quinta-feira, 5 de maio de 2011

Va pensiero

Aconteceu no mês passado e foi um momento inesquecível. Riccardo Muti acabara de reger o célebre coro dos escravos, Va pensiero, do terceiro acto de Nabucco, e o público do Teatro da Ópera de Roma, aplaudia incessantemente e bradava bis! (Cabe lembrar que, para além de sua intrínseca beleza, que é inexcedível,  VA PENSIERO foi também uma espécie de hino informal dos patriotas do Risorgimento – e daí o enorme apelo emocional que preservou entre os italianos.)  Que faz, então, Ricardo Mutti? Volta-se para a plateia e, depois de recordar o significado patriótico do Va pensiero, pede ao público presente que o cante agora, com a orquestra e o coro do teatro, como manifestação de protesto patriótico contra a ameaça de morte contida nos planeados cortes do orçamento da Cultura.
Vá, pensamento, sobre as asas douradas
Vá, e pousa sobre as encostas e as colinas
Onde os ares são tépidos e macios
Com a doce fragrância do solo natal!
Saúda as margens do Jordão
E as torres abatidas do Sião.
Oh, minha pátria tão bela e perdida!
Oh lembrança tão cara e fatal!
Harpa dourada de desígnios fatídicos,
Porque você chora a ausência da terra querida?
Reacende a memória no nosso peito,
Fale-nos do tempo que passou!
Lembra-nos o destino de Jerusalém.
Traga-nos um ar de lamentação triste,
Ou o que o senhor te inspire harmonias
Que nos infundam a força para suportar o sofrimento.


O maestro Riccardo Muti acaba de ser galardoado com o prestigiado prémio "Príncipe das Astúrias" deste ano, 

28 comentários:

  1. Sem dúvida algo de deixar cair umas quantas lágrimas, adoro música e mais este estilo que é intemporal.
    Infelizmente também se vê um pouco de isso em Portugal, mas felizmente que aos poucos esta parte da cultura vão se tornando mais acessível.

    ResponderEliminar
  2. Ricardo
    este coro da ópera "Nabucco" de Verdi é sem dúvida, um daqueles trechos musicais que pode ser um bom começo para se gostar de ópera.
    E, para os italianos, que sentem estas palavras com grande intensidade, conhecendo-as muitos deles, de cor, tornou este momento particularmente emotivo.
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  3. note-se solenemente que vou dizer isto sem qualquer pingo ou resquício de ironia ou sarcasmo, mas tu és tãoooo inteligente e sensível, tão culto...

    Ora, eu que sou todo significados e interpretações artísticas vi aqui muito de lição e correspondência com a actualidade político-social...mas isso sou eu que vejo funerais em poemas de elogio à vida:-)

    sabes, antes de entrar na faculdade, durante todo o meu ensino secundário para estudar colocava uma boa música clássica, que aprendi a gostar graças à minha irmã, que gasta fortunas com cd´s de óperas e sinfonias, etc etc, e o estudo sabia-me tão bem...depois na faculdade perdi a capacidade de estudar assim, nem um som posso ouvir. Actualmente tenho fases, há dois tipos de música (retirando a parte imagética e performística da ópera, que me acalmam, clássica ( a qual acho que a ópera se inclui) e mantras, acho que no fundo ambos de fazem tremer a alma:-)

    ResponderEliminar
  4. Que exemplo aos Italianos, deu este maestro... e que exemplo nos dás :)Os protestos patrióticos valem o que valem, mas são sobretudo simbólicos... tenhamos todos força para suportar o sofrimento e os cortes em vários domínios que aí ainda virão.
    Beijinho

    ResponderEliminar
  5. Ima
    eu sou muito ecléctico no que respeita à música (e não só), e a componente clássica foi totalmente devida a eu ser um autodidacta em muitas coisas da vida. E fui entrando nesse mundo de sons que são talvez dos mais belos de toda a música pois têm sinfonia, sem a qual eu não consigo entender a música (daí eu não conseguir aderir à chamada música contemporânea, que é na minha visão um simples aglomerado de sons).
    E foi com trechos como este, como o Hino da Alegria, da 9ª de Beethoven, com o Inverno de Vivaldi, que passava na meteorologia da TV, que lá fui chegando.
    Claro que neste coro, que diz muito aos italianos, todos os povos podem ir "beber" algo; e aqui, o empenho de Muti tinha um objectivo deliberado: combater a ineficácia cultural do estado, que em Portugal ainda estará pior.
    Mas foi um momento mágico, acima de tudo.
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  6. Eva
    não poderia estar mais de acordo, no que respeita ao simbolismo dos protestos.
    Há duas espécies de protestos: os que pretendem atingir certos fins, e que os podem alcançar, e aí sou totalmente a favor; e aqueles que apenas são protestos, mas nada resolvem - claro que são lícitos e ajudam a deitar para fora a indignação, mas em certos momentos, não serão de todo oportunos.
    E parece que vamos ter muitos, promovidos por quem se pôs à margem de uma situação que infelizmente temos que encarar como definitiva nos próximos tempos.
    Beijinho.

