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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Consecuente


A vida acontece e toda a gente que passa na nossa vida leva alguma coisa de nós.
Alguns levam mesmo tudo.
Consequência de se viver permanentemente sobre o fio da navalha?
O tempo realmente cura todas as feridas? E se sim, quanto tempo demora para voltar a crescer a esperança?
"Consecuente" é uma obra de Juanma Carrillo, que resultou de uma perfomance/videoterapia ocorrida em Madrid, em Março de 2010 e teve a participação de 20 actores.
Juanma Carrillo é o autor de variadas curtas metragens, algumas delas bastante polémicas, com especial destaque para "Cannibales".

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Dizer adeus custa tanto


Full of feathers, full of feathers lay me down
And with more feathers, more feathers stand up
On my chest, I was already on my chest
This way, the way you want both

Despair, I despair for my
Within me, within me the punishment
Do not want you, I say I do not want you
And at night, I dream of you at night

If you think that one day I shall die
In desperation I have to you do not see
I extend my shawl, I extend my shawl on the floor
I extend my shawl and let me sleep

If I knew, if I knew that dying
Thou hast me, thou hast me crying
On a tear, a tear by your
What joy would kill me

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Inverno do nosso contentamento

Pois aqui estão algumas notícias (e fotos) desta minha estadia em Belgrado.
Pela primeira vez, o Déjan tem um trabalho e um horário a cumprir, pelo que tem sido diferente das outras vezes; ele está na sua primeira etapa do estágio, duas semanas numa clínica pediátrica, onde faz geralmente o período da manhã (das 8 às 16), pelo que durmo bastante pela manhã, vou comer alguma coisa fora, ou sobras do jantar do dia anterior, em casa, e depois espero por ele no centro da cidade, pois a clínica é longe, na outra margem do Sava, em Nova Belgrado.
Encontramo-nos  num café, ou passeando, o que não é muito conveniente, devido ao muito frio
e depois vamos para casa, onde cozinhamos e jantamos; às terças e quintas ele tem aulas de alemão, pelo que eu venho mais cedo para casa, e ele vem às oito, depois das aulas.
Outras vezes jantamos fora, geralmente nos mesmos 3 ou 4 restaurantes que já conhecemos e que são bastante acessíveis em preço.
No dia de folga dele fomos visitar o museu do Red Star, que é assim um espécie de Benfica cá do sìtio, e lá descobri coisas muito interessantes, relacionadas com o meu clube do coração, como esta caravela em filgrana oferecida quando de uma visita do Red Star à nossa Catedral
O Benfica foi o clube convidado para a inauguração dos jogos nocturnos no estádio, que se chama Maracanã, pois é enorme.
Desta foto pode ver-se lá atrás a Catedral de S. Sava, a segunda maior catedral ortodoxa de mundo, depois da de Moscovo.
Temos falado bastante no futuro próximo, que não será fácil, pois ele tem durante um ano o estágio, o que o limita muito, e nem sabe se terá férias ou quando as terá.
Mas é uma etapa fundamental para a sua vida futura, que está praticamente definida como passada na Alemanha, onde o curso de medicina daqui é reconhecido sem necessidade de exames de equivalência e tem assegurada colocação devido a bons contactos que tem ali, como o presidente da Mercedes Benz, em Stuttgart, onde vive uma família sérvia muito sua amiga; só não saberá para que cidade.
Mas, a partir do princípio do próximo ano, já a trabalhar e a ganhar bom dinheiro, as coisas mudarão para nós, já que pode ele contribuir para as despesas dos nossos encontros, que poderão ser mais frequentes, mas de menor duração, espaçados pelo ano, e também com diferentes destinos.
Entretanto está mesmo muito frio, e na noite de sábado a cidade ficou coberta com um manto de neve, e era este o aspecto da parte central do pátio da casa do Déjan, visto de uma das janelas
Ainda queremos passar, como é sempre hábito quando aqui venho, pela mais bomita igreja de Belgrado, S.Marcos e deixar umas velas que aqui têm uma particularidade: nos locais para a sua colocação, há dois níveis - no de cima deixam-se as velas pelos vivos, e no de baixo, as velas pelos mortos. E eles beijam todos os ícones, com uma enorme devoção.
Anda tudo muito bem protegido do frio e eu devia ter comprado um gorro para a cabeça e ouvidos…

E já estou na recta final da estadia, pois sexta de manhã, tenho que apanhar o autocarro do aeroporto, aqui perto de casa, às 4,20 já que o voo para Londres é às seis e são 35 minutos; mas já tenho o cartão de embarque pelo que vou a tempo.
Ficarei um dia em Luton, no mesmo hotel onde fiquei à vinda e lá passarei o dia, descansando e esperando pelo voo de sábado de manhã para Lisboa.


Tenho visto os blogs, mas de cima para baixo, pelo que tenho apanhado quase só os blogs que não comento, mas me dão muita informação para o Pintrest; apesar de tudo, já deu para comentar meia dúzia deles, pela ordem que me vão aparecendo, mas prometo visitar todos.

E este mundo é tramado, pois embora seja maravilhoso estar aqui com o meu amor, sinto a falta da minha casa, da família e dos amigos…e das gatas, claro. 
Trouxe três livros para ler e estou a acabar o terceiro…
Até breve.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Belgrado, que saudades...

Gosto muito desta foto de Belgrado, tirada da margem esquerda do Sava, onde cresce a Nova Belgrado, em frente da velha, histórica e central Belgrado de sempre.
O Sava nesta fase do seu curso está quase a confluir com o imenso Danúbio, e assim esta cidade está na confluência de dois grandes rios.
É uma foto de Inverno, o mesmo Inverno que possivelmente irei encontrar depois de amanhã, sexta feira quando chegar ao aeroporto Nikola Tesla, em homenagem ao grande físico jugoslavo, um dos maiores de sempre.
Há cerca de ano e meio que não visito Belgrado e tenho já muitas saudades da cidade, a que já me habituei e da qual gosto muito, da cidade e das suas gentes.
Claro que terei o Déjan à minha espera, que me visitou em Outubro, e esta estadia terá um cunho algo diferente, pois pela primeira vez o Déjan já não é o estudante ansioso por acabar o curso, mas que podia gerir o seu tempo à vontade, para ser o licenciado a fazer o seu estágio, com horários a cumprir (começa amanhã mesmo).
Assim, vou estar mais tempo só, o que me dará aso a passear pela cidade, sem destinos específicos, mas descobrindo pormenores talvez desconhecidos; e depois será tão bom, recebê-lo em casa, no regresso do trabalho, a contar o seu dia, e com ele usufruir as horas livres. Para ele, nas poucas vezes que teve que sair sem mim em visitas anteriores, era sempre uma imensa satisfação ao entrar em casa e ver que alguém estava à sua espera.
Vai estar frio, mas isso não me preocupa, pois vou sentir um calor que tanta falta me faz, nestes tempos em que estamos separados.
Entretanto, amanhã durmo num hotel Ibis, mesmo pertinho do aeroporto de Londres (Luton) e devo dar um salto à cidade, que também nada de interessante tem a ver.
Vou continuar atento às vossas postagens, mas possivelmente menos “comentador” do que é normal e também pouca coisa devo postar durante estas duas semanas.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Cinema e música - 4

Há filmes,que embora não sejam musicais,ficam para sempre ligados a uma determinada música, não a música original do filme,mas sim uma canção, a ponto de que ao ouvirmos essa canção,de imediato os nossos sentidos nos levam ao filme.
Escolhi três filmes,melhor será dizer três canções que exemplificam muito bem esta situação
A primeira é interpretada pela inesquecível Judy Garland, no filme "O Feiticeiro de Oz",a melodia que já foi interpretada vezes sem conta por tantos e tantos cantores "Over the Rainbow"
A segunda faz parte do filme que porventura já mais vezes passou nas televisões de todo o mundo e contunua a merecer um público que não se cansa de ver Ingrid Bergman e Humphrey Bogart a despedirem-se num aeroporto e a pôr fim a um romance que tem, como quase todos os romances têm, uma música que Ingrid pede a um pianista que toque e cante uma vez mais; "As Time Goes By" é a canção que toda a gente já ouviu vezes sem conta, no filme "Casablanca".
Finalmente, uma canção que tem um papel muito importante no desenrolar da acção do próprio filme, quando uma mãe canta uma conhecida canção que o seu filho conhece bem,e a canta o mais alto possível,para que o miúdo, sequestrado naquela casa, a possa ouvir e lhe dê a ela e ao marido (James Stewart) a possibilidade de localizar o sítio onde ele está,através do assobio com que o miúdo costumava acompanhar esta canção que a mãe cantava; a música é muito conhecida "Que será, será", na voz de Doris Day e está no filme de Hitchcock "O Homem que Sabia Demais"

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Sete anos de felicidade*

O meu primeiro post deste novo ano vai directinho para o Déjan e há uma razão mais que justificativa para isso. No passado sábado, dia 29 de Dezembro fez 7 anos que o conheci.
Foi um conhecimento virtual que se foi desenvolvendo gradualmente, se foi cimentando num amor construído na base de uma dádiva mútua, sem reservas, talvez até por estarmos físicamente separados. Foi demorado o primeiro encontro, sim, é verdade, mas só se dá um passo tão importante, como uma deslocação de milhares de quilómetros, se se tem a quase garantia de que tudo vai dar certo; e só não era uma garantia total,porque há questões de ordem mais intima que são importantes para uma relação que têm que ser vividas em conjunto.
E quando em Setembro de 2006, nove meses depois de nos termos conhecido, finalmente nos sentimos totalmente realizados, nada havia a obstar á afirmação de um amor forte. Tão forte que tem resistido às distâncias e separações, às diferenças de compreensão da nossa situação afectiva, por parte dos meus familiares, dos meus amigos e do meu país socialmente considerado, em contraponto aos familiares, amigos e país, especialmente no que concerna a um relacionamento afectivo entre duas pessoas do mesmo sexo. Neste final de ano, algo aconteceu que vai ter um efeito a curto prazo, positivo, nas nossas vidas - o Déjan acabou os seus estudos, em termos de classificações e a breve prazo poderá começar a ter o proveito do seu trabalho, passando a não estar dependente do Pai, o que é muito importante.
E se não antevemos, para já, um viver comum, podemos prever que vivendo ele depois na Alemanha tudo será mais fácil para ambos.
Mas o que realmente importa é o Amor que nos une, o Amor que tem sido, dia a dia reforçado e vai continuar a ser.
 I love you, I need you, I miss you!!! And I am completly sure you can tell the same.
VOLIM TE, CHAKO PAKO.
 See you today one mounth, at Belgrade airport. And have a nice trip to Canadá and a very good time there, with your family.

