segunda-feira, 28 de junho de 2010

Para o Déjan...


Li um dia destes no sempre interessante blog Jugular” um belo poema da Dra. Isabel Moreira, conhecida jurista e que muito admiro, sobre a Sérvia.

Claro que não fiquei indiferente, pois, embora em situações pessoais diferentes, com certeza, o poema refere-se a alguém que a autora conheceu na Sérvia e também eu conheço muito bem alguém da Sérvia, e que me transmitiu exactamente os mesmos sentimentos que o poema refere acerca da posição dos sérvios durante a guerra dos Balcãs.

Aqui deixo a transcrição do belo poema e também do comentário que lá deixei.

“E depois há uma música
Que é sempre a mesma
Que são muitas outras
Que é sempre a mesma
Que eras sempre tu
E depois disseste-me, com a voz nas pálpebras:
Eu não tenho esses séculos de fronteiras
Eu não tenho a paz de saber das minhas memórias
Eu não sou eu até que me não doa a casa magoada do meu tio
E a grávida morta porque morta antes a mulher do assassino
E por isso dizias-me, sem uma lágrima na voz:
Isto é só isto é a dor da identidade; de que falas, Isabel?

E depois agarravas uma viola e era uma outra voz
Que era sempre a mesma
Que eram muitas outras
Que era muito tua
E o som da tua voz inutilizava o significado das palavras
Que não entendo
E que me dizia tudo
Um tiro de raízes ciganas, pelo meio de todas muçulmanas, croatas, albanesas
E as tuas, isso que projectava a pergunta: de que falas, Isabel?
Os olhos cerrados de um sérvio a recuar aos sons
Que eram tantos
Que eram muitos outros
Que terão sido sempre aqueles
Cantados antes que gritados
Ou chorados
Ou sangrados
De que falas, Dragan?
E tu a dizeres: eu preciso de tempo
E que fosse a partir de um sítio com o nome de lugar novo
E assim a dizeres-me, de viola na mão, que precisas de viver
Com a paz muito sofrida da palavra eu.”

O meu comentário:

Dá-se o caso que também na minha vida há um "Dragan" e que através dele, fiquei a conhecer não só melhor a nação sérvia, mas também muito do que desconhecia que se passou na terrível guerra dos Balcãs e que aqui chegava, tantas vezes distorcido pelas agências noticiosas reconhecidamente anti Servia.

Houve nomes de que os sérvios se envergonham, com Milosevic à frente; mas houve também nomes que deviam envergonhar croatas e bósnios.

Mas é sempre conveniente arranjar bodes expiatórios.


E para terminar, uma música bem representativa daquele país.

18 comentários:

  1. Thank you for this...thank you. There are no innocent sides in war, there are not black and white, there are no cowboys and Indians.
    Nowadays, wars are not just fighting between people but more and more propaganda.
    Unfortunately, Serbs have been represented as bad guys and it`s very hard to clear our name.
    Nobody wanted to hear our story, our version...
    Now it`s not so important cause we`ve lost so many things that we can`t return. Just need to turn the page and to try to live with our neighbours a little more normally and show ourselves on better way.

    Obrigado! Amo-te chako pako!

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  2. Do you know I feel myself a little bit as a serbian citizen?
    And I am very proud; I think you know that...
    Volim te, chako pako!

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  3. belíssimo o poema, Pinguim, e que bom tu tê-lo encontrado para partilhares connosco. e belíssimo também o comentário que o Déjan deixou aí em cima, tão sábio e reconciliador, tão voltado para o futuro.
    abraços a ambos

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  4. Miguel
    claro que tirei as óbvias conexões deste poema com o meu caso e daí este post.
    Fiquei particularmente orgulhoso com o comentário do Déjan, pois mostra o seu carácter, a beleza do seu interior: emocionou-me até!
    Abraço grande.

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  5. Bom dia Pinguim!
    Os países escondem tantas verdades quantas mentiras! Deixam passar a mensagem para fora só com o conteúdo que interessa. Será sempre assim se não houver quem lute pela verdade. Mas a verdade de uns não é a verdade de outros só os factos e os ideais a distiguem.

    O poema é um grito à deriva, um grito inquieto de dor e revolta.

    um beijinho

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  6. MZ
    e há outros a quem a verdade dos factos é negada, vilipendiada e distorcida à medida de interesses de terceiros que provocam os tais gritos de que falas: de dor e de revolta!
    Beijinho.

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  7. It was my idea to write my comment in English whilst reading this post, as I wanted to convey my words to Dejan as well...
    And to my surprise he was the first one to comment:)

    The first thing that came to my mind whilst reading this, was the conversation we all had at your place, when Dejan was explaining us the difficulties they endured during the war and all the atrocities that had been commited...God knows why...

    In any case, I believe Dejan and you Pinguim, have already said everthing, and the poem screams more than words.

