Desafiando o habitual, o Professor que constrói uma tese de doutoramento a partir de anotações do quotidiano, anotando minuciosamente o comportamento das personagens que habitam o prédio, conclui que «é mais improvável o homem dominar o Quotidiano do que alcançar a Felicidade na Terra».
Rui Cacho
em cuja figura se centra a personagem do Professor, um autor instigador de um olhar inteligente e humor acutilante sobre a realidade, é um cidadão de Monte Abraão que conheceu e retratou em crónicas os habitantes deste prédio, que foram moldados em personagens reais neste espectáculo pela mão de Paula Sousa, também ela moradora nesta freguesia.
Aliás, Paula Sousa tem a seu cargo a encenação, dramaturgia, cenografia e figurinos deste espectáculo.
E no que respeita à interpretação ela apresenta aqui cinco jovens actores a quem deu formação durante 3 anos, no Curso de Artes do Espectáculo da Escola Gil Vicente: Ana Pestana, Beatriz Pinto, Murillo Camargo, Inês Filipe e Isaías Manhiça.
Junto com eles estão sete actores do Grupo de Teatro da APRIMA (Associação de Reformados Pensionistas e Idosos de Monte Abraão), o que é sempre de enaltecer, pois ocupa com muito proveito o tempo de gente de mais idade e que, nalguns casos, vai mesmo muito bem, que é o caso de Manuel Teixeira, sendo os restantes, Irene Rico, Francisco Ventura, Isaura Almeida, Isaura Conceição, Lurdes Gonçalves e Raúl Rodrigues.
Finalmente quatro actores profissionais: Emanuel Arada (o Professor), Isabel Ribas, Tiago Ortiz e José Graça.
É um teatro que foge por completo ao intelectual, feito por assim dizer com a “prata da casa”, já que o dinheiro não abunda, mas que retrata muito bem a vivência da gente da terra, e que curiosamente tinha na assistência um prolongamento das personagens, já que a grande maioria eram pessoas pouco habituadas a ver Teatro, mas que viveram muito intensamente a trama, aplaudindo quando gostavam, interrompendo a cena e que riram com as cenas caricatas daquele dia a dia que afinal é o seu.
Um apontamento particular e que divertiu quem estava nos lugares perto: mesmo ao meu lado estavam duas pessoas, pai e filho, de sessenta e tal e trinta e tal respectivamente; acontece que o mais novo sofrerá de algum problema mental e embora estivesse quase sempre bem, a um dado momento começou a ter “gases sonoros” e de cada vez que isso acontecia, o pai dizia-lhe “então pá que é isso?” e ele desculpava-se em voz alta para o pai e para as outras pessoas “desculpa, desculpem”…
A partir de meio do espectáculo começou a pedir em voz alta ao pai que o levasse à casa de banho e o pai dizia-lhe “aguenta, rapaz…”.
No final vim a saber que eram o marido e o filho da actriz mais velhinha, que veio ter com eles – cenas de um “Quotidiano Anotado”…
não conhecia este grupo, confesso. de uma pesquisa que fiz num site de descontos, encontrei referência a esta peça. depois irá para a Comuna, segundo me apercebi.
ResponderEliminarse forem bons actores, que importa se são prata da casa ou conhecidos? aliás, com actores conhecidos, já assisti a maus desempenhos.
bjs.
Margarida
ResponderEliminaré um grupo que eu acompanho há muito, sou aliás amigo da Paula Sousa, e sei que têm tido grandes problemas monetários pois não há dinheiro nem para as grandes companhias, quanto mais para estas...
E este foi o espectáculo possível. Claro que a grande maioria dos actores são amadores na verdadeira acepção da palavra pelo que não se lhes pode exigir demais.
Mas é uma peça digna e muito bem ambientada aqui na região.
O acolhimento não poderia ser melhor e é bom para esta população poder contactar o teatro.
Nem sei se a ida à Comuna terá um grande êxito, gostaria que fosse, mas tenho dúvidas, pois é quase uma peça local.
Beijinho.
Fiquei curioso, a ver se os consigo ir ver :D
ResponderEliminarFrancisco
ResponderEliminaraqui em Massamá, tens os horários e os dias na primeira foto (capa do programa).
Mas pelo que diz a Margarida, depois irão à comuna (Praça de Espanha).
Abraço amigo.
É deste tipo de entretenimento que sinto falta por viver na parvónia :D
ResponderEliminarCatso
ResponderEliminarmas olha que este espectáculo é algo um pouco suburbano; daí talvez o seu encanto, pois é puro...
Abraço amigo.
O que importa é que sejam bons actores, como referiu a Margarida. Às vezes os que têm "menos nome" são os mais competentes. A fama traz laivos de vedetismo.
ResponderEliminarDeve ser interessante. Esse professor fez-me lembrar os porteiros que sabem tudo da vida dos residentes.
Uma palavra para o pai e o filho com alguma perturbação mental. Comoveu-me. Esses jovens acabam por crescer, os pais por envelhecer, e a degradação humana acentua-se. Uma criança com deficiência, enfim, todos se condoem e querem ajudar; crescendo, torna-se um emplastro, rejeitado pela sociedade. É muito triste. E os familiares mais próximos, geralmente os pais, envelhecem com medo do que será daquele filho ou filha quando fecharem os olhos.
Sou muito sensível a essa realidade.
um abraço.
Mark
Eliminarse eu relatei este facto do pai e do filho, não foi por gozo, embora seja algo caricato, mas sim porque achei importante que o pai tivesse levado o filho ao teatro ver a mãe a representar e principalmente porque fugiu à "anormalidade" da situação do filho, não se escondendo, nem o escondendo.
Abraço amigo.
Sim, João, claro. Nem isso me ocorreu, daí ter dito "uma palavra". Achei que devia escrever algo sobre o assunto porque é uma realidade que mexe comigo, embora não tenha nenhum familiar com essas características especiais, e nem amigo ou conhecido.
EliminarCaro Mark
Eliminare eu não quis com o meu comentário senão dar ainda mais relevo ao facto em si, que considero muito importante.
Abraço amigo.
Muito informativa, a tua crónica. Obrigada. E delicioso, o pormenor do pai e filho espectadores - modo de ilustrar o "quotidiano anotado"!
ResponderEliminarUm abraço
Justine
Eliminartodo o envolvimento da apresentação da peça, quer os actores, a constituição e o envolvimento do público, o texto, a simplicidade de tudo isto é realmente um quotidiano daqui desta região Massamá - Monte Abraão.
Daí eu pensar que algo se perderá com a apresentação da mesma noutro enquadramento (Comuna) e talvez não resulte tanto e não tenha inclusive um acolhimento tão caloroso.
Por tudo isso e porque eu moro aqui, escolhi como tema musical o fado "Oh Gente da minha Terra"...
Beijinho.