*Só hoje reparei que esta postagem estava errada, pois de início referia "Seis anos de felicidade", quando na realidade são sete. E nem o Déjan reparou no erro...Seis ou sete, não importa, são anos de muita felicidade.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Ponto final...

Não, não finalizei coisa nenhuma com o Déjan - até tenho uma boa notícia a comunicar; já comprei bilhete e dia 1 de Fevereiro estarei em Belgrado.
O ponto final tem a ver com este ano, que em boa hora vai embora, apesar de de o próximo se anunciar ainda pior - a ver vamos...
E como queria, uma vez mais, fugir a clichés (taças a tocarem-se, fogos de artifício e afins), decidi seguir o mesmo caminho do Carlos e partilhar um vídeo belíssimo, de despedida, com uma canção interpretada por um dueto improvável , Miguel Bosé...Penélope Cruz.
Espero que gostem e que 2013 nos traga algum alívio a tanto desespero - difícil, mas não impossível.
Como dizia o Solnado, façam o favor de ser felizes (ou pelo menos, tentem...)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Um casamento diferente

Há sempre uma primeira vez para tudo.
Ontem à noite aceitei um convite para participar numa festa que celebrava o casamento do Marcos com o Eddy, realizado nessa mesma tarde.
A festa decorreu animada no bar que eles possuem, o “TR3S Lisboa” ali pertinho do Príncipe Real.
Claro que tanto na cerimónia como na festa e participando da mesma forma que os noivos esteve sempre o Frank, o terceiro elemento do trio.
Como não podiam casar os três, foi a testemunha de uma felicidade a três que já há muito existe.
Há coisas que não se explicam, porque estão explicadas pelos afectos e não há nada a questionar.
A festa como disse foi boa, houve a participação muito especial da Tina Turner que veio expressamente do Algarve
houve direito a um bolo enorme e com três corações, que estava divinal.
Há que tempos não ia a um bar, e só um motivo forte me levou a ir lá, a Amizade que tenho por eles, principalmente com o Marcos com quem me unem muitas e boas cumplicidades.
Que continuem a ser muito felizes.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

As minhas raízes estão aqui

A Covilhã e a Serra da Estrela- Time Lapse from João Pedro Jesus on Vimeo.

 Neste maravilhoso vídeo, já divulgado no FB e no Google+, está a minha cidade, a Covilhã, estendendo-se desde as diversas encostas até ao vale, onde nasceu uma nova cidade, está a minha serra, a Estrela com todo o seu encanto e está a Cova da Beira, toda uma região plana que se estende entre a Estrela e a Gardunha.
O autor soube fazer com mestria a junção de inúmeras fotos que foi registando alcançando um resultado de alto nível.
Hoje deixo a região, de novo a caminho da minha casa, em Massamá (espero não ter maus encontros, à chegada...)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O mais belo presente de Natal

Recebi há pouco mais de uma hora o mais belo presente de Natal que me poderiam ofertar.
O Déjan (perdão, o Dr. Déjan), formou-se hoje em Medicina!!!
Ao fim de uma odisseia indescritível com a realização do exame final, que revelou condições absolutamente incríveis no sistema de ensino da sua faculdade, finalmente foi aprovado e agora tem um ano de internato à sua frente, antes de começar a sua vida profissional remunerada e que ele tem mais ou menos assegurada, não na Sérvia, ou em Portugal, mas sim na Alemanha com a quase garantia de um emprego bem pago; para esse efeito há já tempo que tem aulas de alemão, dominando já a língua.
Era um dos dois grandes problemas da vida do Déjan.
O outro é não se poder afirmar no seu todo, num dos países mais homofóbicos do mundo.
Mas agora que sabe que a curto prazo vai ficar independente monetariamente doutros, tudo vai mudar na sua vida, e na nossa, naturalmente.
Ainda este mês deve ir ao Canadá, a convite da sua família, que ali habita há muito e juntar-se ao Pai, que está lá de visita desde há um par de meses. Deve regressar em meados de Janeiro a Belgrado, para iniciar o mais rápido possível o estágio e eu estarei lá em Belgrado no final de Janeiro para lhe dar ao vivo tudo o que neste momento sinto de imensa felicidade.
Obrigado, meu amor pela mais bela prenda de Natal deste ano.
O Natal para mim, celebrado aqui na Covilhã com a família vai ter outro sabor...
Congratulations, Déjan.
VOLIM TE, Chako Pako!!!

sábado, 22 de dezembro de 2012

"Let me call you sweetheart"

Estamos em plena época natalícia. A febre consumista dos últimos anos baixou consideravelmente
sendo,neste caso particular, uma das poucas consequências positivas da crise que vivemos (apesar de muito penalizadora para os comerciantes) e devolvendo o Natal um pouco mais à sua essência: a Família e também às crianças.
Considero que o reconhecimento da não existência do Pai Natal é para muitas, senão para todas as crianças, a primeira desilusão das suas vidas futuras.
Por isso e querendo comemorar aqui no blog esta época, sem recorrer aos habituais clichés, a minha escolha recaíu neste pequeno vídeo, que nada tem a ver com o Natal - eu sei - mas que reflecte toda a inocência e toda a pureza das crianças.
Tenham um Bom Natal.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Words

Três frases, palavras encadeadas por alguém que lhes vê sentido:

1...“A vida não é esperar que a tempestade acabe; mas sim aprender a dançar à chuva.”
Autor desconhecido
2...“Ninguém que mereça ser possuído o será alguma vez por inteiro.”
 Sara Teasdale
 3...“Amor é uma palavra abrangente e muito cómoda que utilizamos para disfarçar as razões complicadas que nos levam a querer o apoio de outra pessoa.”
 Frank Ronan

A primeira é de difícil execução. Não sei quem é o autor, mas decerto será alguém que vê a vida de uma forma prática e optimista. Mas dançar à chuva não tem aqui o significado lúdico da dança do Gene Kelly.

A segunda, da autoria de uma poetisa americana que viveu nos finais do século XIX, princípios do século XX tem algo de presunção nas suas palavras. (Não ver a frase num contexto diferente, como se fosse daquela interessante série do Sad Eyes - frases que poderiam ser gays...)

Finalmente a mais polémica, mas que merece uma profunda reflexão. Está no primeiro livro de Frank Ronan, do qual conheço toda a obra e que curiosamente, sendo ele gay e todos os restantes livros foquem de uma forma mais ou menos acentuada as questões ou as personagens homossexuais, neste não tem uma palavra sobre esse tema. Foi curiosamente o livro dele de que mais gostei e chama-se "Os Homens que Amaram Evelyn Cotton".

 Gostaria de ter aqui opiniões sobre estas frases, principalmente sobre a última. Eu concordo apenas parcialmente com ela.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"Pièce de résistance"

O Sad Eyes tem um blog. Esse blog tem um nome grande e muito curioso: "Good friends are hard to find”; além de grande e curioso é muito verdadeiro, pois os amigos não aparecem por acaso, nem por vontade própria, mas são fruto de uma convivência que se vai estreitando, de um entendimento nos assuntos mais importantes da vida, na discussão correcta das diferentes concepções de alguns assuntos e sempre e acima de tudo por um grande e mútuo respeito.
Antes, esta convivência obrigava a um convívio real, mas agora com as novas tecnologias, a convivência virtual vai contribuindo em grande parte para o aparecimento de novas e boas amizades. Claro que nunca haverá uma amizade concreta e duradoura sem que as pessoas se conheçam ao vivo, mas isso é um passo que é dado com alguma frequência entre os bloguistas após tempos de simples conhecimento virtual.
Ando na blogo há mais de seis anos, já assisti ao aparecimento e ao desaparecimento de tantos blogs que, fatalmente teria que ter ganho amigos nesta comunidade virtual; e alguns deles, têm-se transformado mesmo em grandes amigos, com quem convivo hoje extra blogosfera, são amigos para a vida. Tenho uma certa facilidade no contacto com as pessoas e isso facilita muito e sempre que posso lá estou eu a proporcionar um encontro e é curioso que é raro enganar-me na “fotografia” que faço às pessoas apenas pelo contacto virtual. Na realidade elas são o que mostram nos seus textos e nos seus comentários. Os últimos bloguistas que tive o prazer de conhecer pessoalmente foram a Margarida e o João Máximo (e o Luís, pois claro) e essa regra manteve-se, não foi surpresa a excelente impressão que me deixaram.
Ora o Sad também já o conheço pessoalmente, e é curioso que num passado recente, andámos sempre desencontrados; ele trabalhava na minha terra, na Covilhã, onde eu geralmente só vou em épocas festivas, altura em que o Sad vinha para junto da família. Na altura o blog do Sad era outro (confesso não me recordar o nome), mas a estrutura era muito semelhante à deste seu blog; talvez mais sucinto, pois apenas consistia numa simples frase, quase sempre muito bem escolhida, e nada mais. Não havia música, não havia fotos, nada. Mas foi nesse blog que ele iniciou certas iniciativas que ainda hoje continuam, como a célebre “frases que podiam ser gays” ou desafios de escrita.
Mas actualmente, o seu blog “abriu” um pouco mais, embora continue curto de textos, e ele não abdica da forma como o concebeu e faz muito bem, pois um blog é sempre a vontade e tem a forma que o seu autor lhe deseja imprimir. Eu, tenho a minha visão da blogo, que é a minha e em muitas coisas diferente da forma como muitos blogs que sigo e com interesse, têm. Não sou apologista de muitas postagens, curtas e apenas com uma foto ou uma música e nada mais, pois isso não é convidativo a uma coisa fundamental para mim – a caixa dos comentários! Reparem que eu não digo os comentários, mas sim a caixa dos comentários. Gosto de textos mais elaborados, mais extensos e que promovam uma salutar troca de impressões com quem me lê e me comenta. Por isso, não publico mais que três posts semanais, em média, tendo alguns deles um trabalho de pesquisa que muito aprecio.
Voltando ao Sad, conheci-o numa tarde naquilo que prometia ser um interessante encontro entre os concorrentes aqui da região lisboeta do seu primeiro desafio Pixel; infelizmente fui o único a aparecer, nas foi uma oportunidade para conversar mais com ele do que teria tido se houvesse mais gente. Esses desafios Pixel já vão na terceira edição, que está a ser, tais como as anteriores, um sucesso, tendo as contribuições dos concorrentes às duas primeiras sido editadas pelo João Máximo em e-book, mas também em livro, que eu adquiri através da Amazon (assim mesmo…). Também em curso uma outra iniciativa muito interessante, que é o “Book of Distance”, que está agora em meu poder, mas que enviarei dentro de dias ao antepenúltimo “contador de histórias”, um dos tais velhos amigos que hoje quase nunca escreve no seu blog, e que é um amigo do coração, que não foi difícil convencer.
E chegamos (já não é sem tempo) ao motivo principal desta postagem; o Sad "fabrica" t-shirts!!! Têm todas o mesmo modelo, apenas variam na cor, no desenho ou nas palavras. Das muitas que ele já nos mostrou, decerto que por variadas vezes nos apeteceria ter esta ou aquela. Ora agora, e ao jeito das “piscinas do Arrakis” (outra interessante iniciativa), ele resolveu começar a ofertar t-shirts aos amigos, sempre muito apropriadas às características de cada um.
Calhou-me agora a mim a sorte de receber uma, que mostro na foto e que muito me sensibilizou, não só por ele se ter lembrado de mim, mas principalmente pela frase que escolheu, que eu entendo como uma dupla homenagem: ao meu blog, pela sua longevidade, neste mar revolto pelas redes sociais, mas que vai sobrevivendo e que é a blogosfera. E…”last but not the least”, ao meu muito difícil mas muito forte relacionamento afectivo com o Déjan, que faz este mês seis anos – seis anos de alegria, de amor, mas também de lágrimas e separações quase insuportáveis.
Muito obrigado, Sad, e o agradecimento é de ambos, do Déjan e meu.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

