uma entrevista da jornalista Anabela Mota Ribeira ao casal Alexandre Quintanilha, biólogo e Richard Zimler, escritor, a residirem no Porto desde há anos e mantendo um relacionamento afectivo há mais de 30 anos, tendo casado há pouco mais de dois anos.
É uma entrevista longa, mas que vale a pena ler na integra, pela riqueza dos seus depoimentos, pela importância como ambos viram e vêem o mundo homossexual, o seu amor, a forma como se assumiram, enfim duas vidas que se encontraram e que agora constituem uma só vida, mas respeitando cada um o outro. Aqui encontramos muita coisa que eu havia aflorado no meu texto anterior, pelo que aqui o publico como complemento imprescindível do mesmo.
E além do mais, o amor destes dois homens é lindo!!!


"Conheceram-se em São Francisco em 1978, mudaram-se para o Porto em 1990. Casaram-se há dois anos e um mês. Alexandre Quintanilha tem 68 anos, é cientista. Richard Zimler tem 56 anos, é escritor. Concedem uma entrevista única, a dois, em casa. Estão descalços. Estão tão confortavelmente como se pode estar em casa, mesmo que esteja uma intrusa entre eles. O propósito era falar da dinâmica da relação, dos seus percursos individuais, de como foram tocados, e alterados, com a chegada do outro, pela vida do outro. O propósito não era contar uma bela história de amor, mas era evidente que aquela era uma bela história de amor. Uma daquelas histórias por que torcem as professoras, as hospedeiras, o notário, as pessoas que formam uma espécie de conluio (a expressão é de Alexandre) e que fazem perguntas e mandam beijinhos. Por que é que é tão raro uma relação ser tão feliz ao cabo de 34 anos de vida comum? É por isso que as pessoas torcem por eles? E importa, para o caso, que seja uma relação entre pessoas do mesmo sexo?

Para eles, fazia sentido expor a relação que vivem e correr o risco de apanhar com rótulos, estereótipos, gavetas. Não se pergunta se são a favor da adopção de crianças por casais homossexuais (ainda que a resposta esteja implícita na entrevista) nem se pergunta por que é que eles acham que são homossexuais (perguntar-se-ia a um heterossexual por que é que ele acha que é heterossexual?). Mas pergunta-se pelo modo como lidaram com a sua homossexualidade, familiar e socialmente.

Eles souberam, desde o princípio, que o outro era o tal. Não se enganaram. Sorte? Sorte e trabalho, respondem os dois.

Gostava de começar, não pelo princípio da vossa vida comum, mas por um certo princípio, que foi a vinda para Portugal. Por que é que decidiram começar uma nova vida?

Alexandre Quintanilha - Cheguei à [São Francisco] Bay Area no princípio dos anos 70, o Richard chegou em 1977. Conhecemo-nos no ano seguinte e passámos a viver em Berkeley. No fim dos anos 80 aconteceram dois episódios que alteraram a nossa forma de estar. A epidemia do HIV começou a aparecer. Houve dois ou três sítios na América que foram muito afectados. A área da baía, e em particular São Francisco, foi uma delas.

San Francisco tinha o rótulo de ser uma cidade onde a comunidade gay se sentia bem. Algumas das lutas pelos direitos dos homossexuais, encabeçadas pelo activista Harvey Milk, aconteceram aí.

A.Q. - E não só. Era um sítio onde tinha havido movimentos hippie, onde toda a gente fumava, se injectava. A partir de 85, 86, era quase impossível, tanto na universidade como fora dela, ir almoçar com amigos e o tema da conversa não ser o HIV.

Richard Zimler - Como a crise, agora, em Portugal - ninguém fala de outra coisa.

O seu irmão veio a falecer de sida. Nessa altura já se tinha declarado a doença? Era encarada como uma sentença de morte.

R.Z. - Sim. Antes de 83, 84, ele suspeitava de que tinha qualquer coisa. Depois confirmaram que era HIV.

A.Q. - A área da baía era um lugar de liberdade, de exploração. Tinha havido movimentos contra a guerra do Vietname, muitos feminismos começaram lá. As lutas em Oakland, pelos direitos dos negros, tinham sido importantes. Era uma área dinâmica de muitos pontos de vista. E a partir dos anos 80 havia a sensação de que não se podia escapar deste assunto. Ainda bem que nos conhecemos em 78; não tenho a certeza, se nos tivéssemos conhecido mais tarde, se um de nós não teria tido sida.

Conheceram-se num período em que toda a experimentação era possível. Sem fantasmas. Isso marcou a vossa relação?

R.Z. - Eu só tinha 22 anos quando conheci o Alexandre. Mudei-me para São Francisco quando tinha 21 anos, e estava a começar a vida sexual, a vida espiritual, a vida profissional. Chegar à Bay Area era o começo de uma longa viagem. Ele tinha 33 anos (na altura pensávamos que era já muito avançado na idade...). Para os dois, era o começo de uma aventura. E de repente chegou a sida. Eu trabalhava na Victoria"s Secret, uma firma de lingerie feminina; era secretário. Trabalhavam lá umas 60 pessoas e diria que uns dez ou 12 eram gay. Harvey Milk disse que, quando as pessoas começassem a sair do armário, todos íamos perceber que o carteiro era gay, que a empregada de mesa no nosso restaurante favorito é lésbica, que o professor de Matemática que o nosso menino adora é homossexual. São Francisco era o primeiro sítio no mundo, pelo menos nos Estados Unidos, em que isso já estava a acontecer.

A orientação sexual não era um assunto?

A.Q. - Deixou de ser assunto.

R.Z. - Na minha empresa, todos os homossexuais eram gente assumida, não havia qualquer problema. Foi por isso que foi de Nova Iorque para São Francisco? Não é um americano do Middle West, dos estados conservadores.

R.Z. - Mesmo em Nova Iorque, mesmo dentro de uma família de gente formada... O meu pai tinha uma licenciatura em advocacia, a minha mãe era bioquímica, mas os preconceitos contra os homossexuais eram violentos. Quando suspeitei de que era homossexual, entrei em pânico. Sabia que contar aos meus pais, aos meus amigos, ia provocar problemas. Os meus pais não eram racistas, a minha mãe era feminista; o último preconceito a perder era a homossexualidade.

A.Q. - Muito diferente da minha família.

Como é que foi consigo?

