quarta-feira, 30 de julho de 2014

Do entusiasmo à desilusão

Depois de uma normal reacção de satisfação pela publicação de um livro da minha autoria, e da qual aqui dei testemunho, eis que me atinge uma certa desilusão e tristeza pela forma como o mesmo livro tem sido publicamente apresentado.
Devo agradecer, primeiramente, todas as manifestações de agrado que recebi, quer em forma de crítica no Goodreads, quer nalguns blogs; permito-me aqui distinguir o texto do Miguel no Innersmile.
Ainda ontem, o Ribatejano publicou no seu blog a foto que aqui deixo no início da postagem.
Então, o que me desapontou e entristeceu?
Apareceram publicamente duas notícias sobre o lançamento do livro.
A primeira ontem, no site do “Dezanove”, site gay como a maioria das pessoas deve saber e que apresentava o título da seguinte forma
O livro do capitão homossexual do exército português no Ultramar
E tudo isto porquê?
Porque entre muitas crónicas de que falo no livro, há uma e que eu assumo como importante, não o nego, sobre a homossexualidade durante a guerra colonial.
E há também na conclusão uma alusão à importância que os meus tempos em África tiveram na minha vida futura no campo da vida sexual.
Será que isto transforma o meu livro num livro gay?
Penso que não, e por isso ao ver o abusivo título pus no site o seguinte comentário:

 “Olá. Gosto de ver aqui uma notícia sobre o meu livro, é um facto, e fico agradecido. Mas parece-me um pouco deslocado o vosso título. Eu não sou "o capitão homossexual do exército português no Ultramar", mas apenas um capitão miliciano que fez a guerra colonial e falou dela abertamente, sem medo, mas em que a abordagem homossexual é apenas um capítulo, e parece-me abusivo tomar o todo pela parte. Não tenho qualquer problema em assumir a minha orientação sexual, mas sempre defendi em toda a minha vida que esse facto não me impede de ser uma pessoa normal. E assim ao ser apontado como "o" capitão homossexual, não me identifico como tal, pois não foi nessa qualidade que lá estive. É pena que se tenda sempre a fazer um gueto destas questões; sempre lutei contra esses guetos...”

Claro que o comentário foi publicado e foi mudado o título para “ O livro do capitão do exército português no Ultramar”.

Hoje foi a vez de o livro aparecer na secção gay da revista “TIME OUT” – Lisboa, mais uma vez com um título enganador
HOMOSSEXUAIS NA GUERRA
E assim o meu livro deixou de ser um livro de crónicas para ser encarado como um livro que faz a reportagem da vida gay na guerra colonial e nada mais.
Até parece que eu andava por lá a promover a homossexualidade (salvo o devido exagero, claro)…
Sempre primei a minha vida, desde que me aceitei como homossexual e o fui assumindo normalmente às pessoas importantes da minha vida – família e amigos, na base de que ser homossexual nada muda na maneira de ser das pessoas – elas são gente normal, com defeitos e virtudes, vivem, trabalham, pagam os seus impostos, têm bons e maus momentos, como toda a gente.
E tenho-o conseguido com o exemplo da minha vida.
E é agora com o aparecimento de um livro que me deu gosto escrever e que escrevi, como sempre faço, com sinceridade e de “coração nas mãos”, que sou apontado publicamente como gay, sem haver sequer uma referência às outras partes do livro que são a quase totalidade do livro.
Tenho que concluir que, na generalidade, os gays constituem um grupo de pessoas que parece terem prazer em se autonomizar como tal, formando um gueto, quando eu luto exactamente pelo contrário.

28 comentários:

  1. Por vezes, somos mal entendidos, muito mal entendidos

    Abraço amigo João

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  2. Francisco
    mais que isso, propositadamente mal interpretados...
    Abraço amigo.

