domingo, 12 de janeiro de 2014

"Wake in fright"

Hoje trago até aqui um filme que vi há dois dias atrás e que pretende comemorar o 40º. Aniversário da sua apresentação, já que a mesma ocorreu em 1971. Trata-se de um filme chamado “Wake in Fright”, realizado por Ted Kotcheff, um canadiano que dirigiu com competência variadíssimos filmes em Hollywood.
O filme foi apresentado nesse ano no festival de Cannes, onde foi candidato à Palma de Ouro e tem como principal intérprete um desconhecido actor (pelo menos entre nós), de nome Gary Bond
e que andou “perdido” entre séries televisivas, tendo aparecido no entanto em filmes como “Zulu” e “Rainha por mil dias”. É um excelente actor que nos faz recordar o recém desaparecido Peter 0’Toole dos seus melhores tempos.
Entre outros actores aparece o magnífico Donald Pleasance, com a sua perturbante fisionomia e que eu vi em tantos e tantos filmes, desde o fabuloso “Cul de Sac” (O Beco) , um dos primeiros filmes de Polanski.
Penso que o filme não terá sido exibido comercialmente em Portugal ,e no Brasil teve o nome apropriado de “Pelos caminhos do inferno” e socorro-me de uma critica então publicada por um blogger (Ronaldo Perrone) para dar uma ideia do enredo do filme.

"Só de olhar pra essa arte aí em cima eu já começo a sentir um calor desgraçado, uma das tantas sensações que este filme provoca. Na verdade, Wake in Fright  foi uma das experiências mais intensas que eu tive este ano em termos de cinema. E olha que já tinha visto antes! Mas é um caso curioso, porque até há algum tempo este filme australiano rolava por aí numa versão de péssima qualidade, acho que tirada de um VHS ou ripada da TV, mas que não fazia juz à grandeza desta obra prima de força descomunal, algo que eu só pude realmente sentir quando conferi a versão restaurada lançada em 2009.
Este pesadelo filmado é uma coisa desesperadora, tem direção de Ted Kotcheff, responsável pelo primeiro "Rambo", e é estrelado por Gary Bond como John Grant, professor de uma escola no meio do outback, o deserto australiano, e que consegue suas almejadas férias na qual pretende ir a Sidney, curtir uma praia e reencontrar sua garota… só que a viagem é uma merda. Primeiro pega um trem até uma cidade chamada Bundanyabba, onde precisa esperar uma noite inteira para pegar um avião no outro dia até o seu destino final. No entardecer, o nosso amigão resolve sair para tomar uma bebidinha… e é o suficiente para uma descida ao inferno tão angustiante que não desaponta o título dado ao filme aqui no Brasil! 
Primeiro, o sujeito vai à um bar gigantesco, abarrotado de pessoas entornando cerveja e logo de cara percebe-se que John se sente totalmente deslocado. Não é apenas o público que acha aquelas pessoas e o sotaque estranho (assisti ao filme sem legenda e o inglês australiano é bem complicado de seguir), mas o próprio protagonista se sente um estrangeiro em Bundanyabba, com seus rituais insólitos e uma bebedeira frenética sem fim. Ele conversa com algumas pessoas, com o xerife, e todo mundo bebe canecas de cervejas em uma virada e lhe pagam cerveja atrás de cerveja, fazendo-o beber da mesma forma que eles e putz, nunca vi na minha vida tanta cerveja sendo bebida desse jeito… em dez minutos eu já estava tonto de ver tanta cerveja entornada goelas a baixo. Ao fim da sessão eu precisava de um banho e dormir, sabendo que ia acordar com uma puta ressaca! 
E os habitantes pancados adoram Bundanyabba, acham o lugar um paraíso… Paraíso ou inferno, o negócio é que John fica literalmente preso no local - como os personagens de "O Anjo Exterminador", de Buñuel, só que de maneira mais realista - à partir da primeira bebedeira... Perde todo o dinheiro em um jogo de moedas, bebe, conhece pessoas cada vez mais estranhas, mas que ficam lhe dando cerveja a todo instante – e quando recusa, se sentem ofendidos, como se tivesse jogado merda na bandeira australiana – então ele bebe mais ainda, os dias vão passando e ele tentando arranjar dinheiro pra sair dali, joga, se envolve com a filha de um sujeito que lhe ajuda, bebe, sai pra caçar cangurus, bebe de novo, luta com os amigos bêbados, sempre com a mesma roupa, cada vez mais sujo, suado e tudo indica que tenha perdido a virgindade da “parte traseira” com o personagem do Donald Pleasence! Aí que o cara surta de vez…Mas as cenas mais impressionantes são as da caça aos cangurus, hiperrealistas e cruas. Na verdade, a sequência é uma autêntica prova de tolerância para o espectador, com os animais sendo abatidos cruelmente na tela, sem cortes, sem poupar o público de qualquer imagem mais impressionante. No final do filme há uma nota da produção informando que todas as cenas foram filmadas na época de caça, de forma legalizada, por profissionais. Mas isso pouco importa, a maneira como tudo é mostrado e editado deixa uma sensação extremamente depressiva. 
Como disse, é um pesadelo filmado, Wake in Fright é uma obra prima que deveria ter a mesma importância que "Walkabout", de Nicholas Roeg, para o cinema australiano, que começava a ganhar uma forma. E nada melhor que subverter. A coisa aqui é barra pesada, mas maravilhosamente bem filmada. O filme mexeu com meus nervos com muito mais eficiência que maioria dos filmes de terror que existem por aí… Rola uma história de que por muito tempo o negativo original havia se perdido e encontrado lá pelo ano de 2004, por isso sua restauração é tão recente. Mas sua redescoberta é obrigatória! a versão vagabunda, que eu assisti há alguns anos encontra-se disponível até no youtube. Recomendo, no entanto, a versão restaurada para uma experiência quase única, que tanto pode tangir o sublime quanto o perturbador."