A.Q. - Os meus pais não eram nada preconceituosos. Não disse que era gay, não existia essa expressão quando tinha 16 anos. Disse aos meu pais que estava apaixonado por um homem e que não percebia. Não havia role models [exemplos] para isso. O meu pai disse-me que não era uma coisa que ele percebesse, mas que se isso me preocupava podia arranjar uma pessoa com quem eu pudesse falar. E fui falar com um psiquiatra, duas vezes.

Só para situar: isso passa-se em Moçambique, há 50 anos, e o seu pai é um prestigiado biólogo.

A.Q. - Na primeira vez em que estive com esse homem extraordinário, dei-lhe a ler um diário meu. Estava convencido de que era uma obra-prima da literatura [riso]. Na sessão seguinte, entregou-mo e disse: "Você está apaixonado. Isso é uma sensação maravilhosa. Devia estar satisfeito por estar apaixonado." Eu não tinha a certeza se era mesmo gay ou se era bi. A minha mãe, a única coisa que me disse foi: "Quero é que sejas feliz."

Onde é que radica a abertura que manifestaram?

A.Q. - Da minha mãe é muito claro. Era alemã e cresceu em Berlim nos anos 20 (era o sítio mais civilizado do mundo). Teve relações muito fortes tanto com homens como com mulheres. O meu pai, apesar de nunca ter tido esse tipo de sensação, não achou que fosse uma coisa preocupante. Isto libertou-me imenso. Mesmo na África do Sul (para onde fui fazer a faculdade), já não tinha necessidade de fingir que não era aquilo que era. Quando me aproximava das pessoas emocionalmente, quer fossem mulheres, quer fossem homens, era de uma forma aberta. E num sítio racista, ainda por cima.

Olhando retrospectivamente, acha que se apaixonava de facto por homens e por mulheres ou estava a tentar perceber se era mesmo homossexual?

A.Q. - Se calhar, as duas coisas. Com 20 anos, sabemos muito pouco. Quando temos uma grande atracção por uma pessoa, quando a atracção e a admiração, e a paixão, se tornam muito intensas, duvido de que não haja uma parte física, seja qual for a pessoa. Esta coisa de nos definirmos como hetero ou homo... não me defino dessa maneira. Defino-me como uma pessoa que gosta de literatura, que gosta de música, de ciência. Deixou de ser um label [rótulo].

O Richard acompanhou os anos finais da vida do irmão, que foram duríssimos. O irmão tinha uma relação muito má com os pais. O Richard tinha de ir a Nova Iorque quase todos os meses para falar com os médicos, com os padres (o irmão converteu-se ao catolicismo), com os amigos. Quando voltava, voltava emocionalmente exausto. Eu só tive essa sensação, menos forte mas muito poderosa, porque dois dos investigadores que tinha contratado para o Centro de Estudos Ambientais em Berkeley, na mesma semana, uma rapariga australiana e um jovem de Boston, vieram ao meu gabinete dizer-me que estavam infectados com HIV. Cheguei a casa e desatei a chorar. Como ele [o Richard] fazia quando vinha de Nova Iorque. Começámos a pensar que precisávamos de ir para um sítio onde aquele deixasse de ser o tópico de todas as conversas.

Aí, já não era o medo de que a doença vos tocasse directamente.

A.Q. - Não, de maneira nenhuma.

R.Z. - Eu estava preocupado com isso. Não era claro quantos anos, ou meses, a infecção levava a mostrar-se. Estava muito perturbado. Ver um irmão com quem nos identificamos - porque crescemos no mesmo quarto - morrer, afectou-me muito psicologicamente. Comecei a lavar as mãos 100 vezes por dia. O meu irmão, um jovem de 34 anos, estava a morrer e não queria morrer. Os meus pais eram loucos. Durante esse período, e depois de ele falecer, comecei a pensar que ia morrer jovem, que não ia ter a possibilidade de escrever livros, de manter a minha relação com o Alexandre. E se eu infectasse o Alexandre? Ou vice-versa. Infectar uma pessoa com quem se tem uma união deve provocar uma sensação de culpa abominável.

O Alexandre contou um pouco da descoberta e assunção da sua homossexualidade. O Richard aflorou o assunto. Pode contar mais detalhadamente como viveu esse período?

R.Z. - Há homossexuais que sabem muito cedo; eu não sabia. Há certas características que as pessoas, nos anos 60, 70, associaram a homossexuais. Por exemplo, que não são grandes desportistas. Hoje em dia sabemos que isso não tem qualquer validade, que há homossexuais muito machões e outros muito efeminados. Eu pensava: "Não tenho estas características dos homossexuais. Gosto de desporto, gosto dos Beatles, gosto dos Rolling Stones. Como é que posso ser homossexual?"

A.Q. - Gostas de desporto e és muito bom em desporto. Isso não ligava com a ideia do homossexual efeminado.

Nessa altura trabalhava-se com gavetas, as pessoas encaixavam aqui ou acolá.

A.Q. - Exactamente. Deixar de estar nos sítios onde há essas gavetas é fundamental.

R.Z. - Pensava: "Não sou normal. As minhas fantasias não envolvem a Sophia Loren ou a Gina Lollobrigida. Talvez seja homossexual. Isso vai criar tantos problemas para mim..." Ainda por cima, não encaixava na comunidade homossexual. "Não quero falar da Judy Garland!" Nessa altura, li um artigo no New York Times sobre o Harvey Milk e sobre a comunidade gay de São Francisco; dizia que havia homossexuais cowboys, homossexuais desportistas... "Se há um sítio nos Estados Unidos onde posso experimentar sexualmente [quem sou], sem preconceitos, sem pressões, deve ser em São Francisco." Fui com uma mala, mil dólares, sem emprego, sem casa.

O seu irmão era homossexual?

R.Z. - Sim.

O facto de haver um outro homossexual na família tornou tudo mais pesado para si?

R.Z. - Terrível, muito mais pesado.

A.Q. - Ainda por cima porque o irmão dele tinha muitas daquelas características da gaveta.

R.Z. - E não queria ser homossexual. Os outros miúdos faziam troça dele em criança. Vivia revoltado. Eu não. Depois da fase em que entrei em pânico, estava totalmente OK. Quando conheci o Alexandre, fiquei logo apaixonado. Quis contar aos meus pais. "Devo contar, porque isto é uma relação, espero eu, que vai durar." Falei com a minha mãe, com quem tinha uma relação mais sólida, primeiro. Sempre brinco que devia ter dito: "Estou apaixonado, mas ele não é judeu" [riso]. Mas isso para ela não seria importante. Disse: "Estou apaixonado, mas é um homem, não é uma mulher." Antes da resposta, continuei: "Não estou com problemas, não quero que te sintas culpada. Para mim é um enorme prazer, é a realização da minha vida." E ela desatou a chorar.