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  3. João, só me apetece aqui citar as palavras certeiras do Miguel no innersmile: "o que se trata aqui é de memórias, de um relato pessoal, diria mesmo íntimo, da vida de um jovem português, estudante na capital do império, a quem um dia chamam e dizem: toma lá uma espingarda, vais para a guerra. Por isso o livro é a história dessa passagem pela guerra, mas é sobretudo a história de como o João a viveu: com humor, até mesmo com um certo desprendimento, tentando fazer as coisas certas, com sentido de justiça e de honra; mas a honra pessoal, não a dos grandes feitos pseudo-heróicos, mas a de quem tenta safar-se daquele inferno trazendo íntegro aquilo que é essencial: o corpo e a dignidade."

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    1. João
      sem dúvida, a análise do Miguel é a mais correcta que já encontrei, aliás na linha de tudo o que ele escreve. Tem o dom não só da escrita, mas também da percepção do entendimento total daquilo sobre o qual escreve.
      Abraço amigo.

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  4. João, acho muito bem que fiques indignado, não versando o livro sobre a homossexualidade mas sim sobre as tuas aventuras e peripécias em África. Todavia, faz este raciocínio comigo: boa ou má, correcta ou incorrecta, é publicidade, e pode ajudar na divulgação e venda do teu livro.

    A homossexualidade ainda é tratada como reduto - até pela imprensa que se diz especializada. Parecem notícias directamente chegadas dos anos 90.

    abraço.

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    1. Mark
      é o velhinho ditado "quem não se sente, não é boa gente".
      Sinceramente preferia passar sem esta publicidade, acredita.
      Abraço amigo.

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  5. Caro João
    Como não li o livro não posso comentar, mas sei que é excelente. Todos os capítulos devem ser interessantes. Eu entendo a tua indignação, porque a notícia desvirtua o tema central do livro.
    Parece-me que, a comunicação social gosta de títulos que despertem a curiosidade de vários públicos. O que interessa é vender. Visto desta forma, não deves valorizar o assunto.
    A homossexualidade só deixará de ser assunto quando a sociedade puser de lado o preconceito e respeitar cada um na sua individualidade. A legislação que tem sido aprovada, e as figuras públicas que têm assumido posições em defesa dos direitos humanos é positiva.
    Um abraço. Lídia

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  6. Olá Lídia
    antes de mais sinto-me honrado com a tua presença neste meu cantinho; aqui sim, sinto-me bem, sou eu e as pessoas vão-me conhecendo...
    Quanto aos factos relatados, eu sei que há nos dias de hoje, apesar de irem proliferando as "open mind's", um infindável número de pessoas que "pega" numa coisa pequena para insinuar, maldizer, criticar...o tal lado preconceitoso de que falas. Curiosamente não é disso que tenho medo e seria ridículo mesmo na minha idade ter qualquer receio desse género.
    O que me revolta é o desvirtuar de uma obra, independentemente do seu valor, "carregando" numa tecla que deveria ser encarada com normalidade. É por casos deste tipo, em muitas situações da vida, que há gente que foge (diferente de ter medo) a expressar sentimentos, a contar histórias, a falar de si e de coisas bonitas que seria tão bom partilhar...
    Beijinho.

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  7. Putz, que cocô!! Parece que esses imbecis ainda acham que precisam rotular dessa forma para atrair a atenção do público consumidor gay. Triste. Mas pelo menos (um deles?) deu uma melhoradazinha...

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  8. Edu
    triste, mas verdadeiro. Sim, deu como dizes uma melhoradazinha, mas "a pedido"...
    Beijo.

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  9. eu tenho muita preguiça de conceder entrevistas por causa disto, a imprenssa, com honrosas exceções, adora mudar o que É para o que eles GOSTARIAM QUE FOSSE para dar mais sabor á materia ou ao título! um saco! vc fez muito bem em reclamar! abs e parabes pelo livro!

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    1. Olá, Amigo
      obrigado pela sua visita.
      É verdade que os "media" gostam sempre de deturpar a realidade dos factos a favor dos seus interesses e não olham a meios para obterem o que pretendem.
      Abraço.

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  10. Caro João, já te transmiti de viva voz a minha opinião, mas não quero deixar de a registar aqui, até porque entretanto já li o artigo da Time Out.

