sábado, 8 de maio de 2010

De Juliano a Bento XVI

Acabei de ler um livro muito interessante de Gore Vidal, que escolhi mais pelo autor, do qual estou a iniciar a leitura de alguma da sua obra, e pelo facto de se reportar a páginas da História, matéria que nunca deixou de me seduzir. Trata-se de “Juliano”, um imperador romano, que viveu no século IV D.C., e que ficou conhecido como “o Apóstata”, pois foi o primeiro imperador romano, desde que Constantino transformou a religião oficial no Cristianismo, que lutou contra esse facto, tendo restabelecido o culto dos deuses, baseado no Helenismo, e considerando Cristo apenas como mais um deus e não como o Deus único.

O livro e as suas considerações é apaixonante e trouxe-me ao pensamento a minha posição, em relação à religião, ao Cristianismo, e essencialmente ao Catolicismo, no qual fui educado, no seio de uma família profundamente católica e praticante. Quando cheguei à idade de pensar por mim próprio, fui moldando o que me tinha sido transmitido com o que ia conhecendo através da leitura e essencialmente da vida real; passei, como noutras importantes decisões da minha vida, por conflitos pessoais, no que respeita à minha rebeldia com o que convencionalmente era suposto ser e cheguei, como também noutros assuntos a um patamar de paz interior, em que me encontro neste momento: nunca reneguei Cristo, a sua dimensão humana, que me faz, apesar de tudo, acreditar que a revolução cristã foi porventura a maior revolução do mundo, sob um ponto de vista até histórico; mas consegui abstrair-me dos mistérios da Santíssima Trindade, da concepção de Jesus Cristo e das cisões que levaram à génese das diferentes formas de viver e olhar o Cristianismo, conseguindo até pensar que há nessas diferentes formas, algumas razões mais legítimas do que as do Catolicismo comandado por Roma. Continuo a ter fé, a minha fé, mas a minha visão de Deus é baseada, talvez de uma forma demasiado simplista e cómoda, numa relação directa com Cristo, sem obediência a dogmas e principalmente não subjugado a um conjunto de seres humanos, que constituem, no sentido restrito, a Igreja, hierárquicamente constituída, desde a sua base á sua cúpula, o Papa!

Sou muito crítico a esta Igreja , pois sendo os seus membros , seres humanos, são naturalmente passíveis de errar, de serem pecadores…Que absurdo eu ir confessar os meus pecados (quem os não tem?) a um homem que pode ser mais pecador que eu; e que poderes tem ele para me “absolver”? Os meus pecados “confesso-os” pelo arrependimento, directamente a Cristo. E quantos pecados, ao longo dos séculos, tem tido esta Igreja!!! Basta históricamente pensar na “evangelização” do novo mundo, com o extermínio dos "ímpios" indigenas; na autêntica desgraça que foi a Inquisição, na devassidão dos papados renascentistas e para chegar aos tempos de hoje com os escândalos da pedofilia, da continuidade da não aceitação do uso do preservativo, de tanta coisa que é ocultada, e remetida para um canto de “coisas menores”, para uma ostentação escandalosa num mundo de miséria, eu sei lá…


E assim chegamos ao actual Papa, um cardeal alemão de seu nome Ratzinguer, com obscuras ligações passadas no tempo da guerra e que, com um ar profundamente hipócrita, na sua voz terrivelmente cínica, vai pedindo perdão disto e daquilo sem assumir os seus erros, de omissão de casos de pedofilia, de condenação, no próprio continente africano do uso do preservativo, sabendo que a SIDA dizima milhões de pessoas naqueles lugares e não prescindindo dos luxos do Vaticano. Já conheci vários Papas, desde o Cardeal Pacelli, depois Pio XII, que só a minha tenra idade não deu para perceber que foi um péssimo Papa (lembro-me de em criança, ter medo da sua cara), depois o bondoso Cardeal Roncalli, João XXIII, o único que recordo com sincera saudade, passando pelo astuto e político Cardeal Montini, que conquistou o Papado à custa de uma autêntica campanha eleitoral, tornando-se Paulo VI; depois , qual estrela cadente, pairou no Vaticano uma esperança que foi o Cardeal Luciani, João Paulo I e cuja morte ainda está encoberta em mistério até nos tempos mais modernos termos tido o polaco Woytilla, João Paulo II, que colmatou muito dos seus pragmatismos (preservativo, aborto, homossexualidade), com uma extrema bondade.