Chorou de tristeza, desapontamento, incompreensão?

R.Z. - A explicação, mais tarde, é que o meu irmão, durante anos e anos, culpabilizava os meus pais. Pensou: "Vamos ter de passar por isto outra vez." Também estava preocupada por mim. Ser homossexual significava que nunca ia ter uma relação duradoura, que as outras pessoas fariam troça de mim. Depois foi à cozinha, o meu pai estava lá sentado e ela sussurrou-lhe do que se tratava a nossa conversa. Ele respondeu: "Ah, é maricas, também." Em inglês: "He is a faggot." É uma palavra muito forte, muito feia. Ouvi um barulho, uma pancada seca. O meu pai tinha desmaiado. Nunca suspeitara que eu fosse gay.

A.Q. - O Richard jogava basebol.

R.Z. - Como é que um atleta pode ser homossexual? A minha mãe ficou um bocado histérica. Era uma cena de uma ópera cómica, ou dramática, italiana, não sei. Hoje rio-me muito.

A.Q. - O que é curioso é que a minha experiência tenha sido, não direi diametralmente oposta, mas muito diferente.

R.Z. - Mas os teus pais não eram provincianos como os meus. Os teus pais viviam no mundo real, os meus não.

Era provincianismo ou era a religião?

R.Z. - Não era a religião. A minha mãe celebrava as festas judaicas, mas era só tradição.

A.Q. - O Richard nem fez o Bar Mitzvah... Nenhum dos nossos pais, com a excepção da minha mãe, que era protestante, e que ia uma vez por ano à igreja, tinha algo a ver com religião. Não fui baptizado.

R.Z. - O meu pai era comunista, pensava que a religião era o ópio do povo, tal como o Marx disse.

A.Q. - Eu ia contar uma coisa importante. O que me surpreendeu não foi ser atraído fisicamente por homens e por mulheres; foi apaixonar-me por uma pessoa, o que é diferente. Tenho alguma pena das pessoas que fazem uma separação entre o emocional e o sexual. (Agora faço essa separação, porque somos essencialmente monogâmicos, não queremos ter outras relações.) É uma pena ver duas pessoas que estão muito atraídas uma pela outra espiritualmente e que têm medo de se tocar para além da festa.

Não se tocam por causa das convenções sociais?

A.Q. - Pois. As mulheres e os homens heterossexuais arranjam gavetas nas quais não ousam entrar. Muitos deles têm medo de ir explorar isso. Até me apaixonar pelo Richard, os homens e as mulheres por quem me apaixonei eram todos heterossexuais. Com todos eles foi possível chegar a um contacto físico e sexual. Claro que com os homens demorou mais tempo; quando uma pessoa se identifica como heterossexual, tem uma grande dificuldade em tocar intimamente outra pessoa [do mesmo sexo].

Freud dizia que potencialmente somos todos bissexuais.

A.Q. - Não sei se somos.

R.Z. - Há pessoas que são totalmente heterossexuais - uma minoria - e há pessoas totalmente homossexuais - outra minoria. São poucas as que são 50/50. Sou 90% homossexual. Já tive relações, mas não seria possível manter uma relação duradoura com uma mulher.

A.Q. - É muito forte em mim esta repulsa pelas camisolas. Pertencer ao Futebol Clube do Porto ou ser do Benfica, ser católico ou ser protestante. Ou ser de Joanesburgo, sul-africano, moçambicano. O que é que eu sou? Tenho uma mãe alemã, um pai açoriano, nasci em Moçambique, vivi na África do Sul muito anos, estive na Califórnia, estou em Portugal, tenho nacionalidade portuguesa e americana. Não me faz confusão nenhuma não saber identificar-me.

A maior parte das pessoas precisa do conforto de saber onde pertence.

A.Q. - Não sei se precisam. Acho que estão doutrinadas para achar que precisam. Vivemos muito em relação à opinião dos outros - como é que nos identificam, onde é que nos põem, como é que nos consideram? Estes muitos anos de vida foram uma caminhada a libertar-me disso.

Se perguntasse a cada um dos dois se lhes passou pela cabeça esconder...

A.Q. - Quando era miúdo, sim. Mas felizmente, a partir dos 20 e poucos anos, não só não escondia, como não tinha orgulho nem vergonha.

Há muitas pessoas que fazem uma vida toda, e quantas casam e constituem família, escondendo a sua verdadeira orientação sexual.

A.Q. - Não quero ser judgmental, não quero ajuizar se as outras pessoas fazem bem ou mal. Ter de passar o tempo todo a fingir que se é o que não se é deve ser doloroso, e não deve servir para nos realizarmos.

R.Z. - Sei que as pessoas têm um contexto de vida e que é difícil, às vezes; mas viver uma vida não autêntica, sob uma máscara, é uma pena.

Há uma questão subsidiária desta, mas que leva pessoas a esconderem-se: o "senso comum" critica em alguns homossexuais o gay pride, a exibição. Por que é que acham que isso ofende tanto?

A.Q. - Não consigo falar pelas outras pessoas, mas conto uma lição de vida muito grande por que passei. Cheguei a São Francisco em Novembro e passei o primeiro Natal sem amigos, com a família nos antípodas da Terra. Estava muito só e sem saber se tinha feito a decisão certa, de me afastar de todo o meu passado. Fui para um café, e a certa altura aproximou-se um queer, um travesti bastante exibicionista. Um indivíduo que era homem, que estava vestido de mulher, todo cheio de pinturas. Senti-me muito incomodado, OK? Ele perguntou se podia sentar-se à mesa, e eu tive uma reacção muito fria, do género...

"Não quero ser visto com ele?"

A.Q. - Um pouco. Ele foi muito educado. Estivemos para aí quatro horas a conversar. Referi-me a mim mesmo como uma espécie de atrasado mental: "Eu que tenho a mania que sou aberto, como é que posso ter tido esta reacção? Esta pessoa, a única coisa que queria era companhia, como eu."