    E começo por dizer que gostei do artigo, acho que está bem feito, tem um contexto, e uma estrutura: fala do livro, fala do tema e fala do autor. Claro, o título, e o próprio artigo, é uma leitura parcial e limitada do teu livro. Mas, enfim, é a leitura que interessa à revista e, supõem os editores da TO, que interessa ao público que a lê. Como te disse, fiquei orgulhoso do teu livro ter merecido aquele destaque e espero que isso contribua para haver mais gente a lê-lo; mais não seja, porque algumas dessas pessoas que eventualmente o vão ler "atrás" do chamariz da homossexualidade, podem vir a descobrir, de forma positiva, que o livro é muito mais do que isso.

    Dito isto, compreendo muito bem o teu desapontamento, quer em relação ao artigo da TO quer em relação ao post do Dezanove. Só quem não faz ideia do que foi a guerra e não tem a mais pálida noção do que significavam as comissões militares nas colónias, em particular as que se passavam integralmente, ou quase, no mato, pode achar que as tuas memórias da guerra colonial (as tuas como as dos outros todos que por lá passaram, escritas ou não) se limitaram ao aspecto da homossexualidade.

    De certa forma eu percebo, ainda que tenha dificuldade em aceitar vindo sobretudo de quem tem a responsabilidade de escrever nos media, que haja uma certa vontade de valorizar, quando não mesmo de glamourizar, as experiências (homo)sexuais dos militares. Afinal, não é em vão que a iconografia militar tem um certo peso no imaginário homo-erótico. Ou mesmo, como até poderá ser o caso, valorizar a experiência homossexual como uma espécie de contracorrente, ou mesmo até de contrapoder, em relação ao regime e à sua triste campanha colonial, dando-lhe uma conotação política ou mesmo até subversiva. Já acharia mais infeliz, e espero que não seja o caso, que essa valorização do aspecto homossexual não passasse de uma certa atracção pelo escândalo sensacionalista.

    Seja como for, João, o que eu acho importante, e já te disse ontem, é que tu não deixes que estas leituras mais parciais diminuam o valor do livro que escreveste. Posso te garantir que, pessoalmente, essas leituras não beliscam o quanto eu apreciei o livro, e a sua importância, quer para mim, quer para o acervo de memórias e testemunhos que é importante o país guardar de uma experiência violentíssima, mais não seja em nome dos milhares de vítimas, portuguesas, é claro, mas também moçambicanas, angolanas ou guineenses. Inclusivamente, à medida que o tempo passa, e a lei da vida vai actuando, é cada vez mais importante que esses homens que gastaram a sua juventude na guerra, divulguem os seus relatos.

    O pior inimigo de um povo, como sabes, é a sua falta de memória histórica, e, para te falar com franqueza, eu acho que os portugueses sofrem muito dessa doença. O valor do teu livro, e esse é intocável (apesar dos gritinhos excitados das bixas - estou a brincar, espero não ofender ninguém, credo!), é o de sacrificares, com generosidade, as tuas memórias mais íntimas, e até dolorosas (sim elas também estão no livro), para nosso benefício.

    um abraço

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  11. Miguel
    aceito o que tu dizes e ser-me-ia até bastante fácil compreender como positivo o resultado destas duas "publicidades" se não houvesse o óbice que continuo a achar fundamental do desvirtuamento do livro. É a única razão pela qual me sinto triste e se no caso do Bruno Horta (Time Out), tenho a certeza de que ele leu o livro todo, já no caso do "Dezanove", quase de certeza que não...
    Não é a minha homossexualidade exposta que me preocupa, como sabes, até porque se fosse esse o caso, nunca teria feito as considerações que fiz - gostava é que as vissem relativizadas à sua natural dimensão, o que sei ser difícil, dado os órgãos onde as referências apareceram serem de índole gay (a secção da TO onde apareceu o artigo é a secção gay).
    Abraço amigo.