De Bento XVI, que agora nos visita, já se falou demais em tão pouco tempo, e por variadas e menos boas razões. Não vou “bater mais no ceguinho” e apenas reafirmo que é um homem que não honra o Papado e que só os católicos completamente dogmáticos aceitam com satisfação. A sua visita é para mim perfeitamente vazia de sentido. Apenas lamento que o Estado português, que é um estado (ou deveria ser) laico, tanto empenho mostre nesta visita, mormente pela parte do PR, que servilmente o acompanhará por onde ele passe.

Que passe muito bem, mas que passe depressa.

20 comentários:

  1. 1. É um livro muito bom, quiçá o melhor de Gore Vidal.
    Já o li há muitos anos, quando era mais novo, e adorei-o, pois sou fascinado por essa personalidade histórica.
    Parabéns pela escolha!

    2. Se quiseres ter uma noção aprofundada da vida do imperador Juliano, recomendo-te esta obra, a qual, garantidamente, te deixará abismaravilhado:

    http://www.esquilo.com/juliano.html

    Para quem aprecia biografias, é um livro que se lê muito bem.

    3. A memória de Juliano foi denegrida pelos cristãos, por isso actualmente, devido a rigorosos estudos históricos, a sua vida e obra estão a ser (finalmente) reabilitados.

    4. Bento XVI encarna o espírito mais reaccionário da Igreja, por isso só os católicos fanáticos é que o seguem.

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  2. Não li o livro mas li com muita atenção o teu testemunho... concordo inteiramente contigo.
    Por vezes, tenho pena de não ter mais fé!
    Abracinho

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  3. Maldonado
    com certeza que vou seguir o teu conselho, pois, como tu, fiquei perfeitamente conquistado por essa personalidade que foi Juliano.
    Sobre o Bentinho, estamos conversados...
    Abraço amigo.

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  4. Maria Teresa
    a fé, é em si mesmo um mistério pessoal, como eu lhe chamo...
    Beijinho.

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  5. Eu ia fazer aqui um longo comentário, mas decidi auto-censurar-me, o que não deve ser a melhor atitude. Fica o abraço,

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  6. Luís
    Foi pena, pois tenho a certeza de que irias complementar excelentemente o texto...
    Abraço amigo.

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  7. Ricardo
    vai demorar infelizmente, três longuíssimos dias...
    Beijo.

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  8. Boa tarde João
    Ja deves saber a minha opinião sobre a visita do velhota a terras lusas.

    O único que poderia trazer-nos de bom seria do ponto de vista comercial, se fosse bem trabalhado. Não se será

    Abraço e bom resto de fim de semana, my friend :-)

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  9. há tanta ignorância hoje em dia do que é a religião, em que consiste, qual o seu objectivo.

    Religião, do latim religare, significa ligar de novo, re-ligar. Ligar o quê? Acredito que a nossa existência a um bem superior, a uma força superior que nos faz evoluir enquanto alma e enquanto Seres.
    Acredito que cada Homem deve ter a sua forma de ligação, uma ligação intíma e única.
    O fim último está na consagração consciente que vivemos, aprendemos, fomos e fizemos pessoas felizes, fazendo o bem, amando...simplesmente amando.

    É assim que vivo e me guio, aliando a uma teoria de energias...e não tenho tido razões de queixa.

    Fazia falta um Thomas Cromwell dos tempos modernos para tirar os prada ao papa!

