É um texto magnífico e as fotos são soberbas: para reflectir!!!
· A inércia grotesca consciente/inconsciente do humano enquanto humano remete para cenários torpes de qualquer 3º mundo a distâncias nada menos que astronómicas. Distâncias essas, que em pleno século XXI se tornam cenários como os que testemunhei na lixeira de Huléne, animações demasiado pictóricas de um panorama demasiado desactualizado. Cenários onde a vida se exila de sentidos, onde questiono a cor da minha fé e me alheio do real... um real tão marcante, quanto presente.
A sul de Moçambique, bem no coração de Maputo e a escassos metros do aeroporto da Capital, encontra-se a lixeira de Huléne, mãe de muitas histórias, casa de muitos renegados e sustento de muitos mais. É difícil lograr qualquer tipo de juízo quando a incredibilidade amotina qualquer estado de alma ou percepção intelectual. Os limites da lixeira ultrapassam a sensibilidade comum - e até a perspicuidade do olhar - e nem os muros que a aprisionam, conseguem dissimular um cenário nada menos que dantesco - cortados a sul por uma entrada improvisada, um buraco no maciço muro de cimento, concreto e bruto.
Ali confluem todo um tipo de necessidades e propósitos. Movimentações constantes de pessoas e camiões compõem um complexo jogo de cores e sensações que nos despertam para a proximidade do precário e do insensível. São muitas as personagens, mas muito poucas as diferenças.
Os “catadores de lixo” são os que mais agitam os horizontes. São peões de um dos poucos negócios, e talvez o mais rentável, que ainda consegue florir entre a mais profunda e desesperante imundice – a reciclagem. Furam freneticamente os corredores de lixo em busca da utilidade. Porque a utilidade ali, e para eles, pode mais tarde valer um pouco mais que pão e leite.
Depois, os outros. Os outros que se assemelham por excesso a muitas caricaturas do pobre e do mendigo que muitas vezes se camuflam entre piadas de genéricos ou bandas desenhadas generalistas do mundo civilizado. Os outros dos olhos sem vida. Os outros do sorriso sem cor e do rosto vazio de expressão. Os outros que tornam esta experiência muito mais humana.
As fotografias fluem numa cadência desproporcionada. A consciência do que vejo inquieta drasticamente a minha percepção das coisas. Nunca o nada fez tanto sentido, e o valor material, tão pouco. Ali o belo torna-se noutro belo, o digno noutro digno. A importância nunca teve na cor da camisa ou sequer no tamanho do sapato. E no meio de tão pouco, rodeado de tamanha e angustiante putrefacção, constatações simples como a que entre o interesse e a curiosidade me dou conta, nunca antes foram tão perturbantes – “todos os dias comemos carne”. A inquietação há muito que me havia tomado por completo, mas a surpresa, essa, é inoportuna, desperta-me a todo o momento. Ali, quando o fruto se torna o resto, o resto torna-se o fruto.
Não é fácil conhecer a lixeira. Não é fácil crer no que é apenas a realidade. Conhecê-la, não é mais que acordar para as diferentes realidades do homem e do mundo. E o maior erro é pensar que ali não há espaço para a vergonha. Uma vergonha muito mais legítima que qualquer outra. Uma vergonha muito mais tocante e bruta de sentido. Porque para muitos estar ali não é nem foi uma opção. Porque muitos deles, já viram para lá dos muros.
São estas circunstâncias, num país em senda de progresso e desenvolvimento através do investimento externo, que tornam a lixeira de Huléne um fenómeno cada vez mais desactualizado até para o contexto de crise e delicadeza económica no qual se insere Moçambique.
Esta, não é a cor da minha fé, é a inconsciência da verdade que teimosamente desfigura a sociedade civil e a condição do homem enquanto ser humano.
A sul de Moçambique, bem no coração de Maputo e a escassos metros do aeroporto da Capital, encontra-se a lixeira de Huléne, mãe de muitas histórias, casa de muitos renegados e sustento de muitos mais. É difícil lograr qualquer tipo de juízo quando a incredibilidade amotina qualquer estado de alma ou percepção intelectual. Os limites da lixeira ultrapassam a sensibilidade comum - e até a perspicuidade do olhar - e nem os muros que a aprisionam, conseguem dissimular um cenário nada menos que dantesco - cortados a sul por uma entrada improvisada, um buraco no maciço muro de cimento, concreto e bruto.