"Quase um conto de Natal"

Uma introdução que não faz parte do “quase conto” mas que o justifica parcialmente. Eu não sei ficcionar histórias, ou talvez seja um certo comodismo de pensamento, que não de escrita; sei sim, relatar factos que comigo se passaram e por vezes consigo transmitir por palavras esses factos de uma maneira que quem as lê consiga “ver o filme”.
Dito isto…
Esta é a minha (fraca) contribuição para a louvável iniciativa do Sad Eyes (mais uma) “Pixel Happy Xmas”. Não sei se poderá ser aceite como participação, mas pelo menos sei que contribuí como pude, numa altura em que as coisas não correm como eu contava em relação à minha projectada viagem a Belgrado no final deste mês e que naturalmente me afectam.
“Recordo um Natal, já algo distante em que os meus Pais foram passar a quadra com uma irmã minha e respectiva família, ao Brasil.
Fiquei só, os meus irmãos distribuídos por outras famílias e eu aqui por Lisboa…
Sim, o Natal é a festa da Família, quando ela existe ou quando ela está presente; e quando tal não acontece? Nesse Natal estive tentado a ir passar a noite da Consoada com um grupo de pessoas, algumas delas, meus amigos e outros conhecidos, que, por falta da família e por falta dos seus companheiros que tinham ido passar o Natal às suas terras, ficavam sós e assim, todos os anos se reuniam numa Consoada para eles, ali na zona da Charneca da Caparica. Entre eles um bem conhecido transformista, talvez o melhor de todos que já houve em Portugal e que já não está entre nós.
Não fui, não porque fosse mal recebido, antes pelo contrário, mas porque sabia que embora passasse aquela noite acompanhado, em família também, embora de outro género, estaria triste por vários motivos e poderia estragar o convívio.
Mas imaginei como seriam essas Consoadas das pessoas que não sendo jovens, apenas tinham os seus afectos com as pessoas que amavam, mas que não estavam presentes, e tinham os afectos deles com eles próprios, decerto trocariam presentes, teriam uma ceia com bacalhau e iguarias próprias da época e passariam umas horas acompanhados. E depois, regressariam a suas casas com a sua solidão.
Esta é uma realidade que atinge hoje muitas pessoas, e não quero misturar o Natal dos sem abrigo, que é outra realidade bem triste, mas diferente.
Refiro-me àqueles homossexuais que passam o Natal sós e talvez sintam nessa noite, mais do que em qualquer outra ocasião, a falta de uma Família.”

sábado, 24 de novembro de 2012

Cinema e música - 2

Para mim, “West Side Story”, com o incrível título português de “Amor Sem Barreiras” é o melhor musical de sempre.
É um filme de 1961, baseado numa bem sucedida peça apresentada em 1957, na Broadway, da autoria de Arthur Laurents e encenada por Jerome Robbins; tanto a peça como o filme são ambientadas nos anos 50 do século passado, em Manhattan (New York), precisamente na zona conhecida como West Side, mas como uma adaptação livre da obra “Romeu e Julita”, de Shakespeare.
No filme, Tony, antigo leader do gang anglo saxónico branco, os “Jets”, apaixona-se por Maria, irmã de Bernardo, o leader do gang latino dos porto-riquenhos, os “Sharks”. O amor do casal floresce no meio das rivalidades e conflitos dos dois grupos, tais como na peça de Shakespeare entre os Capuletto e os Montechio…
O filme foi realizado pela dupla Robert Wise/Jerome Robbins e ganhou 10 óscares, ente os quais, o de melhor filme, melhor realização, melhores actores secundários, feminino (Rita Moreno) e masculino (George Chakiris), melhor som e melhor banda sonora. A música do filme é da autoria do consagrado Leonard Bernstein.
Não gostei de uma coisa no filme, e que foi a escolha dos protagonistas, principalmente Tony (Richard Beymer) e mesmo Maria (Natalie Wood). Como curiosidade os primeiros nomes a serem falados foram os de Elvis Presley e Audrey Hepburn…
E também como curiosidades extra os directores fomentaram a real desavença entre os dois gangs rivais dando aos Jets melhores condições do que aos Sharks, no que respeita aos guiões e aos camarins de uns e outros; e recentemente a conhecida série televisiva “Glee” realizou um episódio de homenagem a este filme.

O que apresentar neste post, deste filme?
Uma cena era para mim, fundamental, embora seja uma cena dançada e não cantada, que é o prólogo do filme, e que mostra a rivalidade entre os Jets e os Sharks.


Outra cena marcante e que é protagonizada pelos excelentes George Chakiris e Rita Moreno é a muito conhecida canção “América”.

Já para documentar o amor entre os dois protagonistas, parece fora de dúvida que a escolha teria que ser “Tonight”; mas aqui surgiu-me um pequeno dilema: apresentar a canção original do filme, que não é um primor de vozes, ou apresentar dois cantores verdadeiramente bons a interpretar a imortal canção? Acabei por optar por esta última hipótese, e porque gosto muito de dois nomes emergentes do bel-canto actual, escolhi a versão ao vivo, em Berlim da cantora russa Anna Netrebko e do cantor mexicano Rolando Villazón. Espero que não me batam muito…

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"The Man I Love"

Pode dizer-se que há realmente coincidências.
Nem 48 horas tinham passado após a minha última postagem, em que focava a problemática do mundo homossexual, hoje em dia e a necessidade de os homossexuais contribuírem, com a sua visibilidade, para que a sociedade compreenda que não somos diferentes, quando surge no jornal “O Público” uma entrevista da jornalista Anabela Mota Ribeira ao casal Alexandre Quintanilha, biólogo e Richard Zimler, escritor, a residirem no Porto desde há anos e mantendo um relacionamento afectivo há mais de 30 anos, tendo casado há pouco mais de dois anos.
É uma entrevista longa, mas que vale a pena ler na integra, pela riqueza dos seus depoimentos, pela importância como ambos viram e vêem o mundo homossexual, o seu amor, a forma como se assumiram, enfim duas vidas que se encontraram e que agora constituem uma só vida, mas respeitando cada um o outro. Aqui encontramos muita coisa que eu havia aflorado no meu texto anterior, pelo que aqui o publico como complemento imprescindível do mesmo.
E além do mais, o amor destes dois homens é lindo!!!


"Conheceram-se em São Francisco em 1978, mudaram-se para o Porto em 1990. Casaram-se há dois anos e um mês. Alexandre Quintanilha tem 68 anos, é cientista. Richard Zimler tem 56 anos, é escritor. Concedem uma entrevista única, a dois, em casa. Estão descalços. Estão tão confortavelmente como se pode estar em casa, mesmo que esteja uma intrusa entre eles. O propósito era falar da dinâmica da relação, dos seus percursos individuais, de como foram tocados, e alterados, com a chegada do outro, pela vida do outro. O propósito não era contar uma bela história de amor, mas era evidente que aquela era uma bela história de amor. Uma daquelas histórias por que torcem as professoras, as hospedeiras, o notário, as pessoas que formam uma espécie de conluio (a expressão é de Alexandre) e que fazem perguntas e mandam beijinhos. Por que é que é tão raro uma relação ser tão feliz ao cabo de 34 anos de vida comum? É por isso que as pessoas torcem por eles? E importa, para o caso, que seja uma relação entre pessoas do mesmo sexo?

Para eles, fazia sentido expor a relação que vivem e correr o risco de apanhar com rótulos, estereótipos, gavetas. Não se pergunta se são a favor da adopção de crianças por casais homossexuais (ainda que a resposta esteja implícita na entrevista) nem se pergunta por que é que eles acham que são homossexuais (perguntar-se-ia a um heterossexual por que é que ele acha que é heterossexual?). Mas pergunta-se pelo modo como lidaram com a sua homossexualidade, familiar e socialmente.