R.Z. - Todos os dias vejo jovens a beijarem-se em frente a toda a gente; isso também é exibicionismo? Se um casal homossexual fizesse isso, toda a gente ficava horrorizada, mas acontece todos os dias em Lisboa e no Porto e ninguém diz nada. Há um duplostandard. Sou gay, sou judeu, sou americano em Portugal. Há a tendência por parte de pessoas liberais, não-progressistas, de dizer: "Não gosto nada dos judeus, mas gosto de si." Ou: "Não gosto nada de homossexuais, mas tu és fixe." Nessas circunstâncias sou o mais judeu, o mais americano e o mais homossexual possível. Não quero ser aceitável. Quem sou eu para julgar aquele homossexual efeminado ou aquele judeu religioso, ou aquele americano que só come hambúrgueres e pizza?

Já tinha estado em público com os dois e nunca vos tinha visto de mão dada. Isso foi uma coisa sobre a qual falaram, que decidiram fazer ou não em função do sítio onde estão?

R.Z. - Andávamos de mão dada em São Francisco, mas não muito. Eu sou mais afectuoso, sou mais táctil. Sou mais como a mãe do Alexandre; éramos iguais.

A.Q. - Andamos muitas vezes de braço dado na rua, quando andamos a passear. As pessoas aqui no bairro todas nos vêem.

R.Z. - Quando chegámos, era muito mais difícil para ele do que para mim.

O Richard era estrangeiro, o Alexandre era português.

R.Z. - Eu dava aulas na Escola Superior de Jornalismo, mas ele era um professor catedrático, ia começar um novo instituto, ia ter de pedir dinheiro de Lisboa [para os projectos científicos do instituto].

A.Q. - Uma vez, na Festa da Árvore no Jardim Botânico, o Richard foi convidado para estar no júri, para apreciar trabalhos feitos por miúdos de escolas. Quando cheguei, fui ter com ele e dei-lhe um beijo na cara. Várias pessoas foram dizer a outras pessoas para me dizerem que tinha de ter cuidado. Até fiquei espantado. Há tantos homens em Portugal que se beijam. Os amigos antigos abraçam-se e dão beijos, os pais e os filhos dão beijos. Não havia ninguém no Porto, desde o reitor até ao ministro, [que não soubesse que são um casal]. Quando veio cá o [Bill] Clinton, o Jorge Sampaio convidou-nos aos dois como casal.

Passaram 22 anos desde a vossa vinda. O país mudou muito. Isto faz-nos voltar ao ponto de partida da entrevista, à decisão de se mudarem para cá. O modo como seriam aceites, enquanto casal, foi uma coisa que também ponderaram?

A.Q. - Perguntei a duas pessoas. Uma pessoa no topo da ordem social, nosso amigo. A resposta que me deu foi: "Não." Era uma pessoa de esquerda, não sei se isso afectou. Depois perguntei a uma empregada doméstica que nos conhecia bem.

Perguntar a uma empregada doméstica era uma forma de ter a reacção do português comum?

A.Q. - Sim, de uma pessoa que anda de autocarro. A resposta dela foi fabulosa: "Olhe, professor, temos tanto trabalho que essas coisas não fazem parte das nossas preocupações." Achei aquilo uma lição ("Você acha que é assim tão importante, que alguém vai ligar alguma coisa?"). As pessoas podem fazer alguns comentários, mas também têm dificuldade em ser agressivos directamente. Nunca senti agressividade nenhuma em Portugal, nunca.

É também por ser o professor catedrático, por ser alguém que vem de fora?

A.Q. - Talvez.

R.Z. - Fiz 34 sessões de escolas no ano passado, falando da minha escrita, de ser judeu, de muita coisa. Eles sabem...

A.Q. - Às vezes convidam-nos juntos, eu vou falar de Ciência, ele de Literatura.

R.Z. - Há dois meses, uma professora disse-me: "Estou preocupada porque o Richard não falou do Alexandre Quintanilha. Pode falar de qualquer assunto, não temos preconceitos." Eu disse: "Não falei do Alexandre porque ninguém perguntou nada sobre isso, mas agradeço na mesma."

Vamos voltar ao começo da vossa história, em 1978. É sempre uma coisa mágica, no meio de milhões de pessoas, encontrar "a pessoa". Pela maneira como falam um do outro, parece que perceberam imediatamente que era "a pessoa".

R.Z. - Eu percebi imediatamente. Ele levou dois ou três dias. Pensava, talvez, que eu fosse drogado [riso].

Como é que se conheceram?

A.Q. - Num café.

R.Z. - Num café maravilhoso.

A.Q. - Num café maravilhoso em São Francisco, que se chama Café Flore, como o de Paris. Ia lá ao domingo de manhã tomar um café e comer um muffin. Estava a conversar, estava a falar de Proust - pretensioso e intelectual! - e ele apareceu com mais duas pessoas. De repente os nossos olhos cruzaram-se. Achei-o lindíssimo, porque era e porque é. Eu estava a falar e a pessoa com quem eu estava levantou-se para ir buscar um café; ele veio ter comigo e começou a conversar. "Por que é que não vamos?" E eu disse: "Deixa-me pelo menos acabar a conversa." Acabei a conversa e fomos. Estivemos uns três dias juntos, sem parar.

R.Z. - Fomos ao meu apartamento, que eu partilhava com duas pessoas. No meu quarto não havia móveis. Dormia em cima de um colchão de sumaúma que tinha comprado por cinco dólares. Estava limpo, tinha lençóis, mas eu não tinha dinheiro nenhum.

A.Q. - A parte mais importante do corpo de uma pessoa é a cara.

Porque a cara diz quem é a pessoa? O que é que vê na cara?

A.Q. - Os olhos, a expressão. Ele tem uns olhos muito expressivos, tem uma boca muito grande, com um sorriso enorme que lhe enche a cara. Tem este nariz maravilhoso, enorme. (A primeira mulher por quem me apaixonei era filha de um casal português/alemão; tinha uns olhos lindíssimos, um nariz muito grande e uma voz quente. Tinha 35 anos e eu tinha 12 anos.)

O que é que um nariz assim pronunciado representa para si?

A.Q. - Deve significar personalidade, ter as coisas muito vincadas.

O Richard gosta do seu nariz? Ou gosta mais agora porque o Alexandre gosta?

R.Z. - Como qualquer adolescente, faltava-me a confiança de achar que era bonito. Quase todos os adolescentes passam por essa fase. Teria gostado de ter a cara do Tyrone Power ou do Randolph Scott [actores americanos] e não tinha. Levou-me alguns anos a habituar-me à minha cara. Nisso a minha mãe foi muito importante, disse-me sempre: "És o rapaz mais lindo do mundo." Depois conheci o Alexandre e ele gostava de mim. Hoje, com 56 anos, estou completamente à vontade dentro do meu corpo.