    A very big hug for both of you my friends!:)

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  8. Obrigado, meu caro Hydra, pelo teu comentário em inglês, mas até é bom que o Déjan vá praticando português e ele tem uma especial aptidão para o efeito.
    Por isso estou a responder em português e a dizer a satisfação de te ter proporcionado o relato da boca dele desses acontecimentos terríveis e tão distorcidos que aqui chegaram.
    Eu gostaria de algum dia ter a coragem que o Déjan e a sua família tiveram na altura: uma família sérvia a viver numa cidade croata, depois assistir ao bombardeamento das principais estruturas do poder político sérvio, em Belgrado, ali mesmo à sua porta, na mesma rua (apenas escancarava as janelas para os vidros não se partirem),, mas acima de tudo sofrer enxovalhos deste mundo "civilizado" ocidental, só pelo facto de ser sérvio.
    Para ele e para os sérvios toda a minha homenagem.
    Obrigado, Amigo, por me teres dado aso a mais estes apontamentos.
    Abraço grande.

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  9. Gosto de ler, viver estes momentos sentidos e plenos. Obrigado por deixar-nos tomar parte deles!!!!!!!!!

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  10. Ricardo
    sempre fui extrovertido e sempre me habituei a exteriorizar os bons e maus momentos da minha vida; isso é fundamental para mim, não interiorizar demasiado aquilo que é verdadeiramente importante; claro que há limites que a privacidade aconselha, mas até os atingir, não tenho medo de os mostrar. Ao menos quem me conhece, conhece-me bem...
    Abraço grande.

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  11. A História tem sempre várias histórias...mas a verdade costuma surgir mais cedo ou mais tarde.
    Linda "mensagem" a do poema!
    Abracinho

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  12. Maria Teresa
    as diferentes histórias é que fazem a História, mas esta escreve-se e "lê-se" demasiado tarde, por vezes...
    Sim, o poema lindo e a mensagem transmitida é real.
    Beijinho.

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  13. Antes de mais Pinguim muito obrigado pelo poema e pela música que eu desconhecia. Sabes é assim que se formam mitos, estereótipos e preconceitos sobre determinados países e sobre os seus povos. As vezes basta um individuo que se sobressaia para já considerarmos todos os que estão no mesmo grupo como tendo as mesmas características. De qualquer modo estou certo que o Déjan adorou este pequeno presente. Um abraço para os dois. ;)

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  14. Olá PSI
    o poema é muito belo e é incrível como num poema, tanto se diz sobre tanta coisa: parabéns à autora.
    E também tens razão no facto de se criar uma fama, geralmente pouco abonatória, como consequência de factos, que existiram, sim, mas que foram, e de má fé, contados de forma tendenciosa e omitindo factos.
    O Déjan, sim, gostou muito; não foi preciso ele confessá-lo, pois eu conheço-o bem e quando alguém defende o seu povo e o seu bom nome, fica feliz.
    Abraço grande.

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  15. Olá Caro Amigo

    Achei belissimo o poema e o video tocou-me profundamente.
    Obviamente que não entendi nada do que foi cantado, mas olhei para este vídeo como se estivesse a ver um pequeno resumo do que é a vida de um povo que não deixam viver em Paz. Um povo que quer viver, amar, ser feliz, mas que ao longo dos tempos tem sido empurrado para lutas sanguinárias que a nada têm levado... Contudo, simultâneamente, um povo que não desiste e não se rende, sempre pronto para o sacrificio supremo!
    Um momento belíssimo que está aqui, na conjugação do poema, do video e da reafirmação dos teus belos e poderosos sentimentos.
    Um abraço grande.

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  16. Com senso
    deste uma ideia perfeita do que tem sido a luta do povo sérvio.
    Eu sou um privilegiado por saber bastante, não só sobre os acontecimentos trágicos do virar do século, mas também um pouco da história passada.
    A "independência" do Kosovo, imposta por americanos e alemães, principalmente, amputou-lhes a alma, pois foi precisamente no Kosovo que a pátria sérvia nasceu.
    E agora, para poderem chegar a um patamar que lhes possibilite um dia, quiçá, fazer parte da UE, sujeitam-se a politicamente fazer o que a comunidade internacional lhes impõe.
    E isso é perigoso, pois o temperamento geral do povo sérvio não é tão "macio" como o Déjan e não gosta mesmo de sujeições...
    Quanto ao poema é lindo e chega a ser comovente.
    Abraço grande.

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  17. pegaste muito bem no poema! de facto não lhe tinha prestado qualquer atenção e é muito interessante. bem escrito e sensível.
    de facto, a história está tudo menos só de um lado da questão. se não mais, há sempre pelo menos duas faces da mesma questão; e entre bons e maus é sempre difícil achá-los impolutos.

    grande abraço!

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  18. Paulo
    fiquei surpreso quando li este poema da Isabel Moreira, que sempre me habituei a ver muito pragmática, muito "legisladora", mas sempre do lado correcto da barricada.
    Agora vejo-a, da mesma maneira, no lado correcto da barricada, mas muito mais humana, mais intima e senti-me muito perto do que ela escreveu e daí , ter ousado deixar-lhe um comentário, e ter feito este post que tem como origem esse mesmo poema.
    Abraço grande.

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Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!