Eles souberam, desde o princípio, que o outro era o tal. Não se enganaram. Sorte? Sorte e trabalho, respondem os dois.

Gostava de começar, não pelo princípio da vossa vida comum, mas por um certo princípio, que foi a vinda para Portugal. Por que é que decidiram começar uma nova vida?

Alexandre Quintanilha - Cheguei à [São Francisco] Bay Area no princípio dos anos 70, o Richard chegou em 1977. Conhecemo-nos no ano seguinte e passámos a viver em Berkeley. No fim dos anos 80 aconteceram dois episódios que alteraram a nossa forma de estar. A epidemia do HIV começou a aparecer. Houve dois ou três sítios na América que foram muito afectados. A área da baía, e em particular São Francisco, foi uma delas.

San Francisco tinha o rótulo de ser uma cidade onde a comunidade gay se sentia bem. Algumas das lutas pelos direitos dos homossexuais, encabeçadas pelo activista Harvey Milk, aconteceram aí.

A.Q. - E não só. Era um sítio onde tinha havido movimentos hippie, onde toda a gente fumava, se injectava. A partir de 85, 86, era quase impossível, tanto na universidade como fora dela, ir almoçar com amigos e o tema da conversa não ser o HIV.

Richard Zimler - Como a crise, agora, em Portugal - ninguém fala de outra coisa.

O seu irmão veio a falecer de sida. Nessa altura já se tinha declarado a doença? Era encarada como uma sentença de morte.

R.Z. - Sim. Antes de 83, 84, ele suspeitava de que tinha qualquer coisa. Depois confirmaram que era HIV.

A.Q. - A área da baía era um lugar de liberdade, de exploração. Tinha havido movimentos contra a guerra do Vietname, muitos feminismos começaram lá. As lutas em Oakland, pelos direitos dos negros, tinham sido importantes. Era uma área dinâmica de muitos pontos de vista. E a partir dos anos 80 havia a sensação de que não se podia escapar deste assunto. Ainda bem que nos conhecemos em 78; não tenho a certeza, se nos tivéssemos conhecido mais tarde, se um de nós não teria tido sida.

Conheceram-se num período em que toda a experimentação era possível. Sem fantasmas. Isso marcou a vossa relação?

R.Z. - Eu só tinha 22 anos quando conheci o Alexandre. Mudei-me para São Francisco quando tinha 21 anos, e estava a começar a vida sexual, a vida espiritual, a vida profissional. Chegar à Bay Area era o começo de uma longa viagem. Ele tinha 33 anos (na altura pensávamos que era já muito avançado na idade...). Para os dois, era o começo de uma aventura. E de repente chegou a sida. Eu trabalhava na Victoria"s Secret, uma firma de lingerie feminina; era secretário. Trabalhavam lá umas 60 pessoas e diria que uns dez ou 12 eram gay. Harvey Milk disse que, quando as pessoas começassem a sair do armário, todos íamos perceber que o carteiro era gay, que a empregada de mesa no nosso restaurante favorito é lésbica, que o professor de Matemática que o nosso menino adora é homossexual. São Francisco era o primeiro sítio no mundo, pelo menos nos Estados Unidos, em que isso já estava a acontecer.

A orientação sexual não era um assunto?

A.Q. - Deixou de ser assunto.

R.Z. - Na minha empresa, todos os homossexuais eram gente assumida, não havia qualquer problema. Foi por isso que foi de Nova Iorque para São Francisco? Não é um americano do Middle West, dos estados conservadores.

R.Z. - Mesmo em Nova Iorque, mesmo dentro de uma família de gente formada... O meu pai tinha uma licenciatura em advocacia, a minha mãe era bioquímica, mas os preconceitos contra os homossexuais eram violentos. Quando suspeitei de que era homossexual, entrei em pânico. Sabia que contar aos meus pais, aos meus amigos, ia provocar problemas. Os meus pais não eram racistas, a minha mãe era feminista; o último preconceito a perder era a homossexualidade.

A.Q. - Muito diferente da minha família.

Como é que foi consigo?

A.Q. - Os meus pais não eram nada preconceituosos. Não disse que era gay, não existia essa expressão quando tinha 16 anos. Disse aos meu pais que estava apaixonado por um homem e que não percebia. Não havia role models [exemplos] para isso. O meu pai disse-me que não era uma coisa que ele percebesse, mas que se isso me preocupava podia arranjar uma pessoa com quem eu pudesse falar. E fui falar com um psiquiatra, duas vezes.

Só para situar: isso passa-se em Moçambique, há 50 anos, e o seu pai é um prestigiado biólogo.

A.Q. - Na primeira vez em que estive com esse homem extraordinário, dei-lhe a ler um diário meu. Estava convencido de que era uma obra-prima da literatura [riso]. Na sessão seguinte, entregou-mo e disse: "Você está apaixonado. Isso é uma sensação maravilhosa. Devia estar satisfeito por estar apaixonado." Eu não tinha a certeza se era mesmo gay ou se era bi. A minha mãe, a única coisa que me disse foi: "Quero é que sejas feliz."

Onde é que radica a abertura que manifestaram?

A.Q. - Da minha mãe é muito claro. Era alemã e cresceu em Berlim nos anos 20 (era o sítio mais civilizado do mundo). Teve relações muito fortes tanto com homens como com mulheres. O meu pai, apesar de nunca ter tido esse tipo de sensação, não achou que fosse uma coisa preocupante. Isto libertou-me imenso. Mesmo na África do Sul (para onde fui fazer a faculdade), já não tinha necessidade de fingir que não era aquilo que era. Quando me aproximava das pessoas emocionalmente, quer fossem mulheres, quer fossem homens, era de uma forma aberta. E num sítio racista, ainda por cima.

Olhando retrospectivamente, acha que se apaixonava de facto por homens e por mulheres ou estava a tentar perceber se era mesmo homossexual?

A.Q. - Se calhar, as duas coisas. Com 20 anos, sabemos muito pouco. Quando temos uma grande atracção por uma pessoa, quando a atracção e a admiração, e a paixão, se tornam muito intensas, duvido de que não haja uma parte física, seja qual for a pessoa. Esta coisa de nos definirmos como hetero ou homo... não me defino dessa maneira. Defino-me como uma pessoa que gosta de literatura, que gosta de música, de ciência. Deixou de ser um label [rótulo].

O Richard acompanhou os anos finais da vida do irmão, que foram duríssimos. O irmão tinha uma relação muito má com os pais. O Richard tinha de ir a Nova Iorque quase todos os meses para falar com os médicos, com os padres (o irmão converteu-se ao catolicismo), com os amigos. Quando voltava, voltava emocionalmente exausto. Eu só tive essa sensação, menos forte mas muito poderosa, porque dois dos investigadores que tinha contratado para o Centro de Estudos Ambientais em Berkeley, na mesma semana, uma rapariga australiana e um jovem de Boston, vieram ao meu gabinete dizer-me que estavam infectados com HIV. Cheguei a casa e desatei a chorar. Como ele [o Richard] fazia quando vinha de Nova Iorque. Começámos a pensar que precisávamos de ir para um sítio onde aquele deixasse de ser o tópico de todas as conversas.

Aí, já não era o medo de que a doença vos tocasse directamente.

A.Q. - Não, de maneira nenhuma.

R.Z. - Eu estava preocupado com isso. Não era claro quantos anos, ou meses, a infecção levava a mostrar-se. Estava muito perturbado. Ver um irmão com quem nos identificamos - porque crescemos no mesmo quarto - morrer, afectou-me muito psicologicamente. Comecei a lavar as mãos 100 vezes por dia. O meu irmão, um jovem de 34 anos, estava a morrer e não queria morrer. Os meus pais eram loucos. Durante esse período, e depois de ele falecer, comecei a pensar que ia morrer jovem, que não ia ter a possibilidade de escrever livros, de manter a minha relação com o Alexandre. E se eu infectasse o Alexandre? Ou vice-versa. Infectar uma pessoa com quem se tem uma união deve provocar uma sensação de culpa abominável.

O Alexandre contou um pouco da descoberta e assunção da sua homossexualidade. O Richard aflorou o assunto. Pode contar mais detalhadamente como viveu esse período?

R.Z. - Há homossexuais que sabem muito cedo; eu não sabia. Há certas características que as pessoas, nos anos 60, 70, associaram a homossexuais. Por exemplo, que não são grandes desportistas. Hoje em dia sabemos que isso não tem qualquer validade, que há homossexuais muito machões e outros muito efeminados. Eu pensava: "Não tenho estas características dos homossexuais. Gosto de desporto, gosto dos Beatles, gosto dos Rolling Stones. Como é que posso ser homossexual?"

A.Q. - Gostas de desporto e és muito bom em desporto. Isso não ligava com a ideia do homossexual efeminado.

Nessa altura trabalhava-se com gavetas, as pessoas encaixavam aqui ou acolá.

A.Q. - Exactamente. Deixar de estar nos sítios onde há essas gavetas é fundamental.

R.Z. - Pensava: "Não sou normal. As minhas fantasias não envolvem a Sophia Loren ou a Gina Lollobrigida. Talvez seja homossexual. Isso vai criar tantos problemas para mim..." Ainda por cima, não encaixava na comunidade homossexual. "Não quero falar da Judy Garland!" Nessa altura, li um artigo no New York Times sobre o Harvey Milk e sobre a comunidade gay de São Francisco; dizia que havia homossexuais cowboys, homossexuais desportistas... "Se há um sítio nos Estados Unidos onde posso experimentar sexualmente [quem sou], sem preconceitos, sem pressões, deve ser em São Francisco." Fui com uma mala, mil dólares, sem emprego, sem casa.

O seu irmão era homossexual?

R.Z. - Sim.

O facto de haver um outro homossexual na família tornou tudo mais pesado para si?

R.Z. - Terrível, muito mais pesado.

A.Q. - Ainda por cima porque o irmão dele tinha muitas daquelas características da gaveta.