A.Q. - Eu nunca estive à vontade dentro do meu corpo. Nunca achei que era atraente. Sabia que era relativamente inteligente, que tinha capacidade de sedução. Sei falar, conheço muitas línguas, tenho charme, quando quero, mas nunca me senti fisicamente atraente. Foram estes 34 anos de vida com ele que me fizeram sentir mais à vontade no meu corpo. Foi uma aprendizagem. Tinha uns mitos, [queria ser como] o Paul Newman.

O Alexandre era muito bonito quando tinha 30 anos?

R.Z. - Era e é, e vai continuar a ser. Era diferente de 99,9% dos homens. Essa coisa de ser bonito não é só uma questão física. É a maneira de ele andar, a maneira de olhar, de falar. É óbvio que tem qualquer coisa de bonito dentro dele. Irradia isso na sua cara, principalmente, mas também no corpo. Já vi homens fisicamente bonitos mas que me metem medo; olho para os seus olhos e não há nada. Era incapaz, mas mesmo incapaz, de dormir com uma pessoa assim, mesmo que fosse a pessoa mais bonita do mundo.

Perceberam imediatamente que era "a pessoa". Isso contrariava desde logo duas gavetas em relação à homossexualidade: a da promiscuidade e a de as relações serem curtas.

R.Z. - Quando uma pessoa se apaixona por outra, o primeiro ano e meio, ou dois anos, é de uma energia sexual e espiritual formidável. Vive-se numa espécie de euforia corporal e sexual. Pensava que gostaria de construir uma vida com este homem.

A.Q. - Levei mais tempo a perceber que tínhamos de tomar decisões em conjunto. Quando viemos para Portugal, não foi nada fácil. Eu nunca tinha vivido em Portugal (tinha cá vindo algumas vezes passar férias), ele muito menos. Quando nos mudámos, entrávamos num restaurante e o esterco no chão era uma coisa inacreditável. Nas casas de banho, tínhamos medo de tocar nas maçanetas das portas. Combinámos que vínhamos por um período de dois anos, e depois decidíamos se conseguíamos ficar. O choque cultural foi enormíssimo, para ele e para mim.

A relação podia ter acabado antes da vinda para Portugal, ou não equacionaram vir um sem o outro?

R.Z. - Isso era impensável. Tínhamos uma união muito forte.

A.Q. - E se ele não tivesse conseguido ficar cá, eu também não ficava. Era muito claro.

R.Z. - Passámos por fases difíceis na nossa relação, mas mais no princípio. Porque o pessoal é jovem, não sabe o que quer. São difíceis os primeiros anos de qualquer relação com pessoas muito jovens, que ainda estão a descobrir a sua identidade.

Tiveram aquelas discussões em que parece que não há amanhã? Que não sobrevivem juntos até ao dia seguinte, tal a erosão.

R.Z. - Nunca tivemos isso.

A.Q. - Nunca foi a esse ponto.

R.Z. - Houve alturas em que disse: "Não compreendo este homem! Não compreendo como ele raciocina, a sua maneira de ser." Eu perguntava: "O que é que estás a dizer, por que é que estás a dizer isso, qual é a tua intenção?", e ele respondia: "Não vou falar disso, estás a tentar mudar a minha maneira de ser, recuso entrar nessa conversa."

As pessoas não querem mudar?

A.Q. - Não querem ser forçadas a analisar-se, a explicar qualquer coisa. Temos muito a mania de que a outra pessoa está a interferir na nossa identidade. Vê-se isso muito na maioria dos casais heterossexuais que conheço. Não falam. O diálogo entre as pessoas é muito pobre. A minha ideia era: "Não sei muito bem porque é que sou assim, mas também não quero saber, estou-me nas tintas." 
That"s the way I am, take it or leave it. [Sou como sou, é pegar ou largar.]

R.Z. - Ele era muito dedicado ao trabalho. Tinha 33 anos, queria afirmar-se como cientista num sítio muito competitivo. Tinha de trabalhar dez horas por dia durante seis ou sete dias por semana para conseguir o que queria. Eu podia ter compreendido tudo isso, mas ele recusou explicar.

Porquê essa competitividade e desejo de vencer?

A.Q. - Saí de Moçambique para a África do Sul, uma cultura nova, e tive de sobreviver. Depois saí dali e fui para outra cultura completamente nova.

Sobreviver num sentido amplo, não num sentido económico.

A.Q. - Em Joanesburgo os meus pais ainda me ajudaram, mas a partir do 4.º ano da faculdade, antes de começar o doutoramento, já não tinham possibilidade. Não podia sair dinheiro de Moçambique, era a Guerra Colonial. Tive de arranjar um lugar como assistente de laboratório em Joanesburgo para me sustentar. E, quando fui para Berkeley, levei dois mil dólares para sobreviver uns meses até arranjar trabalho. Estava muito preocupado com esta questão da sobrevivência física, económica, intelectual e científica.

Insisto na longevidade da vossa relação, depois da turbulência dos primeiros anos. O mais difícil numa relação, independentemente da orientação sexual dos cônjuges, é estarem tanto tempo juntos e bem. Por isso as pessoas perguntam: "Qual é o segredo?"

R.Z. - Temos um bocadinho de sorte, e foi um bocadinho de trabalho. Em qualquer relação que é um verdadeiro casamento (e há casamentos que não são casamentos, são duas pessoas a viver juntas), existe a pessoa A, a pessoa B e o casamento. Há três seres vivos numa relação e tem de se ter muito cuidado com o terceiro ser vivo: o próprio casamento. Tem de se valorizar, polir, prestar atenção, senão a relação vai acabar. Os dois estamos muito conscientes disso. Apaixonarmo-nos por uma pessoa é muito fácil (com algumas pessoas que conheço, acontece de duas em duas semanas). Mas é preciso aprender a respeitar o outro. Para o Alexandre, era mais natural, tinha dois pais muito respeitosos. Eu não tinha isso. Os meus pais diziam coisas um ao outro que eu não diria ao inimigo mais feio do mundo, coisas reles. Apaixonar-me por ele era superfácil, mas respeitar a sua opinião, a sua maneira de ser, as coisas que ele dizia e com as quais não concordava, as coisas que ele fez e que não compreendi, levou-me anos.