Ali confluem todo um tipo de necessidades e propósitos. Movimentações constantes de pessoas e camiões compõem um complexo jogo de cores e sensações que nos despertam para a proximidade do precário e do insensível. São muitas as personagens, mas muito poucas as diferenças.
Os “catadores de lixo” são os que mais agitam os horizontes. São peões de um dos poucos negócios, e talvez o mais rentável, que ainda consegue florir entre a mais profunda e desesperante imundice – a reciclagem. Furam freneticamente os corredores de lixo em busca da utilidade. Porque a utilidade ali, e para eles, pode mais tarde valer um pouco mais que pão e leite.
Depois, os outros. Os outros que se assemelham por excesso a muitas caricaturas do pobre e do mendigo que muitas vezes se camuflam entre piadas de genéricos ou bandas desenhadas generalistas do mundo civilizado. Os outros dos olhos sem vida. Os outros do sorriso sem cor e do rosto vazio de expressão. Os outros que tornam esta experiência muito mais humana.
As fotografias fluem numa cadência desproporcionada. A consciência do que vejo inquieta drasticamente a minha percepção das coisas. Nunca o nada fez tanto sentido, e o valor material, tão pouco. Ali o belo torna-se noutro belo, o digno noutro digno. A importância nunca teve na cor da camisa ou sequer no tamanho do sapato. E no meio de tão pouco, rodeado de tamanha e angustiante putrefacção, constatações simples como a que entre o interesse e a curiosidade me dou conta, nunca antes foram tão perturbantes – “todos os dias comemos carne”. A inquietação há muito que me havia tomado por completo, mas a surpresa, essa, é inoportuna, desperta-me a todo o momento. Ali, quando o fruto se torna o resto, o resto torna-se o fruto.
Não é fácil conhecer a lixeira. Não é fácil crer no que é apenas a realidade. Conhecê-la, não é mais que acordar para as diferentes realidades do homem e do mundo. E o maior erro é pensar que ali não há espaço para a vergonha. Uma vergonha muito mais legítima que qualquer outra. Uma vergonha muito mais tocante e bruta de sentido. Porque para muitos estar ali não é nem foi uma opção. Porque muitos deles, já viram para lá dos muros.
São estas circunstâncias, num país em senda de progresso e desenvolvimento através do investimento externo, que tornam a lixeira de Huléne um fenómeno cada vez mais desactualizado até para o contexto de crise e delicadeza económica no qual se insere Moçambique.
Esta, não é a cor da minha fé, é a inconsciência da verdade que teimosamente desfigura a sociedade civil e a condição do homem enquanto ser humano.
My dear,
ResponderEliminarFoi com tristeza e pesar que li o magnífico texto e vi as terríveis e reais fotografias que tão bem colocaste. Não devemos virar a cara à pobreza, à miséria; pelo contrário, devemos enfrentá-la para a combater heroicamente.
O pai é de Moçambique, nascido e criado. Sempre o ouvi falar dessa terra com carinho e mágoa porque, no seu entendimento, abandonou-a quando por lá deveria ter ficado. Enfim, o 25 de Abril levou-o ao exílio no Brasil, junto com os avós, de forma a salvarem-se das nacionalizações. Cresci com o "cheiro" imaginário dessa terra, fotografias antigas e lembranças que, por aqui e ali, fui ouvindo.
Aprendi a amá-la e a sofrer por ela. Nunca reneguei as heranças africanas e brasileiras na minha educação. O pai é um misto destas culturas que, com amor, me passou.
Acredito que África tem um bom destino, haja coragem dos governantes por lá e a humildade, dos de cá, em ajudar aqueles povos.
lots of love ^^
Mark
ResponderEliminarvamos a não tomar o todo pela parte...
Isto aqui mostrado é um sub-mundo, real sim, mas não é o retrato do país, segundo me consta.
Moçambique teve após a independência e durante bastantes anos um período em que foi considerado um dos países mais pobres do mundo. Mas parece que essa situação se tem vindo a inverter nos últimos anos.