R.Z. - E não queria ser homossexual. Os outros miúdos faziam troça dele em criança. Vivia revoltado. Eu não. Depois da fase em que entrei em pânico, estava totalmente OK. Quando conheci o Alexandre, fiquei logo apaixonado. Quis contar aos meus pais. "Devo contar, porque isto é uma relação, espero eu, que vai durar." Falei com a minha mãe, com quem tinha uma relação mais sólida, primeiro. Sempre brinco que devia ter dito: "Estou apaixonado, mas ele não é judeu" [riso]. Mas isso para ela não seria importante. Disse: "Estou apaixonado, mas é um homem, não é uma mulher." Antes da resposta, continuei: "Não estou com problemas, não quero que te sintas culpada. Para mim é um enorme prazer, é a realização da minha vida." E ela desatou a chorar.

Chorou de tristeza, desapontamento, incompreensão?

R.Z. - A explicação, mais tarde, é que o meu irmão, durante anos e anos, culpabilizava os meus pais. Pensou: "Vamos ter de passar por isto outra vez." Também estava preocupada por mim. Ser homossexual significava que nunca ia ter uma relação duradoura, que as outras pessoas fariam troça de mim. Depois foi à cozinha, o meu pai estava lá sentado e ela sussurrou-lhe do que se tratava a nossa conversa. Ele respondeu: "Ah, é maricas, também." Em inglês: "He is a faggot." É uma palavra muito forte, muito feia. Ouvi um barulho, uma pancada seca. O meu pai tinha desmaiado. Nunca suspeitara que eu fosse gay.

A.Q. - O Richard jogava basebol.

R.Z. - Como é que um atleta pode ser homossexual? A minha mãe ficou um bocado histérica. Era uma cena de uma ópera cómica, ou dramática, italiana, não sei. Hoje rio-me muito.

A.Q. - O que é curioso é que a minha experiência tenha sido, não direi diametralmente oposta, mas muito diferente.

R.Z. - Mas os teus pais não eram provincianos como os meus. Os teus pais viviam no mundo real, os meus não.

Era provincianismo ou era a religião?

R.Z. - Não era a religião. A minha mãe celebrava as festas judaicas, mas era só tradição.

A.Q. - O Richard nem fez o Bar Mitzvah... Nenhum dos nossos pais, com a excepção da minha mãe, que era protestante, e que ia uma vez por ano à igreja, tinha algo a ver com religião. Não fui baptizado.

R.Z. - O meu pai era comunista, pensava que a religião era o ópio do povo, tal como o Marx disse.

A.Q. - Eu ia contar uma coisa importante. O que me surpreendeu não foi ser atraído fisicamente por homens e por mulheres; foi apaixonar-me por uma pessoa, o que é diferente. Tenho alguma pena das pessoas que fazem uma separação entre o emocional e o sexual. (Agora faço essa separação, porque somos essencialmente monogâmicos, não queremos ter outras relações.) É uma pena ver duas pessoas que estão muito atraídas uma pela outra espiritualmente e que têm medo de se tocar para além da festa.

Não se tocam por causa das convenções sociais?

A.Q. - Pois. As mulheres e os homens heterossexuais arranjam gavetas nas quais não ousam entrar. Muitos deles têm medo de ir explorar isso. Até me apaixonar pelo Richard, os homens e as mulheres por quem me apaixonei eram todos heterossexuais. Com todos eles foi possível chegar a um contacto físico e sexual. Claro que com os homens demorou mais tempo; quando uma pessoa se identifica como heterossexual, tem uma grande dificuldade em tocar intimamente outra pessoa [do mesmo sexo].

Freud dizia que potencialmente somos todos bissexuais.

A.Q. - Não sei se somos.

R.Z. - Há pessoas que são totalmente heterossexuais - uma minoria - e há pessoas totalmente homossexuais - outra minoria. São poucas as que são 50/50. Sou 90% homossexual. Já tive relações, mas não seria possível manter uma relação duradoura com uma mulher.

A.Q. - É muito forte em mim esta repulsa pelas camisolas. Pertencer ao Futebol Clube do Porto ou ser do Benfica, ser católico ou ser protestante. Ou ser de Joanesburgo, sul-africano, moçambicano. O que é que eu sou? Tenho uma mãe alemã, um pai açoriano, nasci em Moçambique, vivi na África do Sul muito anos, estive na Califórnia, estou em Portugal, tenho nacionalidade portuguesa e americana. Não me faz confusão nenhuma não saber identificar-me.

A maior parte das pessoas precisa do conforto de saber onde pertence.

A.Q. - Não sei se precisam. Acho que estão doutrinadas para achar que precisam. Vivemos muito em relação à opinião dos outros - como é que nos identificam, onde é que nos põem, como é que nos consideram? Estes muitos anos de vida foram uma caminhada a libertar-me disso.

Se perguntasse a cada um dos dois se lhes passou pela cabeça esconder...

A.Q. - Quando era miúdo, sim. Mas felizmente, a partir dos 20 e poucos anos, não só não escondia, como não tinha orgulho nem vergonha.

Há muitas pessoas que fazem uma vida toda, e quantas casam e constituem família, escondendo a sua verdadeira orientação sexual.

A.Q. - Não quero ser judgmental, não quero ajuizar se as outras pessoas fazem bem ou mal. Ter de passar o tempo todo a fingir que se é o que não se é deve ser doloroso, e não deve servir para nos realizarmos.

R.Z. - Sei que as pessoas têm um contexto de vida e que é difícil, às vezes; mas viver uma vida não autêntica, sob uma máscara, é uma pena.

Há uma questão subsidiária desta, mas que leva pessoas a esconderem-se: o "senso comum" critica em alguns homossexuais o gay pride, a exibição. Por que é que acham que isso ofende tanto?

A.Q. - Não consigo falar pelas outras pessoas, mas conto uma lição de vida muito grande por que passei. Cheguei a São Francisco em Novembro e passei o primeiro Natal sem amigos, com a família nos antípodas da Terra. Estava muito só e sem saber se tinha feito a decisão certa, de me afastar de todo o meu passado. Fui para um café, e a certa altura aproximou-se um queer, um travesti bastante exibicionista. Um indivíduo que era homem, que estava vestido de mulher, todo cheio de pinturas. Senti-me muito incomodado, OK? Ele perguntou se podia sentar-se à mesa, e eu tive uma reacção muito fria, do género...

"Não quero ser visto com ele?"

A.Q. - Um pouco. Ele foi muito educado. Estivemos para aí quatro horas a conversar. Referi-me a mim mesmo como uma espécie de atrasado mental: "Eu que tenho a mania que sou aberto, como é que posso ter tido esta reacção? Esta pessoa, a única coisa que queria era companhia, como eu."

R.Z. - Todos os dias vejo jovens a beijarem-se em frente a toda a gente; isso também é exibicionismo? Se um casal homossexual fizesse isso, toda a gente ficava horrorizada, mas acontece todos os dias em Lisboa e no Porto e ninguém diz nada. Há um duplostandard. Sou gay, sou judeu, sou americano em Portugal. Há a tendência por parte de pessoas liberais, não-progressistas, de dizer: "Não gosto nada dos judeus, mas gosto de si." Ou: "Não gosto nada de homossexuais, mas tu és fixe." Nessas circunstâncias sou o mais judeu, o mais americano e o mais homossexual possível. Não quero ser aceitável. Quem sou eu para julgar aquele homossexual efeminado ou aquele judeu religioso, ou aquele americano que só come hambúrgueres e pizza?

Já tinha estado em público com os dois e nunca vos tinha visto de mão dada. Isso foi uma coisa sobre a qual falaram, que decidiram fazer ou não em função do sítio onde estão?

R.Z. - Andávamos de mão dada em São Francisco, mas não muito. Eu sou mais afectuoso, sou mais táctil. Sou mais como a mãe do Alexandre; éramos iguais.

A.Q. - Andamos muitas vezes de braço dado na rua, quando andamos a passear. As pessoas aqui no bairro todas nos vêem.

R.Z. - Quando chegámos, era muito mais difícil para ele do que para mim.

O Richard era estrangeiro, o Alexandre era português.

R.Z. - Eu dava aulas na Escola Superior de Jornalismo, mas ele era um professor catedrático, ia começar um novo instituto, ia ter de pedir dinheiro de Lisboa [para os projectos científicos do instituto].

A.Q. - Uma vez, na Festa da Árvore no Jardim Botânico, o Richard foi convidado para estar no júri, para apreciar trabalhos feitos por miúdos de escolas. Quando cheguei, fui ter com ele e dei-lhe um beijo na cara. Várias pessoas foram dizer a outras pessoas para me dizerem que tinha de ter cuidado. Até fiquei espantado. Há tantos homens em Portugal que se beijam. Os amigos antigos abraçam-se e dão beijos, os pais e os filhos dão beijos. Não havia ninguém no Porto, desde o reitor até ao ministro, [que não soubesse que são um casal]. Quando veio cá o [Bill] Clinton, o Jorge Sampaio convidou-nos aos dois como casal.

Passaram 22 anos desde a vossa vinda. O país mudou muito. Isto faz-nos voltar ao ponto de partida da entrevista, à decisão de se mudarem para cá. O modo como seriam aceites, enquanto casal, foi uma coisa que também ponderaram?

A.Q. - Perguntei a duas pessoas. Uma pessoa no topo da ordem social, nosso amigo. A resposta que me deu foi: "Não." Era uma pessoa de esquerda, não sei se isso afectou. Depois perguntei a uma empregada doméstica que nos conhecia bem.

Perguntar a uma empregada doméstica era uma forma de ter a reacção do português comum?

A.Q. - Sim, de uma pessoa que anda de autocarro. A resposta dela foi fabulosa: "Olhe, professor, temos tanto trabalho que essas coisas não fazem parte das nossas preocupações." Achei aquilo uma lição ("Você acha que é assim tão importante, que alguém vai ligar alguma coisa?"). As pessoas podem fazer alguns comentários, mas também têm dificuldade em ser agressivos directamente. Nunca senti agressividade nenhuma em Portugal, nunca.

É também por ser o professor catedrático, por ser alguém que vem de fora?

A.Q. - Talvez.

R.Z. - Fiz 34 sessões de escolas no ano passado, falando da minha escrita, de ser judeu, de muita coisa. Eles sabem...