A.Q. - Não acredito que haja relações duradouras se cada uma das pessoas não tem a sua própria vida construída. Quando o Richard está a escrever (já sei, porque escreveu vários livros), está de tal maneira obcecado com a escrita que eu sou uma espécie de audiência. E quando estou muito ocupado e ando muito cansado, ele sabe que estou a fazer qualquer coisa que para mim é importante. Nessas alturas, temos muito respeito para não exigir mais do outro. Isto aprende-se. Quando a pessoa começa a sentir uma verdadeira realização pessoal com a realização do outro, quando deixa de haver aquela necessidade egocêntrica - "preciso que me dês mais atenção porque estou inseguro" -, isso é que é uma relação conseguida.

É natural que tenha havido, sobretudo nos primeiros anos, estatutos desiguais. Nem que seja porque existe uma diferença de onze anos entre os dois. O que é que o Richard fazia nos Estados Unidos? A sua formação é Religiões Comparadas.

R.Z. - Mudei para São Francisco e fiz muita coisa. Era um busboy, limpava as mesas num restaurante e era estafeta. Depois comecei a trabalhar como secretário. Aos 26 anos, voltei para a escola, para tirar um mestrado em Jornalismo na Stanford. Mas é verdade, tínhamos patamares diferentes. Eu trabalhava como empregado de mesa e ele não olhava para mim como uma pessoa de menor importância.

Era também esse tempo e esse país. Em Portugal, a estratificação social era (e é ainda) mais vincada. Não imagino que um professor da Universidade do Porto vivesse com uma mulher que serve à mesa.

A.Q. - Pois.

R.Z. - Mas ele era de Moçambique, com um pai açoriano e uma mãe alemã, muito influenciado pela África do Sul e pelos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, não se avalia uma pessoa pelo seu trabalho. Um carpinteiro maravilhoso pode ler Proust e Stendhal. Não temos essa ligação directa entre o que uma pessoa faz e a sua capacidade intelectual ou espiritual, ou a sua sensibilidade. Eu não podia ter mantido uma relação com uma pessoa que pensava menos de mim por ser empregado de mesa.

Foi em Portugal que começou a sua carreira de escritor. No fundo, foi uma outra vida que começou aqui também.

R.Z. - Já tinha escrito muito jornalismo, e tinha escrito 20 e tal contos, e publicado uma dúzia deles em revistas americanas. Chego a Portugal com a ideia para O Último Cabalista de Lisboa. Em Berkeley fui com o cartão do Alexandre à biblioteca tirar livros sobre Portugal, Espanha, século XVI, casas, filosofias, roupa. Continuei a pesquisar aqui e a mergulhar-me na história portuguesa e no meu romance. Em parte, era a minha maneira, indirecta, de me adaptar a Portugal, e de valorizar Portugal, a história portuguesa.

Como é que foi a sua inserção? Quais foram as grandes dificuldades?

R.Z. - Cheguei aqui desorientado. O meu irmão tinha morrido em Maio de 1989, o meu pai faleceu em Junho de 1990. Na América, temos outra maneira de lidar com a amizade. Somos mais informais, falamos de tudo, logo. Um americano, cinco minutos depois de a conhecer, já está a falar do divórcio e do herpes. Mas o português, em 1990, era ao contrário. Falava de filosofia, de arte, do tempo, de tudo menos da vida pessoal. Eu não consigo estabelecer uma relação duradoura e profunda de amizade sem ter a possibilidade de falar da minha vida íntima, medos, dúvidas, problemas.

Sem falar sobre aquilo que verdadeiramente lhe interessava.

A.Q. - Os portugueses chegam a fazer isso, às vezes, depois de uma relação duradoura. Mas Portugal nos últimos anos mudou de uma forma extraordinária, e acompanhar isso foi muito interessante. (Uma das coisas que mais me impressionaram foi o empowerment das mulheres. O 25 de Abril teve um impacto muito maior nas mulheres do que teve nos homens. Elas estavam mais reprimidas. E ver a mudança dramática que houve no investimento na ciência, na educação, que afectava jovens que estavam ao pé de nós - ele também esteve uns anos a ensinar -, foi muito excitante.)

Estiveram para regressar aos Estados Unidos em algum momento?

A.Q. - Estivemos. O director da divisão onde trabalhava veio cá várias vezes e de cada vez perguntava-me se não queria voltar. Estávamos neste choque cultural e a tentação de voltar era enorme.

R.Z. - Ele chegou com grandes projectos. Um deles era criar o que viria a ser o Instituto de Biologia Molecular. Além de todos os problemas [decorrentes] de criar um centro de investigação com centenas de cientistas, havia pessoas que queriam que falhasse. Portugal é um país muito pequeno, com muitas rivalidades, muita mesquinhez. Desculpe dizer, mas todos sabemos isso.

Já pode dizer porque já é português. Nós, portugueses, não gostamos que os de fora digam mal de nós, mas dizemos o pior possível de nós mesmos.

R.Z. - Estas coisas também existem no Estados Unidos. Mas lá, como é um país muitíssimo maior, é possível fazer uma outra vida num outro lugar.

A.Q. - Eu não sabia como é que funcionavam as coisas. Recusava-me a fazer telefonemas a pedir favores. Em Portugal, as coisas eram assim. Não quero que fique com a ideia de que as rivalidades foram muito grandes. Havia uma ou outra pessoa que não gostava de mim. Também tive muita ajuda, muita gente que achou que este projecto valia a pena, que deu muito apoio. Tive apoio de Lisboa para desenvolver um novo instituto, e depois para fundir este com outro, o Instituto de Engenharia Biomédica, para construir um laboratório novo.

Ao longo destes anos, pensaram em casar?

R.Z. - Estamos casados há dois anos e um mês. Antes não era possível.

Nos Estados Unidos também não era possível?

A.Q. - Passou a ser possível nos últimos dez, 15 anos [em alguns estados]. Demos passos pequeninos. Há 30 anos que temos testamentos, que fizemos nos Estados Unidos, dizendo que tudo o que é meu é dele e que tudo o que é dele é para mim, se algum de nós falecer.

R.Z. - Quando a sida começou, o cônjuge do doente não podia visitá-lo porque não estavam casados. Não tinha direito porque não fazia parte da família. Queríamos evitar isso e tomámos medidas.

A.Q. - Outra coisa que também fizemos muito cedo foi o testamento vital, que já existia lá, a exigir que o médico não tomasse medidas suplementares para manter a pessoa viva. O casamento, para mim, nunca teve um significado muito grande, nem simbólico nem pessoal. Tem um significado muito grande, sim, em termos de direitos e deveres das duas pessoas. Mas quando casámos, como eu tinha mais de 60 anos, o casamento teve de ser com separação de bens. Casámos com separação de bens e temos um testamento escrito num notário português.