 Quero deixar aqui uma ou duas opiniões próprias sobre este filme: possivelmente nunca se fez um filme que mostrasse a “outra face” da Austrália, do país profundo e não das modernas cidades como Sidney e outras. É um país muito marcado pelo “homem” e em que a mulher é relativamente pouco importante e de certa forma podemos ver neste filme uma envolvência quase homo erótica, embora isso não seja evidente, nas cenas dos bares onde os homens se divertem em jogos  e bebedeiras, fazendo por vezes lembrar bares gays (sem o serem em absoluto) e também num eventual encontro físico entre as personagens interpretadas por D.Pleasance e Gary Bond.
Finalmente, a cena da caça aos cangurus é talvez uma das mais violentas cenas que eu já vi no cinema.
Deixo aqui o link para se poder ver integralmente este filme num vídeo do You Tube. 
Vejam e apreciem, mas fica o aviso de que é um filme muito forte, mesmo.



9 comentários:

  1. Por acaso nutro uma certa curiosidade pela Austrália. É um país interessante sob várias perspectivas: geográficas, tratando-se de um país-continente; ao nível da flora e da fauna devido a esse isolamento; pelo contraste Sydney, Melbourne e Camberra com o resto do país, coberto por desertos, e pelas especificidades da colonização (por presos e gente de baixa estirpe vinda do Reino Unido). Aliás, país de colonização recente. Finais do século XVIII. Discute-se se terá sido descoberto por portugueses; é certo, sim, que os holandeses andaram por ali até por causa da Indonésia. Bom, e nós por Timor.

    Obrigado pelo link. :)

    abraço, João.

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  2. Mark
    gostaria muito de saber a tua opinião sobre este filme. Mas tens que ser algo corajoso para o ver, hehehe...
    Abraço amigo.

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  3. Meu amigo cinéfilo, como cinéfila convicta e activa agradeço-te esta informação, assim como as muito interessantes observações que fazes sobre o filme!
    (e o meu título é de facto "roubado" ao Bertolucci, cujo filme também vi e adorei, era eu menina e moça :-) )
    Um abraço de até breve?

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    1. Justine
      grande parte do texto não é da minha autoria mas está perfeito para explicar toda a envolvência do filme; há todavia algumas breves reflexões da minha parte.
      É curioso e talvez o maior elogio que se pode fazer ao filme a observação de Scorsese na foto do filme...
      Quanto ao filme de Bertolucci ambos estamos de acordo - um filme importntíssimo quando o cinema italiano era uma força.
      Seria uma óptima ideia, encontrar-nos um dia destes, agora ou em Fevereiro para ver a exposição do MNAA; que dizes?
      Beijinho.

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  4. há muito, muitos anos, deu uma mini-série na rtp 2, onde passam as excelentes séries, australiana. era sobre garimpeiros, bastante dramática e violenta. Era o início da corrida ao ouro.
    estou neste momento no vídeo que linkaste, acho que o vou ver nesta hora de almoço. espero não regurgitar :)
    bjs.

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    1. além disso, ele foi namorado do 'meu' Jeremy Brett, o mais perfeito Sherlock Holmes até ao momento :)

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    2. Margarida
      o filme é violento no seu todo, mas a única cena - longa, é certo - que é difícil de ver é a caçada aos cangurus.
      Desconhecia esse romance de que falas, aliás desconhecia este actor, lindo por sinal, pelo menos naquele tempo.
      Beijinho.

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  5. Por acaso país que não me atrai por aí além é a Austrália. A quantidade de animais venenosos por metro quadrado é superior a qualquer outra no mundo, e só isso dá-me arrepios. Ainda assim, vou arriscar no filme, correndo o risco de parar a meio... (mas o actor era um giraço).

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    1. Coelho
      sabes que embora seja mais adepto do mundo urbano nas minhas viagens, não desprezo as paisagens naturais. E neste campo a Austrália em pouco ou nada a oferecer aos turistas. Apenas Sidney me seduz.
      Quanto ao filme é um estupendo repertório da mentalidade da população não urbana australiana, e embora seja já bastante antigo, as coisas não devem estar muito alteradas.
      Abraço amigo.

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