A.Q. - Às vezes convidam-nos juntos, eu vou falar de Ciência, ele de Literatura.

R.Z. - Há dois meses, uma professora disse-me: "Estou preocupada porque o Richard não falou do Alexandre Quintanilha. Pode falar de qualquer assunto, não temos preconceitos." Eu disse: "Não falei do Alexandre porque ninguém perguntou nada sobre isso, mas agradeço na mesma."

Vamos voltar ao começo da vossa história, em 1978. É sempre uma coisa mágica, no meio de milhões de pessoas, encontrar "a pessoa". Pela maneira como falam um do outro, parece que perceberam imediatamente que era "a pessoa".

R.Z. - Eu percebi imediatamente. Ele levou dois ou três dias. Pensava, talvez, que eu fosse drogado [riso].

Como é que se conheceram?

A.Q. - Num café.

R.Z. - Num café maravilhoso.

A.Q. - Num café maravilhoso em São Francisco, que se chama Café Flore, como o de Paris. Ia lá ao domingo de manhã tomar um café e comer um muffin. Estava a conversar, estava a falar de Proust - pretensioso e intelectual! - e ele apareceu com mais duas pessoas. De repente os nossos olhos cruzaram-se. Achei-o lindíssimo, porque era e porque é. Eu estava a falar e a pessoa com quem eu estava levantou-se para ir buscar um café; ele veio ter comigo e começou a conversar. "Por que é que não vamos?" E eu disse: "Deixa-me pelo menos acabar a conversa." Acabei a conversa e fomos. Estivemos uns três dias juntos, sem parar.

R.Z. - Fomos ao meu apartamento, que eu partilhava com duas pessoas. No meu quarto não havia móveis. Dormia em cima de um colchão de sumaúma que tinha comprado por cinco dólares. Estava limpo, tinha lençóis, mas eu não tinha dinheiro nenhum.

A.Q. - A parte mais importante do corpo de uma pessoa é a cara.

Porque a cara diz quem é a pessoa? O que é que vê na cara?

A.Q. - Os olhos, a expressão. Ele tem uns olhos muito expressivos, tem uma boca muito grande, com um sorriso enorme que lhe enche a cara. Tem este nariz maravilhoso, enorme. (A primeira mulher por quem me apaixonei era filha de um casal português/alemão; tinha uns olhos lindíssimos, um nariz muito grande e uma voz quente. Tinha 35 anos e eu tinha 12 anos.)

O que é que um nariz assim pronunciado representa para si?

A.Q. - Deve significar personalidade, ter as coisas muito vincadas.

O Richard gosta do seu nariz? Ou gosta mais agora porque o Alexandre gosta?

R.Z. - Como qualquer adolescente, faltava-me a confiança de achar que era bonito. Quase todos os adolescentes passam por essa fase. Teria gostado de ter a cara do Tyrone Power ou do Randolph Scott [actores americanos] e não tinha. Levou-me alguns anos a habituar-me à minha cara. Nisso a minha mãe foi muito importante, disse-me sempre: "És o rapaz mais lindo do mundo." Depois conheci o Alexandre e ele gostava de mim. Hoje, com 56 anos, estou completamente à vontade dentro do meu corpo.

A.Q. - Eu nunca estive à vontade dentro do meu corpo. Nunca achei que era atraente. Sabia que era relativamente inteligente, que tinha capacidade de sedução. Sei falar, conheço muitas línguas, tenho charme, quando quero, mas nunca me senti fisicamente atraente. Foram estes 34 anos de vida com ele que me fizeram sentir mais à vontade no meu corpo. Foi uma aprendizagem. Tinha uns mitos, [queria ser como] o Paul Newman.

O Alexandre era muito bonito quando tinha 30 anos?

R.Z. - Era e é, e vai continuar a ser. Era diferente de 99,9% dos homens. Essa coisa de ser bonito não é só uma questão física. É a maneira de ele andar, a maneira de olhar, de falar. É óbvio que tem qualquer coisa de bonito dentro dele. Irradia isso na sua cara, principalmente, mas também no corpo. Já vi homens fisicamente bonitos mas que me metem medo; olho para os seus olhos e não há nada. Era incapaz, mas mesmo incapaz, de dormir com uma pessoa assim, mesmo que fosse a pessoa mais bonita do mundo.

Perceberam imediatamente que era "a pessoa". Isso contrariava desde logo duas gavetas em relação à homossexualidade: a da promiscuidade e a de as relações serem curtas.

R.Z. - Quando uma pessoa se apaixona por outra, o primeiro ano e meio, ou dois anos, é de uma energia sexual e espiritual formidável. Vive-se numa espécie de euforia corporal e sexual. Pensava que gostaria de construir uma vida com este homem.

A.Q. - Levei mais tempo a perceber que tínhamos de tomar decisões em conjunto. Quando viemos para Portugal, não foi nada fácil. Eu nunca tinha vivido em Portugal (tinha cá vindo algumas vezes passar férias), ele muito menos. Quando nos mudámos, entrávamos num restaurante e o esterco no chão era uma coisa inacreditável. Nas casas de banho, tínhamos medo de tocar nas maçanetas das portas. Combinámos que vínhamos por um período de dois anos, e depois decidíamos se conseguíamos ficar. O choque cultural foi enormíssimo, para ele e para mim.

A relação podia ter acabado antes da vinda para Portugal, ou não equacionaram vir um sem o outro?

R.Z. - Isso era impensável. Tínhamos uma união muito forte.

A.Q. - E se ele não tivesse conseguido ficar cá, eu também não ficava. Era muito claro.

R.Z. - Passámos por fases difíceis na nossa relação, mas mais no princípio. Porque o pessoal é jovem, não sabe o que quer. São difíceis os primeiros anos de qualquer relação com pessoas muito jovens, que ainda estão a descobrir a sua identidade.

Tiveram aquelas discussões em que parece que não há amanhã? Que não sobrevivem juntos até ao dia seguinte, tal a erosão.

R.Z. - Nunca tivemos isso.

A.Q. - Nunca foi a esse ponto.

R.Z. - Houve alturas em que disse: "Não compreendo este homem! Não compreendo como ele raciocina, a sua maneira de ser." Eu perguntava: "O que é que estás a dizer, por que é que estás a dizer isso, qual é a tua intenção?", e ele respondia: "Não vou falar disso, estás a tentar mudar a minha maneira de ser, recuso entrar nessa conversa."

As pessoas não querem mudar?

A.Q. - Não querem ser forçadas a analisar-se, a explicar qualquer coisa. Temos muito a mania de que a outra pessoa está a interferir na nossa identidade. Vê-se isso muito na maioria dos casais heterossexuais que conheço. Não falam. O diálogo entre as pessoas é muito pobre. A minha ideia era: "Não sei muito bem porque é que sou assim, mas também não quero saber, estou-me nas tintas." 
That"s the way I am, take it or leave it. [Sou como sou, é pegar ou largar.]

R.Z. - Ele era muito dedicado ao trabalho. Tinha 33 anos, queria afirmar-se como cientista num sítio muito competitivo. Tinha de trabalhar dez horas por dia durante seis ou sete dias por semana para conseguir o que queria. Eu podia ter compreendido tudo isso, mas ele recusou explicar.

Porquê essa competitividade e desejo de vencer?

A.Q. - Saí de Moçambique para a África do Sul, uma cultura nova, e tive de sobreviver. Depois saí dali e fui para outra cultura completamente nova.

Sobreviver num sentido amplo, não num sentido económico.

A.Q. - Em Joanesburgo os meus pais ainda me ajudaram, mas a partir do 4.º ano da faculdade, antes de começar o doutoramento, já não tinham possibilidade. Não podia sair dinheiro de Moçambique, era a Guerra Colonial. Tive de arranjar um lugar como assistente de laboratório em Joanesburgo para me sustentar. E, quando fui para Berkeley, levei dois mil dólares para sobreviver uns meses até arranjar trabalho. Estava muito preocupado com esta questão da sobrevivência física, económica, intelectual e científica.

Insisto na longevidade da vossa relação, depois da turbulência dos primeiros anos. O mais difícil numa relação, independentemente da orientação sexual dos cônjuges, é estarem tanto tempo juntos e bem. Por isso as pessoas perguntam: "Qual é o segredo?"

R.Z. - Temos um bocadinho de sorte, e foi um bocadinho de trabalho. Em qualquer relação que é um verdadeiro casamento (e há casamentos que não são casamentos, são duas pessoas a viver juntas), existe a pessoa A, a pessoa B e o casamento. Há três seres vivos numa relação e tem de se ter muito cuidado com o terceiro ser vivo: o próprio casamento. Tem de se valorizar, polir, prestar atenção, senão a relação vai acabar. Os dois estamos muito conscientes disso. Apaixonarmo-nos por uma pessoa é muito fácil (com algumas pessoas que conheço, acontece de duas em duas semanas). Mas é preciso aprender a respeitar o outro. Para o Alexandre, era mais natural, tinha dois pais muito respeitosos. Eu não tinha isso. Os meus pais diziam coisas um ao outro que eu não diria ao inimigo mais feio do mundo, coisas reles. Apaixonar-me por ele era superfácil, mas respeitar a sua opinião, a sua maneira de ser, as coisas que ele dizia e com as quais não concordava, as coisas que ele fez e que não compreendi, levou-me anos.

A.Q. - Não acredito que haja relações duradouras se cada uma das pessoas não tem a sua própria vida construída. Quando o Richard está a escrever (já sei, porque escreveu vários livros), está de tal maneira obcecado com a escrita que eu sou uma espécie de audiência. E quando estou muito ocupado e ando muito cansado, ele sabe que estou a fazer qualquer coisa que para mim é importante. Nessas alturas, temos muito respeito para não exigir mais do outro. Isto aprende-se. Quando a pessoa começa a sentir uma verdadeira realização pessoal com a realização do outro, quando deixa de haver aquela necessidade egocêntrica - "preciso que me dês mais atenção porque estou inseguro" -, isso é que é uma relação conseguida.