R.Z. - Está tudo nos dois nomes, as casas, o dinheiro, para ser mais seguro.

Como foi o casamento?

A.Q. - Convidámos um número muito pequeno de pessoas, que são muito íntimas. Ficaram muito emocionadas, foi o primeiro casamento gay em que estiveram. E o notário trouxe-nos um presente de casamento, um disco de música sefardita galega. Uma coisa lindíssima.

R.Z. - Ele tinha pesquisado os dois na Internet e sabia que eu tinha escrito sobre assuntos judeus.

A.Q. - Quando nos mandou o certificado, mandou uma carta em que nos agradecia por lhe termos dado a oportunidade de realizar esta cerimónia pela primeira vez na vida. Fiquei muito comovido. Às vezes fico surpreendido. Entro num avião e vem uma hospedeira dizer-me que tenho de dizer ao Richard que ela gostou imenso do último livro dele. Há aqui uma espécie de - não sei como é que se diz em português... - conluio: as pessoas acham que isto é especial.

Também sente isso?

R.Z. - Posso estar nos sítios mais pequenos de Portugal, aldeias pequenas, e as pessoas vêm ter comigo, agradecem os livros e mandam beijinhos para o Alexandre. É uma grande boa vontade por parte de muita gente.

A.Q. - Não estou nada convencido de que os preconceitos desapareceram. Mas já começa a haver, em muitos casos, uma certa vergonha dos preconceitos.

Por que é que para si foi importante casar?

R.Z. - Simbolismo. Ainda há sítios no mundo em que ser homossexual pode ser punido com sentença de morte, com penas de dez anos, ou mais, de prisão. Para mim, como escritor, como ser humano, o facto de ser um crime exprimir o que é melhor dentro de nós, a afeição, a paixão, a solidariedade e a amizade, é inconcebivelmente injusto. É muito importante reivindicarmos os nossos direitos no Ocidente, para que um jovem que tenha acesso à Internet no Burkina Faso, na Nigéria ou na Birmânia, possa ir ao site do PÚBLICO em Portugal [e ler esta entrevista].

É também por isso que dão a entrevista?

R.Z. - Claro que sim. Vivi num mundo em que não era possível as pessoas das pequenas aldeias dos Estados Unidos assumirem-se. E em Portugal talvez ainda não seja possível em aldeias do interior. Falo disto para que aquela jovem lésbica de Castelo Branco, ou o jovem transexual de Fafe possam olhar para mim e para o Alexandre e descobrir: "Não tenho de mudar para ser aceite. Posso ser como sou. Tenho os mesmos direitos dos outros. Não há cidadãos de segunda em Portugal."

A.Q. - Pensei muito sobre se devia dar esta entrevista ou não, porque não tenho de explicar rigorosamente nada. As pessoas são aquilo que fazem e aquilo que são, e não aquilo que dizem. Há uma pequenina coisa que é muito importante: a questão dos role models. A grande diferença entre um casal heterossexual e homossexual, para já - no futuro não vai ser assim - é que os casais heterossexuais têm filhos, têm netos. No nosso caso, como não temos filhos (já pensámos adoptar, volta e meia, mas não foi uma coisa muito premente), essas relações têm de ser substituídas por outras. Temos de inventar outras partes da nossa relação que sejam alternativas a essas. Temos de nos reinventar e dar a noção a outros gays de que isso é possível, realizável. É preciso que o mundo à nossa volta perceba que não me acho especial, positiva ou negativamente, por ser assim. Tive muita sorte em encontrar uma pessoa como o Richard, tive muita sorte em ter os pais que tive, em viver nos sítios onde vivi, apesar de às vezes me sentir muito só e de ter momentos muito difíceis de afirmação pessoal. Isso também é uma história que vale a pena divulgar. Numa sociedade que está cada vez mais competitiva, é importante as pessoas falarem daquilo que não é competição selvagem. É a partilha, é sentirmos - isto parece uma treta... - que o mundo, se tivermos boa vontade e se funcionarmos de boa-fé, vale a pena.

Que vida fazem na vossa casa de fim-de-semana, em Cristelo?

A.Q. - Muito desse tempo passamos no jardim, a cavar, a cortar, a plantar. Vamos para o jardim (é grande, estamos em sítios diferentes), encontramo-nos à hora do almoço, estamos juntos, depois vamos outra vez para o jardim.

R.Z. - Tenho uma vantagem: trabalho em casa e só faço o que quero. Aos 56 anos consegui isso. Cada vez mais recuso sessões, promoções, porque estou muito bem comigo, estou muito bem com o Alexandre, estou muito bem em casa. Adoro escrever, adoro fazer jardinagem. Por que é que vou interromper isso?

A.Q. - Há quatro anos, decidimos que todos os anos passamos cinco semanas a viajar nas montanhas dos Estados Unidos.

É quando encarna o personagem Clem?

R.Z. - Alexandre não é um nome [que vá bem com aquela paisagem]. Chamo-lhe Clem, como Clemente, e falo com sotaque do west. [riso]

A.Q. - Very entertaining. [riso] Não levamos telemóveis nem computadores. Estou a descobrir uma América que não conhecia. Tinha aquele snobismo de que em África era tudo mais bonito, mais selvagem, e que ir para o meio dos Estados Unidos só para ver campos de trigo e de milho não me interessava nada. As montanhas são lindíssimas.

Fazem as cinco semanas de seguida?

A.Q. - Não. Eu preciso de Nova Iorque, mais do que ele. Preciso de lá estar uns dez dias todos os anos. Fazemos cinco dias em Nova Iorque, depois vamos para um sítio qualquer. A última vez estivemos em Denver, alugámos um carro e fomos passear pelas montanhas. Ficamos em motéis. Parar o carro à porta do quarto é uma maravilha, lembra-me a África do Sul. As pessoas não são sofisticadas, mas são muito genuínas. Nunca falamos de sexualidade ou religião, mas falamos de tudo o resto, de arte, de música, de Portugal. Os americanos em geral são amigáveis e informais.

Isso também vos faz perceber que para essa América não poderiam voltar, nessa não poderiam viver.

R.Z. - Não sei.

A.Q. - Daqui a dois anos tenho 70 anos, tenho de me reformar. Uma das coisas que andamos a discutir é se vamos passar períodos de dois meses, duas vezes por ano, nos Estados Unidos. A mim falta-me... O Richard às vezes goza comigo porque tenho de ir aos supermercados onde ia.

