quarta-feira, 26 de março de 2008

Grandes nomes do cinema - Stanley Kubrick


Tudo começou com um desafio do Deutsches Filmmuseum depois da morte de Stanley Kubrick: construir uma exposição dedicada ao realizador. Christiane, a viúva, aceitou a ideia e iniciou com o museu um trabalho que duraria um ano: escolher os objectos dos arquivos do cineasta que colocariam os espectadores dentro dos seus filmes. O resultado esteve exposto até ao final do ano passado no Palazzo delle Esposizione, em Roma.
Stanley Kubrick não é só um dos maiores realizadores do século XX como um dos seus nomes mais misteriosos. Alguém a quem associamos, para além de um génio e um estilo pessoal, uma aura única. Perfeccionista, vanguardista, absolutista; muitas são as etiquetas que se lhe colam. Sempre reservado e pouco dado a entrevistas, pouco ficou para além do que se conta dele e do que, afinal, mais importa – os filmes.
Nessa exposição se reunia toda a carreira de Kubrick: as fotografias para a revista “Look”, os primeiros documentários (“Day of the Fight”, 1951; “Flying Padre”, 1952; “The Seafarers”, 1953), assim como todas as suas longas-metragens (“Fear and Desire”, 1953;”Killer’s Kiss”,1955; “Um Roubo no Hipódromo”, 1956; “Horizontes de Glória”, 1957; “Spartacus”, 1960; “Lolita”, 1962; “Dr. Estranho Amor”,1964; “2001:Odisseia no Espaço”,1968; “Laranja Mecânica”, 1971; “Barry Lyndon”, 1975; “Shinning”, 1980; “Nascido para matar”,1987; “De Olhos bem Fechados”, 1999).
Cada filme teve uma preparação mais meticulosa que o anterior – era esta uma das marcas do realizador. Isso só lhe permitiu fazer treze filmes, mas como disse um dia Scorsese, são suficientes para dez vidas. Cada filme era apresentado como se fosse um objecto nunca antes visto: argumentos originais e corrigidos, esquemas de trabalho, maquetes de cenários, notas pessoais, roupas e “storyboards”, fotografias de rodagem e fotos promocionais, correspondência entre colaboradores, entrevistas a intervenientes, “posters” originais e recortes de imprensa. Todos eles são objectos preciosos e entre eles destacam-se o argumento original de Vladimir Nabokov para “Lolita” (e a correspondência com Kubrick); a carta que informa a proibição de “Dr Estranho Amor” em Portugal; as figuras pop-arte e bonecas do bar “Korova Milkbar” e o fato de Alex (“Laranja Mecânica”); os machados e a máquina de escrever de “Shinning”; o capacete e metralhadora de “Nascido para Matar”; as máscaras em “De Olhos bem Fechados” ou o papel com a palavra passe para a cena de orgia do filme.
A “2001…” é dada atenção especial, com explicações técnicas exaustivas sobre a rodagem, chegando a ser recriada a técnica de transparência utilizada no filme ( colocando virtualmente os visitantes da exposição num dos seus cenários), para além das informações explícitas sobre os outros efeitos especiais ( a viagem ultra-sensorial para Júpiter) ou a presença do próprio HAL. Uma maquete da nave pode ser manipulada por quem o desejar, estando a sua construção documentada em fotografias e vídeo. Mostra-se a influência da época no tempo futuro de “2001”, com uma amostra de objectos feitos por marcas reais (canetas Parker, computadores IBM, roupas vogue), até vemos o manual de instrução da casa de banho de gravidade zero.
