sexta-feira, 4 de julho de 2014

Poesia Matemática


Poesia Matemática

Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
 no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial. 
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária. 
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade como aliás em qualquer
sociedade.

Millôr Fernandes

20 comentários:

  1. tivesse sido o Millôr meu professor no nono e eu não tinha chumbado (por faltas, bem entendido :D )
    bom fim-de-semana.
    bjs.

    ResponderEliminar
  2. Margarida
    e tivesse sido eu apenas professor de outras matérias e não de matemáica, como infelizmente fui, tinha sido professor até me reformar e com uma pensão bem melhor que a que tenho, apesar de todas as "malandrices" que os pensionistas do Estado têm sido alvo.

    ResponderEliminar
  3. ó pá, o Millôr era genial. e se todo o poema, linha a linha, é fabuloso, então o final é, como o próprio Einstein, estratosférico.

    ResponderEliminar
  4. Miguel
    não tenho como duvidar do que escreves. Tende-se a menorizar o talento de quem escreve sátira, em prosa ou verso, o que é uma imensa estupidez, e Millor Fernandes foi talvez o exemplo mais lúcido disso mesmo - fabuloso em toda a sua escrita.
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  5. |||| Genial ||||
    As palavras bebem-se e mastigam-se.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. João Eduardo
      permite-me apenas completar o teu interessante raciocínio- "...e digeram-se."
      Abraço amigo.

      Eliminar
  6. Apesar de eu trabalhar na área financeira eu não sou muito amigo da matemática....
    Esta poesia é bem criativa..... Estupendo.....
    Abraços!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ro
      acho que segues a regra geral, no que diz respeito à matemática.
      Já no geral, tal nada afecta que se aprecie a originalidade fabulosa do teu compatriota.
      Abraço amigo.

      Eliminar
  7. Está Fabuloso

    Só gostei de Matemática até ao 9º ano depois mudei para Filosofia até 12º ano :D

    ResponderEliminar
  8. Sim, Francisco, está mesmo fantástico.
    Quanto ao gosto pela Matemática apenas seguiste a regra quase geral; a Filosofia, não sendi muito escolhida para estudo é muito mais atractiva, pelo menos para mim.
    E olha que eu fui professor de Matemática...
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  9. Olá, João.

    Ora cá está mais um gosto que temos em comum!

    Gosto muito do sentido de humor, algo cáustico, que Millôr Fernandes colocou em muitos dos seus poemas e crónicas, assim, como adoro os seus cartoons.

    Este Poema Matemático, também o publiquei há já bastante tempo, mas, deixa-me dizer-te que o ilustrei com uma imagem muito mais ao 'sabor' do poema...:)

    Ora vê lá : "O MEU TRIÂNGULO AMOROSO"

    Espero que o link saia directo. Como tens moderação não posso confirmar já. Depois, volto para ver.

    Beijinho

    ResponderEliminar
  10. Janita
    quando publicaste o "O MEU TRIÂNGULO AMOROSO" eu ainda não devia sguir o teu blog, pois caso contrário teria comentado, coisa que não fiz.
    A foto está original e faz todo o sentido com o título que deste ao post; apesar de tudo e visto eu ter escolhido um título mais genérico, uma foto do tipo da tua ficaria não completamente adequada à totalidade do poema. Daí eu ter escolhido uma foto "abstracta" de algo matemático...
    Beijinho.

    ResponderEliminar
  11. Justine
    era perfeito em tudo o que escrevia.
    Beijinho.

    ResponderEliminar
  12. Matemática, realmente, só na poesia. :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mark
      eu não diria exactamente isso, mas sim: entre a Matemática e a Poesia, definitivamente esta última...
      Abraço amigo.

      Eliminar
  13. A Matemática assim dada teria muito mais interesse e quem sabe, os alunos se sentissem mais motivados! ^^
    Eu sentir-me-ia, certamente.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. João
      estás como eu.
      Simplesmente, a incongruência é que eu fui professor de Matemática...
      Abraço amigo.

      Eliminar

Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!