É natural que tenha havido, sobretudo nos primeiros anos, estatutos desiguais. Nem que seja porque existe uma diferença de onze anos entre os dois. O que é que o Richard fazia nos Estados Unidos? A sua formação é Religiões Comparadas.

R.Z. - Mudei para São Francisco e fiz muita coisa. Era um busboy, limpava as mesas num restaurante e era estafeta. Depois comecei a trabalhar como secretário. Aos 26 anos, voltei para a escola, para tirar um mestrado em Jornalismo na Stanford. Mas é verdade, tínhamos patamares diferentes. Eu trabalhava como empregado de mesa e ele não olhava para mim como uma pessoa de menor importância.

Era também esse tempo e esse país. Em Portugal, a estratificação social era (e é ainda) mais vincada. Não imagino que um professor da Universidade do Porto vivesse com uma mulher que serve à mesa.

A.Q. - Pois.

R.Z. - Mas ele era de Moçambique, com um pai açoriano e uma mãe alemã, muito influenciado pela África do Sul e pelos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, não se avalia uma pessoa pelo seu trabalho. Um carpinteiro maravilhoso pode ler Proust e Stendhal. Não temos essa ligação directa entre o que uma pessoa faz e a sua capacidade intelectual ou espiritual, ou a sua sensibilidade. Eu não podia ter mantido uma relação com uma pessoa que pensava menos de mim por ser empregado de mesa.

Foi em Portugal que começou a sua carreira de escritor. No fundo, foi uma outra vida que começou aqui também.

R.Z. - Já tinha escrito muito jornalismo, e tinha escrito 20 e tal contos, e publicado uma dúzia deles em revistas americanas. Chego a Portugal com a ideia para O Último Cabalista de Lisboa. Em Berkeley fui com o cartão do Alexandre à biblioteca tirar livros sobre Portugal, Espanha, século XVI, casas, filosofias, roupa. Continuei a pesquisar aqui e a mergulhar-me na história portuguesa e no meu romance. Em parte, era a minha maneira, indirecta, de me adaptar a Portugal, e de valorizar Portugal, a história portuguesa.

Como é que foi a sua inserção? Quais foram as grandes dificuldades?

R.Z. - Cheguei aqui desorientado. O meu irmão tinha morrido em Maio de 1989, o meu pai faleceu em Junho de 1990. Na América, temos outra maneira de lidar com a amizade. Somos mais informais, falamos de tudo, logo. Um americano, cinco minutos depois de a conhecer, já está a falar do divórcio e do herpes. Mas o português, em 1990, era ao contrário. Falava de filosofia, de arte, do tempo, de tudo menos da vida pessoal. Eu não consigo estabelecer uma relação duradoura e profunda de amizade sem ter a possibilidade de falar da minha vida íntima, medos, dúvidas, problemas.

Sem falar sobre aquilo que verdadeiramente lhe interessava.

A.Q. - Os portugueses chegam a fazer isso, às vezes, depois de uma relação duradoura. Mas Portugal nos últimos anos mudou de uma forma extraordinária, e acompanhar isso foi muito interessante. (Uma das coisas que mais me impressionaram foi o empowerment das mulheres. O 25 de Abril teve um impacto muito maior nas mulheres do que teve nos homens. Elas estavam mais reprimidas. E ver a mudança dramática que houve no investimento na ciência, na educação, que afectava jovens que estavam ao pé de nós - ele também esteve uns anos a ensinar -, foi muito excitante.)

Estiveram para regressar aos Estados Unidos em algum momento?

A.Q. - Estivemos. O director da divisão onde trabalhava veio cá várias vezes e de cada vez perguntava-me se não queria voltar. Estávamos neste choque cultural e a tentação de voltar era enorme.

R.Z. - Ele chegou com grandes projectos. Um deles era criar o que viria a ser o Instituto de Biologia Molecular. Além de todos os problemas [decorrentes] de criar um centro de investigação com centenas de cientistas, havia pessoas que queriam que falhasse. Portugal é um país muito pequeno, com muitas rivalidades, muita mesquinhez. Desculpe dizer, mas todos sabemos isso.

Já pode dizer porque já é português. Nós, portugueses, não gostamos que os de fora digam mal de nós, mas dizemos o pior possível de nós mesmos.

R.Z. - Estas coisas também existem no Estados Unidos. Mas lá, como é um país muitíssimo maior, é possível fazer uma outra vida num outro lugar.

A.Q. - Eu não sabia como é que funcionavam as coisas. Recusava-me a fazer telefonemas a pedir favores. Em Portugal, as coisas eram assim. Não quero que fique com a ideia de que as rivalidades foram muito grandes. Havia uma ou outra pessoa que não gostava de mim. Também tive muita ajuda, muita gente que achou que este projecto valia a pena, que deu muito apoio. Tive apoio de Lisboa para desenvolver um novo instituto, e depois para fundir este com outro, o Instituto de Engenharia Biomédica, para construir um laboratório novo.

Ao longo destes anos, pensaram em casar?

R.Z. - Estamos casados há dois anos e um mês. Antes não era possível.

Nos Estados Unidos também não era possível?

A.Q. - Passou a ser possível nos últimos dez, 15 anos [em alguns estados]. Demos passos pequeninos. Há 30 anos que temos testamentos, que fizemos nos Estados Unidos, dizendo que tudo o que é meu é dele e que tudo o que é dele é para mim, se algum de nós falecer.

R.Z. - Quando a sida começou, o cônjuge do doente não podia visitá-lo porque não estavam casados. Não tinha direito porque não fazia parte da família. Queríamos evitar isso e tomámos medidas.

A.Q. - Outra coisa que também fizemos muito cedo foi o testamento vital, que já existia lá, a exigir que o médico não tomasse medidas suplementares para manter a pessoa viva. O casamento, para mim, nunca teve um significado muito grande, nem simbólico nem pessoal. Tem um significado muito grande, sim, em termos de direitos e deveres das duas pessoas. Mas quando casámos, como eu tinha mais de 60 anos, o casamento teve de ser com separação de bens. Casámos com separação de bens e temos um testamento escrito num notário português.

R.Z. - Está tudo nos dois nomes, as casas, o dinheiro, para ser mais seguro.

Como foi o casamento?

A.Q. - Convidámos um número muito pequeno de pessoas, que são muito íntimas. Ficaram muito emocionadas, foi o primeiro casamento gay em que estiveram. E o notário trouxe-nos um presente de casamento, um disco de música sefardita galega. Uma coisa lindíssima.

R.Z. - Ele tinha pesquisado os dois na Internet e sabia que eu tinha escrito sobre assuntos judeus.

A.Q. - Quando nos mandou o certificado, mandou uma carta em que nos agradecia por lhe termos dado a oportunidade de realizar esta cerimónia pela primeira vez na vida. Fiquei muito comovido. Às vezes fico surpreendido. Entro num avião e vem uma hospedeira dizer-me que tenho de dizer ao Richard que ela gostou imenso do último livro dele. Há aqui uma espécie de - não sei como é que se diz em português... - conluio: as pessoas acham que isto é especial.

Também sente isso?

R.Z. - Posso estar nos sítios mais pequenos de Portugal, aldeias pequenas, e as pessoas vêm ter comigo, agradecem os livros e mandam beijinhos para o Alexandre. É uma grande boa vontade por parte de muita gente.

A.Q. - Não estou nada convencido de que os preconceitos desapareceram. Mas já começa a haver, em muitos casos, uma certa vergonha dos preconceitos.

Por que é que para si foi importante casar?

R.Z. - Simbolismo. Ainda há sítios no mundo em que ser homossexual pode ser punido com sentença de morte, com penas de dez anos, ou mais, de prisão. Para mim, como escritor, como ser humano, o facto de ser um crime exprimir o que é melhor dentro de nós, a afeição, a paixão, a solidariedade e a amizade, é inconcebivelmente injusto. É muito importante reivindicarmos os nossos direitos no Ocidente, para que um jovem que tenha acesso à Internet no Burkina Faso, na Nigéria ou na Birmânia, possa ir ao site do PÚBLICO em Portugal [e ler esta entrevista].

É também por isso que dão a entrevista?

R.Z. - Claro que sim. Vivi num mundo em que não era possível as pessoas das pequenas aldeias dos Estados Unidos assumirem-se. E em Portugal talvez ainda não seja possível em aldeias do interior. Falo disto para que aquela jovem lésbica de Castelo Branco, ou o jovem transexual de Fafe possam olhar para mim e para o Alexandre e descobrir: "Não tenho de mudar para ser aceite. Posso ser como sou. Tenho os mesmos direitos dos outros. Não há cidadãos de segunda em Portugal."

A.Q. - Pensei muito sobre se devia dar esta entrevista ou não, porque não tenho de explicar rigorosamente nada. As pessoas são aquilo que fazem e aquilo que são, e não aquilo que dizem. Há uma pequenina coisa que é muito importante: a questão dos role models. A grande diferença entre um casal heterossexual e homossexual, para já - no futuro não vai ser assim - é que os casais heterossexuais têm filhos, têm netos. No nosso caso, como não temos filhos (já pensámos adoptar, volta e meia, mas não foi uma coisa muito premente), essas relações têm de ser substituídas por outras. Temos de inventar outras partes da nossa relação que sejam alternativas a essas. Temos de nos reinventar e dar a noção a outros gays de que isso é possível, realizável. É preciso que o mundo à nossa volta perceba que não me acho especial, positiva ou negativamente, por ser assim. Tive muita sorte em encontrar uma pessoa como o Richard, tive muita sorte em ter os pais que tive, em viver nos sítios onde vivi, apesar de às vezes me sentir muito só e de ter momentos muito difíceis de afirmação pessoal. Isso também é uma história que vale a pena divulgar. Numa sociedade que está cada vez mais competitiva, é importante as pessoas falarem daquilo que não é competição selvagem. É a partilha, é sentirmos - isto parece uma treta... - que o mundo, se tivermos boa vontade e se funcionarmos de boa-fé, vale a pena.

Que vida fazem na vossa casa de fim-de-semana, em Cristelo?

A.Q. - Muito desse tempo passamos no jardim, a cavar, a cortar, a plantar. Vamos para o jardim (é grande, estamos em sítios diferentes), encontramo-nos à hora do almoço, estamos juntos, depois vamos outra vez para o jardim.