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  12. Gostaria de dizer-te algo que fosse agradável e substancial referente ao teu esforço e dedicação ao livro.
    Gostaria de adquirir um , mas por aqui não é fácil e depois perco-me aqui no jardim e com a bicharada. Pode ser que entretanto também consiga publicar o meu. Aos poucos e nas madrugadas frias aqueço-me com a força das memórias e das letras que se soltam dos dedos numa ânsia de serem livres e serem de todos sem cores,credos nem outras barreiras que não seja a da amizade e da partilha.
    Deixo-te um abraço. Um dia hei-de encontrar esse livro e prometo que enquanto não o ler todo não descansarei.
    A vida na Guiné foi difícil. Já passou e agora nem somos heróis nem somos nada.

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    1. Luís
      não sabia que tinhas estado na Guiné. Como conheci a realidade da guerra naquele território, posso imaginar quão difícil tenha sido para ti.
      Se achas que consegues ler o livro no computador, posso enviar-te o PDF. Caso queiras encomendá-lo impresso basta fazer o pedido à Bubok. Gostaria que o lesses, pois decerto, tendo estado lá, decerto compreenderás melhor muitas coisas.
      Abraço amigo.

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    2. Se me fizeres esse favor agradeço-te muito.

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    3. Luís
      tens que mandar-me o teu e-mail, ou pelo Google+ ou dirigido ao meu jcroque@zonmail.pt.
      Abraço amigo.

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  13. ainda não li o artigo da TO, mas é muito redutor resumir o teu livro dessa forma. tu não mereces. de maneira nenhuma foi esse o teu intuito ao escreveres as tuas memórias. olhando por outro prisma, a revista daria realce se fosse um capitão miliciano hetero? não creio. eu também não concordei com o título do 19 e nem foi preciso tu mo dizeres.
    não te preocupes assim tanto, contudo. quem for ler na perspectiva de ver episódios homossexuais, bem, sairá desapontado. e isso nem é o mais importante. são pedaços da tua vida assim escritos de uma maneira tão pessoal como só tu sabes relatar, emoções difíceis de lidar e quem hoje terá 25 anos, como tu tinhas naquela altura, se não passou por cenas semelhantes, só poderá imaginar o quão difícil foi...
    bjs.

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    1. Obrigado, Margarida, pelo teu apoio. Já estou maus conformado. O João tem sido muito amigo e tem publicado nas redes sociais, extractos de outras partes do livro para mostrar que não é de todo, um livro gay.
      E tenho uma novidade para ti, em primeira mão: sim vai haver mais um livro, lá para o começo do ano...E esse terá bastantes coisas gay, mas é ou será um livro diferente. Não me assusta minimamente assumir o que sou, só não gosto que desvirtuem o que eu escrevo.
      É tudo.
      Beijinho.

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    2. Ehehehe.... rumores confirmados pelo autor... muito bem!
      E também gostei da mudança da música de fundo deste post! :D

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    3. João
      são só rumores...
      Quanto à mudança da música de fundo ela está relacionada com a nova postagem, que é mais uma sobre viagens...
      Abraço amigo.

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    4. Margarida
      não há nada de concreto, ainda.
      Mas se houver vai ser um livro maior e mais variado, mas sempre com o "eu" como personagem principal.
      Beijinho.

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  14. Fortíssimas e adequadas metáforas, que ilustram de forma excelente a tua postura, com a qual estou totalmente de acordo! Abraço, amigo.
    Justine

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    1. Justine
      eliminei antes de publicar aqui o teu comentário, mas consegui recuperá-lo e publiquei-o com Anónimo, mas assinado por ti, é óbvio.
      Já estou mais refeito do "choque", porventura pela ajuda e compreensão dos Amigos, nos quais te incluo, é evidente.
      Beijinho.

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  15. After so many difficulties I finally translated the post and your message that you have shared on your blog! I totally support your attitude about the book and reaction about the confusion and the misunderstanding that have been made. I am so proud of you moe wonderful chakopako!!!! Regards to all friends from Dejan

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    1. My love
      thanks for your support.
      I know you and I understand how difficult is for you to live in a contry so homophobic like Serbia is, unhapply. But even in a very tolerant country as Portugal, there are always problems with the way to understand the gay life as a normal life, my God.
      I adore you.
      Kisses

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