    ResponderEliminar
  7. Olá João.
    Obrigado pelo convite,mas não vai ser possível.
    Embora com pena, pois já são mais as vezes que falto que as que vou :S:S:S:
    Se outra coisa não justificar, podes culpar a crise lol.
    Abraço
    JJ

    ResponderEliminar

  8. claro que compreendo a vossa ausência, mas seria um prazer ter-vos por cá.
    Vou passar o S.João ao Porto, a convite da Duxa e estarei por lá 2 a 3 dias; gostaria de repetir aquele agradável jantar no cais de Gaia; depois telefono-te a ver se podem aparecer.
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  9. Muti esteve muito bem nesta história. Numa época de cortes de verbas para a cultura (lá como cá e um pouco por todo o lado), no dia em que se comemorava o 150º aniversário da Unificação de Itália, demonstrou o seu desagrado em relação às medidas de Berlusconi. Tratava-se de uma gala com a presença do Presidente da República e de mais uma série de individualidades da política e das artes. Bravo, maestro.

    (Infelizmente era a nossa Matos que deveria ter cantado nessas récitas. Não o pôde fazer por motivo de doença.)

    ResponderEliminar
  10. Paulo
    obrigado por estes apontamentos complementares que ajudam a perceber melhor o gesto muito feliz de Muti.
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  11. Sérgio
    e quem não gosta? Do tema e da atitude do maestro!
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  12. É assim, com educação, inteligência, sabedoria e arte que um protesto deve ser feito. Não com violência, física e/ou verbal.
    Muito bonito.
    E mais uns "pózinhos" a acrescentar a minha cultura em termos de música clássica. Obrigada.

    Beijinho

    ResponderEliminar
  13. P, permite-me recomendar este vídeo ao nosso povo; que saiba ele que o patriotismo não é o fado ou o bacalhau à zé do pipo, mas ver-se como uma comunidade com vontade soberana, que decide o seu destino pelo debate sério e democrático.
    Para que nunca voltemos a esta humilhação paternalista de vermos três pessoas a ditar a "vontade" de um povo inteiro.

    ResponderEliminar
  14. Karen
    Riccardo Muti é um dos mais prestigiosos maestros da actualidade tendo dirigido as mais importantes orquestras do mundo e sendo o maestro residente do Scala de Milão.
    Recebeu esta semana e muito justamente a maior distinção espanhola no campo das Artes, o Prémio Príncipe das Astúrias.
    E como grande maestro e bom italiano foi brilhante e original neste magnifico protesto "popular".
    Beijinho.

    ResponderEliminar
  15. Pedro
    é muito interessante e racional a conexão estabelecida entre estas duas situações que, aparentemente, nada têm a ver uma com a outra, mas até têm muito.
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  16. Esta música por si só já emociona um gajo, ainda para mais quando associada a este gesto divinal do maestro, e com um teatro inteiro em pé e a cantar.
    Um protesto que acaba por ter muito mais visibilidade do que aquela se fossem para um qualquer telejornal ou programa da manhã a queixarem-se dos cortes na cultura.
    Não se sabe se terá alterado alguma coisa, mas literalmente fizeram-se ouvir.
    Pode ser que alguém tire algumas ideias por cá, onde a nossa cultura tem levado grandes machadadas e é tantas vezes mal tratada e menosprezada.
    Abraço.

    ResponderEliminar
  17. Mike
    não sei se reparaste, mas é interessante ver quando no princípio, ainda durante os aplausos, a câmara foca por várias vezes Muti, e percebe-se que ele está a pensar consigo próprio se deve ou não fazer o que fez ou mesmo, as palavras com que o enunciou.
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  18. Belíssimo.Emocionante. De uma força inexcedível!
    Obrigada pelo momento, Pinguim:))

    ResponderEliminar
  19. Justine
    é tudo isso, minha Amiga.
    Beijinho.

    ResponderEliminar
  20. Fiquei verdadeiramente emocionada, é por estas e por outras que vale mesmo a pena vir ao teu blog, aqui encontram-se momentos que formam toda uma conversa x)

    ResponderEliminar
  21. A Menina
    é realmente emocionante.
    Obrigado pelas tuas palavras.
    Beijinho.

    ResponderEliminar
  22. que clip maravilhoso, João (que só agora consegui ver). no momento em que cantam oh mi patria, si bela e perduta, e toda a gente se põe de pé, é impossível não ficar com um nó na garganta. que lindo. ter estado nesta sala esta noite deve ter sido um privilégio inesquecível. e no fim os elementos do coro, gente habituada a estar no palco, a limpar as lágrimas. tão emocionante.

    obrigado meu caro. belo presente que nos deixas enquanto vais de férias. obrigado.

    ResponderEliminar
  23. Miguel
    tão emocionado como tu, fiquei eu quando vi o vídeo e claro, o impulso foi partilhá-lo.
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  24. Uma decisão nada fácil, certamente, de avançar com a iniciativa. Espero que no futuro não sofra consequências do 'atrevimento'.

    ResponderEliminar
  25. Amigo coelho
    não percebi o teu comentário; esta iniciativa é de tal forma louvável e tão espontânea que não deu, estou certo, lugar a dúvidas quanto à decisão de a tomar.
    E porque é uma decisão patriótica, acima de tudo, nunca poderá trazer consequências nefastas, só louvores!!!
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  26. Refiro-me à decisão eventualmente difícil de virar para o público e recordar os cortes do orçamento da cultura. Ainda que um protesto patriótico, certamente alguém se terá sentido beliscado.

    ResponderEliminar
  27. Coelho
    infelizmente tem sido uma atitude contestatária usada em diversos países; e em Itália a contestação a Actos do Governo de Berlusconni já é tão vulgar que um acto destes não trará problemas; antes devia haver mais.
    E além disso, naquele concerto, em Roma estava um grande número de pessoas com poder e que se juntaram, cantando, ao protesto.
    Abração.

    ResponderEliminar

Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!