Eu estive em Moçambique de Setembro de 1972 a Dezembro de 1974, e embora quase só conhecendo a realidade militar, também me fui informando e vendo a vida das pessoas nas cidades que conheci, particularmente Vila Cabral, hoje Lichinga, Nampula, Beira e um pouco de LM, hoje Maputo.
Cheguei a assistir aos primeiros encontros entre representantes da Frelimo e das Forças Armadas portuguesas e eu próprio tomei iniciativas nesse campo.
O texto e as chocantes imagens ficam como testemunho de uma terrível vivência de alguns sectores da sociedade moçambicana.
Terrível!
Abraço amigo.
Para sustentar o luxo de uns é preciso a miséria de tantos, infelizmente esse é o mundo em que vivemos. Claro que todas as imagens são chocantes e fazem-nos reflectir, inclusive sobre como reclamamos de coisas tão pequenas se comparadas ao sofrimento de tantos, mas as imagens que mais me chocam são as das crianças, cá no Brasil agora é inverno e sobretudo cá no sul faz mesmo muito frio, noutro dia passou no telejornal a imagem de uma criança que mal tinha acabado de aprender a andar vagava sozinha pelo lixo somente com uma camisola, aquilo cortou-me o coração duma maneira... Mas serviu para eu voltar a olhar para o lado, parar de reclamar e tentar de alguma maneira ajudar.
ResponderEliminarTheo
ResponderEliminarse juntares a essas imagens das crianças, que tão bem referes, as das pessoas idosas, o quadro fica ainda mais negro.
Como dizes, são situações destas que relativizam certos males que tanto nos preocupam no nosso dia a dia.
Abraço amigo.
Excelente publicação que irei utilizar como recurso didático!
ResponderEliminarAbraço
Olá Vasco
ResponderEliminarsinto-me particularmente satisfeito ao saber da utilidade para ti desta postagem.
Abraço amigo.
Eu não percebo como é que algumas (muitas, demasiadas) pessoas, conseguem ficar indiferentes a estas imagens. Não percebo.
ResponderEliminarSara
ResponderEliminareu também não, sinceramente...
Beijinho.
Amigo, é inadmissível neste pico do conhecimento humano existirem lugares assim. Quando é que África começa realmente a ser a mãe da humanidade? Quando é que nós, iluminados ocidentais, olharemos para África para além dos recursos naturais? E quando, pelo amor de um deus qq, os próprios africanos deixarão de acreditar em ditadores sangrentos e insanos?
ResponderEliminarDas imagens mais chocantes que vi em toda a minha vida.
Abraço.
Catso
ResponderEliminare depois admiramos-nos quando vemos um país africano em convulsões políticas...
É de admirar que elas sejam tão raras.
O que aqui se vê, o que se passa na Somália, a tragédia da SIDA, os massacres étnicos...e sei lá mais o quê; tudo consequências de uma ganância de poder económico por parte de quem soube contrariar o colonialismo político por um terrível colonialismo económico e social.
Abraço amigo.
Realmente dá que pensar
ResponderEliminarAbraço
De pensar que no "nosso mundo" uma gaja fica com o dia estragado por não haver o verniz da cor xpto e nessas fotos conseguem esboçar um sorriso! Valioso
ResponderEliminar**
Sérgio
ResponderEliminardá que pensar e devia dar para agir!!!
Abraço amigo.
Lyn
ResponderEliminarobrigado pela tua visita a este canto.
É impressionante como tudo é relativo, caramba...
Beijito.
Depois de ver as fotos não consigo dizer nada.... :(
ResponderEliminarImpressionante!!!
ResponderEliminarJoão
ResponderEliminaras fotos chamam mais a atenção, sem dúvida, mas não podemos esquecer o excelente texto.
Abraço amigo.
Luís
ResponderEliminarimpressionante é uma palavra adequada a tudo isto.
Abraço amigo.
Olha que a do lado é bem mais gira ehehe Bjts
ResponderEliminar**
Lyn
ResponderEliminarOK, ganhaste, mas eu gostava mais que ela usasse uma lingerie preta...
Beijinho.