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  10. Pinguim
    Li com alguma emoção o teu testemunho e o teu percurso pessoal, muito parecido com o meu. Hoje, na verdade, tenho muito pouca fé, tanto na Igreja, como no ser humano em geral.
    Fiquei com vontade de ler esse livro de Gore Vidal.
    (De onde é essa imagem lindíssima de Cristo com uma cúpula muito branca?)
    Bjs

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  11. Olá pinguim... sinceramente? Não consigo associá-lo ao verdadeiro catolicismo (esteja ele onde estiver), nem à verdadeira fé (seja lá o que isso for).
    Não é fácil ser-se líder, provavelmente e uma das coisas, por mim, exigidas a um líder é a seriedade... Ratzinger, por mais respeito que lhe deva ter, nunca me pareceu sério... desde o dia em que apareceu naquela janela depois de se ter feito fumo branco.
    Para mim, que só conheci um, o Santo Padre da Igreja Católica foi o grande Joannus Paulus II.
    Como sabes vivi numa instituição. Esta foi criada pelas com os fundamentos da Família e da Igreja Católica. Também estudávamos em colégios católicos, frequentámos a catequese e participávamos activamente nas actividades da nossa paróquia... Nesses anos, de cada vez que o Santo Padre vinha a Portugal, eu estava lá, de lenço amarelo, a acenar-lhe... Aquando da confirmação da sua partida, confesso, verti uma lágrima de eterna saudade. Depois disso, o catolicismo morreu para mim nas mãos de um qualquer. Entristeci. Mas não deixei de ter a minha fé. Só minha. Só para mim.
    Concordo contigo, pois "que passe muito bem, mas que passe depressa!"

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  12. Francisco
    claro que sei e é a opinião da maior parte dos portugueses, segundo penso...
    Bom fim de semana.
    Abraço.

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  13. Caro Ima
    penso que irias adorar o livro do Gore Vidal, e em vários aspectos...
    Abração.

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  14. Teresa
    não me espanta, pois este percurso está bastante generalizado na sociedade portuguesa,consciente!
    A foto, belíssima, sem dúvida, foi retirada do site "Olhares". mas não me recordo do nome do autor,
    Beijinho.

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  15. Olá Lala
    eu isso não sei, pois será uma visão muito pessoal; mas pelo menos que não é o meu catolicismo nem a minha fé.
    A tua admiração por João Paulo II seria ainda maior se tivesses assistido ao pontificado de João XXIII, não tenho qualquer dúvida.
    Beijinho.

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  16. Desconheço o livro, mas gostei da forma como expressaste a tua "opinião" acerca da Igreja. E apesar de não partilhar da mesma opinião que tu, respeito-a :) hehe.
    Beijinhos

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  17. Sandrinha
    na religião e na política, tem que haver sempre respeito pelas opiniões contrárias; só assim pode haver troca de opiniões e é sempre salutar haver diferenças.
    Eu também respeito quem pensa diferente de mim; só não respeito a intolerância.
    Beijinho.

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  18. Amigo Pinguim,
    Não conheço o livro, mas gostei particularmente deste post.

    Ninguém é todo poderoso, todos somos humanos e todos temos pecados, sejamos nós padres, papas, ou apenas homens.
    Não me recordo de haver conversas sobre religião em casa dos meus pais. Estudei num colégio de freiras, (católico) e posso dizer que a minha base católica cristã provém daí.
    Quanto aos papas queridos, João PAulo II foi o que mais me cativou, realço a sua bondade. Contudo, manifesto o meu descontentamento em relação à relutância do uso do preservativo. São assuntos demasiadamente sérios para que a igreja católica não dê o braço a torcer continuando assim a não conseguir acompanhar a evolução da humanidade.
    A confissão dos pecados, dá vontade rir. Não se justifica nos dias de hoje. Isso era noutros tempos em que não passava de um esquema da igreja para conseguir aumentar o seu poder sobre os paroquianos e aumentar o PODER do CLERO.
    Outros tempos... outros tempos...

    Quanto a Ratzinguer, também não vou bater mais no ceguinho, até porque não gosto do seu olhar.

    bjs

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  19. Mz
    quanto ao livro, se gostares de História é imprescindível...
    E no que respeita à religião, estamos por assim dizer no mesmo patamar.
    Beijinho.

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Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!