R.Z. - É muito sentimental! Gosta de ir às lojas onde a minha mãe andava.

A.Q. - Vou aos supermercados onde íamos fazer compras. Às vezes, ela vinha connosco. Tenho um gosto enorme em ir aos supermercados, com o mesmo cheiro. Chegar lá assim ao género do Proust, que comia a madalena [e recuperava a sua infância]. A minha madalena são os supermercados! [riso].

R.Z. - É do género do Pingo Doce, muito pouco interessante.

É muito pouco Proust.

A.Q. - Mas cada um tem o Proust que merece!

Retomo a questão: seria possível viverem nessa América profunda e viverem aí abertamente a vossa homossexualidade?

R.Z. - Sim. O bairro em que vivia quando conheci o Alexandre, o Castro, é um bairro residencial, simpático. Quando estive lá no fim dos anos 70, a maioria das pessoas eram jovens que vinham de Tallahassee, da Florida, de Atlanta, de Denver, que iam para São Francisco encontrar a felicidade. Hoje, o Castro é um sítio de homens com mais de 55 anos.

A.Q. - São os que ficaram.

R.Z. - Os jovens que hoje em dia vivem em Tallahassee, em Albany, em Bufallo, em Cleveland, não têm de ir para Nova Iorque ou São Francisco. Podem permanecer na sua cidade e ter uma vida realizada, abertamente homossexual. Isso é uma mudança muito grande nos Estados Unidos.

É recente?

R.Z. - É dos últimos dez anos. Em parte, é um efeito da televisão, de programas como Will & Grace. Apesar de ser um país de religião fundamentalista, nas cidades, para pessoas entre os 18 e os 35 anos, ser homossexual é um não assunto, independentemente de se ser republicano ou democrata, conservador ou progressista.

A.Q. - As séries televisivas tiveram um impacto enorme sobre isso. Da mesma maneira que as séries brasileiras, quando chegaram a Portugal, tiveram um impacto enorme na forma de pensar.

R.Z. - Na Europa, ter um presidente da câmara de Paris ou de Berlim, abertamente homossexual, muda tudo. Agora há pessoas com cargos de respeito que são homossexuais e que têm uma vida como qualquer um. Ele não dá ordens gay para limpar as ruas, ele dá ordens como presidente da câmara. Quando escrevo um livro, não escrevo um livro homossexual, estou a escrever um romance. Estes rótulos vão deixar de existir. Estamos a lutar por isso.

A aprovação do casamento gay em Portugal foi um passo de gigante para que isto deixe de ser um assunto?

A.Q. - Sim. Ter sido aprovado e ter tido pouca contestação, o que é uma coisa muito interessante.

R.Z. - Toda aquela gente que previa o fim do mundo...

A.Q. - Só daqui a vários anos vamos perceber o impacto. Uma das razões pelas quais tive dúvidas sobre dar esta entrevista foi porque já quase deixou de ser um assunto em Portugal. Tinha medo que as pessoas pensassem que estava a fazer a apologia de qualquer coisa, ou que havia a necessidade de falar sobre um assunto.

R.Z. - É um risco. Não quero ser conhecido como um escritor gay, como também não quero ser conhecido como escritor judeu, ou escritor americano. Quero ser conhecido como um bom escritor. Decidi correr esse risco. Os benefícios para a tal jovem de Castelo Branco e para o jovem de Fafe são mais importantes. Há pessoas que estão a sofrer imenso no mundo simplesmente por amarem uma pessoa do mesmo sexo.

Falam inglês um com o outro e esta entrevista foi em português. Teria sido diferente se fosse em inglês?

A.Q. - Provavelmente. Usei muitas palavras inglesas. Como é que seria diferente? Não sei.

R.Z. - Talvez eu brincasse mais. O meu vocabulário é maior em inglês. As nuances da linguagem, consigo medi-las de uma forma diferente. Não me custa nada falar português. Gosto de ser português. Sou uma pessoa muito mais rica, muito mais confiante, mais capaz de escrever excelentes livros - espero eu - por ter esta experiência de viver há 22 anos em Portugal. E também por ter mantido uma relação de 34 anos com o Alexandre. Não sou a mesma pessoa que escreveu O Último Cabalista de Lisboa. Essa pessoa já não existe, felizmente. Uma pessoa que não evolui é um ser morto.

Querem dizer mais alguma coisa ou ficamos por aqui?

R.Z. - Estávamos a falar das razões pelas quais era possível manter uma relação durante tanto tempo e só queria acrescentar que o Alexandre é o meu melhor amigo. Não posso imaginar viver 34 anos com uma pessoa que não fosse o meu mais profundo e mais importante amigo. Adoro passar dias inteiros com ele. Preciso de passar muito tempo sozinho, mas posso passar esse tempo com ele. Eu sozinho ou eu com ele é a mesma coisa. Ele esteve doente, há cinco anos, com pneumonia, e teve de ficar em casa três meses. Estava deitado e eu, como Florence Nightingale, ou Dr. House, estava aqui todos os dias. Era como uma lua-de-mel. Passava 24 horas por dia com ele, e era espectacular. Não há nada que não lhe possa dizer, não sinto qualquer limitação.

A.Q. - Queria dizer duas coisas. A primeira é que votei no Obama muito antes de ele dizer que estava de acordo com o casamento homossexual. E voltei a votar este ano. Espero que ganhe. [A entrevista foi realizada antes das eleições.] Estou com muito receio. O Mitt Romney é muito mais perigoso do que dá a entender. Como é mais inteligente que o George W. Bush, é capaz de ser muito mais perigoso do que ele. A outra questão: estou muito preocupado com o crescimento da iniquidade em Portugal.

É um país muito mais iníquo, agora?

A.Q. - Sim. É das coisas mais graves que vi nestes últimos 20 anos. É criminoso que nestas propostas [do Orçamento do Estado] o aumento dos impostos dos mais ricos seja em percentagens mais baixas que o dos mais pobres. Os pais do Richard viveram o tempo do Roosevelt, que criou trabalho depois da Grande Depressão, o New Deal. Gostaria muito que houvesse um New Deal em Portugal. Os que têm mais deviam contribuir mais, os que têm menos deviam contribuir menos. São os dois grandes dilemas nesta altura, a iniquidade e os miúdos a sentir que não têm escolhas, que a única escolha é ir lá para fora. A consequência disso sobre a saúde mental dos portugueses vai ser muito séria. Já não tínhamos uma saúde mental muito boa [riso]."