Não tentem perceber isto, pois é "off the record ...
Amigo João.
ResponderEliminarObrigado pelo texto e pelas fotos!
O mundo não deveria ser isto. Afinal do que é que falamos quando falamos de crise? Algumas organizações, nomeadamente as que se reclamam do cristianismo não deveriam ficar caladas e quietas um segundo sequer, enquanto não se fizesse algo que fosse à raiz deste problema. Contudo, isso implicaria propor mudanças imensas na redistribuição da riqueza mundial e talvez por isso mesmo os "teologos da libertação" tivessem sido excomungados pela Igreja Católica, nomeadamente!
Tudo isto é profundamente triste e nós, aqui neste país em crise, somos ainda assim uns previlegiados!
Um abraço forte!
Luís
Luís
ResponderEliminaré quase "pornográfico" mostrar isto e penso que entendes o que quero dizer com isto.
Mas é necessário!
Para compreendermos, como tu dizes, quão pequenos, apesar de tudo, são os nossos queixumes.
Abraço amigo.
São imagens arrepiantes. Mas, infelizmente, não acontecem apenas em Moçambique ou em de África. Por muitos outros cantos do planeta isto acontece. Vi, um dia destes na Palestina (creio que na faixa de Gaza), algo de muito semelhante. E que dizer das crianças indianas que trabalham nas fábricas de fósforos e que, quase sempre, antes de atingirem os 20 anos de idade estão mortas?!
ResponderEliminarÉ um mundo absurdo, sabendo-se que, logo ali ao lado, vivem alguns que nem uns nababos e que a estes pobres desgraçados viram muitas vezes a cara. É um mundo completamente do avesso, um mundo que me continua a deixar abismado.
Abraço de amizade
Lear
ResponderEliminarinfelizmente eu sei que são imagens que poderiam ser recolhidas noutros locais; e também não podemos esquecer as imagens da imensa tragédia que está a acontecer na Somália.
Que mundo tão injusto, caramba!!!
Abraço amigo.
Fiquei sem fôlego, chocada! Já sentira tanta dor ao ver as fotos devastadoras de crianças na Somália :(
ResponderEliminarFragmentos
ResponderEliminaré impossível não fazer a analogia com a catástrofe que se está a passar na Somália.
Desculpa o desabafo, mas mais que injusto, o Mundo é uma Merda!
Beijinho.
Isto sim é miséria. Dói a alma ver esta gente, do meu país Natal com tantas necessidades. No entanto admiro como eles conseguem ser felizes e nós com tanto somos tão infelizes, não é? Somos tão exigentes.
ResponderEliminarBeijinhos
Mary
ResponderEliminarfaz-nos pensar muito, na realidade do mundo e na nossa, como bem referes.
Beijinho.
João, é a tal coisa...
ResponderEliminarPerante estas imagens, de repente os nossos problemas do dia a dia são uma migalha perante isto.
Abraço.
Miguel
ResponderEliminaré verdade o que dizes. Tanto tu como eu, devemos deixar de lado os nossos "problemazinhos" e repensar na vida e nos reais problemas de tanta e tanta gente.
Abraço amigo.
Quando vivia no Brasil e ia de comboio para o trabalho, passava por uma lixeira. Nunca me esqueço daquelas imagens. Famílias inteiras a correr atrás dos camiões do lixo, para catarem COMIDA, enxotando os urubus que também a disputavam. Também observava que muitos passageiros corriam a cortina da janela, não para impedir o sol mas para ignorar a realidade...
ResponderEliminarRosa
ResponderEliminarinfelizmente, o que contas, mostra bem os dois lados da realidade: por um, a existência da miséria; por outro, a reacção de procurar ignorar essa mesma miséria...
Beijinho.
O texto é fantástico e as imagens chocantes. África nunca terá quem a defenda enquanto as suas gentes, aquelas que detêm alguma sabedoria e o poder nas mãos continuarem a pensar e agir apenas em prol de um grupo - eles próprios.
ResponderEliminarMz
ResponderEliminarinfelizmente os povos africanos, quase na sua totalidade, passaram por longos períodos de colonização, que de certa maneira, contribuíram para este estado de coisas.
Beijinho.