Cada documento é a prova rigorosa do trabalho autodidacta e multidisciplinar de Kubrick, quer pelas notas de intenções como pelas fotografias de rodagem, evidenciando-se sempre um realizador atencioso, divertido e integrado em todas as tarefas da equipa, dialogando e rindo com os actores ou jogando xadres durante as pausas.
Kubrick está em todo o lado – observa os intervenientes, filma as suas cenas, segura os reflectores, pinta acessórios, posiciona individualmente os figurantes. Assim foi desde muito cedo – no seu segundo filme “Killer’s Kiss”, 1955), foi realizador, produtor, autor, operador, editor de imagem e de som.
O interesse de Kubrick ultrapassava a simples coordenação de uma equipa. Cada filme era uma missão de pesquisa, um estudo histórico e uma busca de equipamentos perfeitos. Uma sala inteira da exposição é dedicada às suas lentes, algumas vindas da fotografia e adaptadas ao cinema, outras encomendadas para cenas específicas ( como a impressionante lente Zeiss da NASA para a luz das velas em “Barry Lyndon”). Kubrick não só as escolhia pessoalmente como as coleccionava – há dezenas e dezenas na exposição, documentando no estudo extensivo da luminosidade pelo realizador. As câmaras, da portátil Arriflex (a sua preferida) à imponente Mitchell, também são presença constante.
Noutra das salas, um documentário mostra a relação do realizador com a música, associando géneros musicais a temas: marchas para um exagero dramático, electrónica para estimular a percepção, temas litúrgicos para contemplar o incógnito, cordas para a solidão e melancolia, canções populares para mensagens subliminares ou música experimental na entrada de outros mundos. Era um Kubrick maestro que recusava as encomendas e controlava todos os movimentos, indo buscar sentimentos a obras clássicas (na dança dos astros de “2001”, nas notas pontiagudas de “Olhos Bem Fechados”) ou recriando-as como personagens (na reinterpretação robótica de “Laranja Mecânica”).
Os seus projectos não concretizados estão também presentes na exposição: “Aryan Papers”, filme baseado no Holocausto (abandonado quando Spielberg anunciou “ A Lista de Schindler”); os trabalhos preparatórios para “A.I.”, projecto que esperava um avanço nos efeitos especiais (mais tarde finalizado por Spielberg); e sobretudo um filme sobre Napoleão, a grande paixão da vida de Kubrick. O fascínio do realizador pelo imperador francês é explícito – vemos as dezenas de livros de Kubrick sobre a personagem histórica, o argumento escrito e acabado em 1969, o enorme plano de trabalho (organizado ao segundo) que divide a vida de Napoleão em 221 cenas, ou 236 minutos e 41 segundos de filme, e o impressionante armário-ficheiro que reúne todos os meses da sua vida (com cores diferentes para cada personagem). Nenhum estúdio aceitaria projecto tão arriscado.
O que já se sabia de Kubrick confirma-se nesta exposição: um artista controlador e experimental, obcecado com o estudo da natureza humana e com a organização detalhada do seu trabalho. Mas conhecemos também as suas dúvidas, o receio da dispersão, a dificuldade em gerir a pressão e a censura ao seu trabalho. Ao ler as cartas de protesto aos seus filmes (desde o censurado “Horizontes de Glória” até ao seu último filme) e a violência das interpretações que as suas obras geraram (Laranja Mecânica” esteve proibido nos cinemas britânicos), vemos um artista também incompreendido e desolado, preso a uma imagem fria e obsessiva. Afinal, a sua relação com a imagem era acima de tudo apaixonada, como um caminho de desafios por quebrar.