R.Z. - Tenho uma vantagem: trabalho em casa e só faço o que quero. Aos 56 anos consegui isso. Cada vez mais recuso sessões, promoções, porque estou muito bem comigo, estou muito bem com o Alexandre, estou muito bem em casa. Adoro escrever, adoro fazer jardinagem. Por que é que vou interromper isso?

A.Q. - Há quatro anos, decidimos que todos os anos passamos cinco semanas a viajar nas montanhas dos Estados Unidos.

É quando encarna o personagem Clem?

R.Z. - Alexandre não é um nome [que vá bem com aquela paisagem]. Chamo-lhe Clem, como Clemente, e falo com sotaque do west. [riso]

A.Q. - Very entertaining. [riso] Não levamos telemóveis nem computadores. Estou a descobrir uma América que não conhecia. Tinha aquele snobismo de que em África era tudo mais bonito, mais selvagem, e que ir para o meio dos Estados Unidos só para ver campos de trigo e de milho não me interessava nada. As montanhas são lindíssimas.

Fazem as cinco semanas de seguida?

A.Q. - Não. Eu preciso de Nova Iorque, mais do que ele. Preciso de lá estar uns dez dias todos os anos. Fazemos cinco dias em Nova Iorque, depois vamos para um sítio qualquer. A última vez estivemos em Denver, alugámos um carro e fomos passear pelas montanhas. Ficamos em motéis. Parar o carro à porta do quarto é uma maravilha, lembra-me a África do Sul. As pessoas não são sofisticadas, mas são muito genuínas. Nunca falamos de sexualidade ou religião, mas falamos de tudo o resto, de arte, de música, de Portugal. Os americanos em geral são amigáveis e informais.

Isso também vos faz perceber que para essa América não poderiam voltar, nessa não poderiam viver.

R.Z. - Não sei.

A.Q. - Daqui a dois anos tenho 70 anos, tenho de me reformar. Uma das coisas que andamos a discutir é se vamos passar períodos de dois meses, duas vezes por ano, nos Estados Unidos. A mim falta-me... O Richard às vezes goza comigo porque tenho de ir aos supermercados onde ia.

R.Z. - É muito sentimental! Gosta de ir às lojas onde a minha mãe andava.

A.Q. - Vou aos supermercados onde íamos fazer compras. Às vezes, ela vinha connosco. Tenho um gosto enorme em ir aos supermercados, com o mesmo cheiro. Chegar lá assim ao género do Proust, que comia a madalena [e recuperava a sua infância]. A minha madalena são os supermercados! [riso].

R.Z. - É do género do Pingo Doce, muito pouco interessante.

É muito pouco Proust.

A.Q. - Mas cada um tem o Proust que merece!

Retomo a questão: seria possível viverem nessa América profunda e viverem aí abertamente a vossa homossexualidade?

R.Z. - Sim. O bairro em que vivia quando conheci o Alexandre, o Castro, é um bairro residencial, simpático. Quando estive lá no fim dos anos 70, a maioria das pessoas eram jovens que vinham de Tallahassee, da Florida, de Atlanta, de Denver, que iam para São Francisco encontrar a felicidade. Hoje, o Castro é um sítio de homens com mais de 55 anos.

A.Q. - São os que ficaram.

R.Z. - Os jovens que hoje em dia vivem em Tallahassee, em Albany, em Bufallo, em Cleveland, não têm de ir para Nova Iorque ou São Francisco. Podem permanecer na sua cidade e ter uma vida realizada, abertamente homossexual. Isso é uma mudança muito grande nos Estados Unidos.

É recente?

R.Z. - É dos últimos dez anos. Em parte, é um efeito da televisão, de programas como Will & Grace. Apesar de ser um país de religião fundamentalista, nas cidades, para pessoas entre os 18 e os 35 anos, ser homossexual é um não assunto, independentemente de se ser republicano ou democrata, conservador ou progressista.

A.Q. - As séries televisivas tiveram um impacto enorme sobre isso. Da mesma maneira que as séries brasileiras, quando chegaram a Portugal, tiveram um impacto enorme na forma de pensar.

R.Z. - Na Europa, ter um presidente da câmara de Paris ou de Berlim, abertamente homossexual, muda tudo. Agora há pessoas com cargos de respeito que são homossexuais e que têm uma vida como qualquer um. Ele não dá ordens gay para limpar as ruas, ele dá ordens como presidente da câmara. Quando escrevo um livro, não escrevo um livro homossexual, estou a escrever um romance. Estes rótulos vão deixar de existir. Estamos a lutar por isso.

A aprovação do casamento gay em Portugal foi um passo de gigante para que isto deixe de ser um assunto?

A.Q. - Sim. Ter sido aprovado e ter tido pouca contestação, o que é uma coisa muito interessante.

R.Z. - Toda aquela gente que previa o fim do mundo...

A.Q. - Só daqui a vários anos vamos perceber o impacto. Uma das razões pelas quais tive dúvidas sobre dar esta entrevista foi porque já quase deixou de ser um assunto em Portugal. Tinha medo que as pessoas pensassem que estava a fazer a apologia de qualquer coisa, ou que havia a necessidade de falar sobre um assunto.

R.Z. - É um risco. Não quero ser conhecido como um escritor gay, como também não quero ser conhecido como escritor judeu, ou escritor americano. Quero ser conhecido como um bom escritor. Decidi correr esse risco. Os benefícios para a tal jovem de Castelo Branco e para o jovem de Fafe são mais importantes. Há pessoas que estão a sofrer imenso no mundo simplesmente por amarem uma pessoa do mesmo sexo.

Falam inglês um com o outro e esta entrevista foi em português. Teria sido diferente se fosse em inglês?

A.Q. - Provavelmente. Usei muitas palavras inglesas. Como é que seria diferente? Não sei.

R.Z. - Talvez eu brincasse mais. O meu vocabulário é maior em inglês. As nuances da linguagem, consigo medi-las de uma forma diferente. Não me custa nada falar português. Gosto de ser português. Sou uma pessoa muito mais rica, muito mais confiante, mais capaz de escrever excelentes livros - espero eu - por ter esta experiência de viver há 22 anos em Portugal. E também por ter mantido uma relação de 34 anos com o Alexandre. Não sou a mesma pessoa que escreveu O Último Cabalista de Lisboa. Essa pessoa já não existe, felizmente. Uma pessoa que não evolui é um ser morto.

Querem dizer mais alguma coisa ou ficamos por aqui?

R.Z. - Estávamos a falar das razões pelas quais era possível manter uma relação durante tanto tempo e só queria acrescentar que o Alexandre é o meu melhor amigo. Não posso imaginar viver 34 anos com uma pessoa que não fosse o meu mais profundo e mais importante amigo. Adoro passar dias inteiros com ele. Preciso de passar muito tempo sozinho, mas posso passar esse tempo com ele. Eu sozinho ou eu com ele é a mesma coisa. Ele esteve doente, há cinco anos, com pneumonia, e teve de ficar em casa três meses. Estava deitado e eu, como Florence Nightingale, ou Dr. House, estava aqui todos os dias. Era como uma lua-de-mel. Passava 24 horas por dia com ele, e era espectacular. Não há nada que não lhe possa dizer, não sinto qualquer limitação.

A.Q. - Queria dizer duas coisas. A primeira é que votei no Obama muito antes de ele dizer que estava de acordo com o casamento homossexual. E voltei a votar este ano. Espero que ganhe. [A entrevista foi realizada antes das eleições.] Estou com muito receio. O Mitt Romney é muito mais perigoso do que dá a entender. Como é mais inteligente que o George W. Bush, é capaz de ser muito mais perigoso do que ele. A outra questão: estou muito preocupado com o crescimento da iniquidade em Portugal.

É um país muito mais iníquo, agora?

A.Q. - Sim. É das coisas mais graves que vi nestes últimos 20 anos. É criminoso que nestas propostas [do Orçamento do Estado] o aumento dos impostos dos mais ricos seja em percentagens mais baixas que o dos mais pobres. Os pais do Richard viveram o tempo do Roosevelt, que criou trabalho depois da Grande Depressão, o New Deal. Gostaria muito que houvesse um New Deal em Portugal. Os que têm mais deviam contribuir mais, os que têm menos deviam contribuir menos. São os dois grandes dilemas nesta altura, a iniquidade e os miúdos a sentir que não têm escolhas, que a única escolha é ir lá para fora. A consequência disso sobre a saúde mental dos portugueses vai ser muito séria. Já não tínhamos uma saúde mental muito boa [riso]."






sexta-feira, 2 de novembro de 2012

90 anos

"Palavras para a Minha Mãe"

 mãe, tenho pena.
esperei sempre que entendesses as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.
pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.
às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo, a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.
lê isto: mãe, amo-te.
 eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

 José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

Há cerca de mês e meio cheguei a pensar que não conseguiria comemorar este nonagésimo aniversário da minha Mãe. Sempre gozou de excelente saúde e de uma extrema lucidez.
Mas, de repente, no início de Setembro foi internada no Hospital da Covilhã com uma infecção pulmonar, o que na sua idade era de muito risco. E a situação esteve mesmo à beira do fim; só com uma punção muito demorada e dolorosa, em que lhe extraíram uma enorme quantidade de liquido de um dos pulmões, começou a melhorar, e após três semanas de internamento, regressou a casa, curada da infecção, mas muito fragilizada, como é óbvio. De então para cá, já recuperou bastante fisicamente, já que de espírito esteve sempre muito bem e consciente de que poderia ser o fim.
O que interessa é que hoje terá com ela os seus filhos para a  homenagearmos como é devido a uma Mãe extremosa e muito querida.
Parabéns, Mãe, e que para o ano aqui estejamos todos de novo consigo no 91º. aniversário.

Esta música é uma pequena homenagem, pois desde sempre que me conheço, foi a sua canção preferida. E foi ao som dela que à meia noite lhe dei os parabéns.

domingo, 21 de outubro de 2012

Every time you go away





Find-us end December, in Belgrad, to move together our seventh anniversary.
 I miss you, Dejanito.