E agora vamos sonhar…sonhar que um dia esta exposição nos visite. Afinal é o sonho que comanda a vida…

Para terminar, informam-se os interessados, que se realiza, de 29 do corrente até 16 de Junho, por iniciativa da Ar.Co http://www.arco.pt/ um curso teórico “Stanley Kubrick: uma mundivisão”, em que é feita a análise integral da obra do autor, e no início das sessões, cada filme será comentado e no final alargado a debate com apoio de textos sobre o realizador. Este curso será conduzido pelo realizador e critico de cinema Lauro António.



(texto original publicado no "Y")

22 comentários:

  1. Depois desta fantástica fotografia que fizeste da exposição, só posso mesmo juntar-me a ti no desejo que passe por cá.
    Pois, lá está a música do Barry Lidon que já me tinhas falado.
    Um abraço.

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  2. Seria muito bom, amigo Paulo, mas tenho as minhas dúvidas; só se a Cinemateca se interessasse pelo assunto, ou então o CCB ou a CGD...
    Abraço.

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  3. Voto na Laranja Mecânica lol. Gosto desse filme, nunca soube bem porquê, mas gosto.

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  4. Será que viste outros, amigo Teddy?
    A laranja mecânica éxcepcional, mas nunca se fica indiferente a um filme de Kubrick...
    Abraço.

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  5. Não consigo ler, escrever, sentir, como se as trevas me tivessem invadido. Uma estranha habita o meu corpo, o verdadeiro eu não sei onde se encontra, por isso vim apenas deixar-te um beijinho de boa noite e pedir desculpa pelas parcas visitas.
    Um bj

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  6. Não consigo ler, escrever, sentir, como se as trevas me tivessem invadido. Uma estranha habita o meu corpo, o verdadeiro eu não sei onde se encontra, por isso vim apenas deixar-te um beijinho de boa noite e pedir desculpa pelas parcas visitas.
    Um bj

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  7. Minha querida Jasmim
    não tens que te justificar; nem quando não há razões eu não levo a mal a ausência de comentários, quanto mais na tua situação; desejo que os faças como antes fazias, pos será sinal que algo em ti mudou...para melhor!
    Beijinhos.

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  8. Cineasta completíssimo, até porque bastante diversificado. 2001, Shining e A Laranja Mecânica estão entre os meus filmes favoritos. Justa homenagem! Abraço!

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  9. Amigo Rato
    num pequeno grupo de filmes apenas, ao longo de 50 anos de trabalho, é de facto incrível como correu quase todos os géneros, excepto a comédia (não era homem para isso..)
    Abraço.

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  10. Tenho de admitir que tenho muitos filmes dele em DVD, e espero que a exposição venha cá a Portugal um dia, mas há tantas exposições tão interessantes que não vêm ca :( .
    Parece que só vem para cá exposições (duvidosas!?) sobre corpos em posições macabras nas quais não vejo o minimo interesse... mas parece que os criticos gostam...

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  11. O mundo, meu bom amigo, de vez em quando parece que está a voltar para trás, na sua ambiciosa ânsia de progresso e novidade.
    Abraço.

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  12. http://vaocomernocupoliticosdemerda.blogspot.com/

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  13. http://vaocomernocupoliticosdemerda.blogspot.com/

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  14. http://vaocomernocupoliticosdemerda.blogspot.com/

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  16. E esta, hein?
    5 vezes a comer no cú, de seguida, o tipo deve ser bem "abertinho"...
    Santa paciência!!!

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  17. esse spam não merece um apagãozeco? deve pensar que atrai gente para o blog dele com coisas dessas... sigh...

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  18. Eu acho que o blog até pode ser perigoso, nem o abro...
    Quanto a apagá-lo, só apago comentários que me ofendem, este até me fez rir...
    Coitado...
    Abraço.

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  19. Kubrick foi um dos maiores, um dos que eu mais admiro. Como me admiro de ainda não ter visto todos os seus filmes. Lamentável, meu caro... Lamentável, certamente!
    Abcs,

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  20. Tirando os primeiros, caro Luís, estão todos mais ou menos disponíveis em DVD ou aparecem de vez em quando na televisão.
    Acerca de Kubrick, não vou ao exagero de dizer que foi o maior, mas foi um dos maiores, decerto.
    Abraço.

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  21. Olá Pinguim
    vim agradecer-te o teu apoio e dar-te notícias que me sinto mais animada e decidida a sorrir.As trevas abandonam-me aos poucos e esta é a melhor sensação. Graças a deus que a luz voltou ao meu espírito.
    muito, muito obrigada e que a vida te sorria sempre

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  22. Já tinha notado...e fico muito satisfeito.
    Bom fim de semana.
    Beijinhos.

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Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!