terça-feira, 27 de novembro de 2012

Rua dos cafés

Correspondendo a mais uma interessante iniciativa do Carlos, decidi juntar-me à “Rua dos Cafés”.
Sim porque eu sou do tempo em que se frequentavam os cafés e em muitos, havia estudantes a qualquer hora do dia ou da noite; eu próprio fiz algumas das cadeiras de Económicas num simpático café perto de minha casa e que ficava a 100 metros do Instituto Britânico – o “Big Ben”.
Mas o meu café de Lisboa era bem longe das minhas duas primeiras casas lisboetas, ficava no Saldanha (mais propriamente no final da Fontes Pereira de Melo) e era sem dúvida um dos mais emblemáticos cafés de Lisboa – o “Monte Carlo”.
Eu sei, Carlos que também foi o teu café e quem sabe não nos cruzámos várias vezes por lá…
Comecei a ir ao Monte Carlo, porque a malta da Covilhã que estudava em Lisboa fez ali o seu poiso e ali nos encontrávamos todas as noites e quantas tardes…Mesmo em frente da “Paulistana”, onde pontuavam os alentejanos e os estudantes de Veterinária, ficava mesmo ao lado de outro café bem conhecido, o “Monumental”.
Mas o Monte Carlo era uma instituição e chamavam-lhe a “catedral”. Havia à entrada, do lado de fora à direita, a tabacaria (vê-se na foto) e logo depois de franqueada a porta, do lado esquerdo, antes do restaurante, a pastelaria.
Geralmente encontrava-se por lá um cão, velho e gordissimo, o Benfica, que adorava queques e tanta gente lhe comprava esses bolos para sua delícia…
O restaurante, não me perguntem pela ementa, pois para mim, só existia o “bife à Monte Carlo”, com molho de café e que quase se trinchava com o garfo. Mais tarde, quando fui para a tropa, para Mafra, o meu fim de semana só começava depois de ali comer o bife, acompanhado de meia garrafa de Dão Grão Vasco. Presença assídua ali no restaurante, quase sempre só, era Laura Alves, com o seu lenço verde na cabeça e os enormes óculos de sol, sempre aparentando tristeza.
Depois do corredor, com mesas, chegava-se à parte mais baixa e maior do café, onde geralmente nós abancávamos; a afabilidade dos empregados de mesa era tal, que quando chegava à mesa, tinha o café já à espera.
Nesse corredor prontificava a tertúlia dos forcados com o Salvação Barreto à cabeça. Depois havia os actores, vários, embora alguns também frequentassem o Monumental e havia os escritores e os “revolucionários”.
Sim, ali havia de tudo e até muito boa gente de variados gostos sexuais.
E depois havia as “traseiras”; por de trás dos bilhares havia um pequeno bar e as célebres mesas do dominó e dos cavalinhos, e não só… Havia um cabeleireiro de homens e o WC.
Era um mundo, que começava à porta, na cavaqueira e que prosseguia lá dentro, no estudo, na escrita, no jogo, nas conversas, no início de tantas ideias de esquerda, tudo ali coabitava.
Hoje é mais uma loja da Zara, que tristeza…

20 comentários:

  1. Muito interessante a ideia e muito bonito o teu relato. Mesmo sem conhecer estive lá e 'vi a Laura Alves e o Salvação Barreto'... vi porque me deixei levar pela tua escrita. Ouvi a trompete do Chet Baker - que delicioso.
    Bom dia João.

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  2. Bela descrição!Era um café fabuloso! Como estudava no Saldanha, o Monte Carlo era o meu poiso, bem como o café do lado que ainda pertencia ao Monumental (agora não me lembro do nome).

    Destruir o Monumental e darem cabo do Monte Carlo foi um verdadeiro crime! Só neste país é que não se dá valor a sítios tão emblemáticos...bah!

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  3. por um lado, tenho pena de não ter vivido nesse tempo, de mudanças tão importantes, e frequentado esses cafés. claro que ainda existem cafés como a brasileira, o nicola, mas são sítios tão turísticos agora, ou a versailles, que fez 90 anos, ou o vavá, mas este fica tão longe das minhas andanças.
    na verdade, quando estudava íamos para uma cafetaria junto ao hotel próximo da fcsh, mas nunca fui muito de cafés nos anos 90, trabalhava, estudava, os trocos eram à justa.
    nunca tive um poiso certo, mais nova. hoje em dia, se o sítio me agradar, entro e fico um bocado.
    bjs.
    ps: vou ver o blogue que indicas, posso gostar de alguns e passar por lá :)

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  4. gostei muito da descrição do MC, porque dá bem conta do que os cafés representaram numa determinada fase da vida das cidades. de facto perdeu-se esse hábito tão urbano, e o pior é que o que veio a seguir não é melhor: os espaços de convívio e encontro e tertúlia, foram substituídos por espaços onde as pessoas se juntam mas não estão juntas.

    acho que o MC já não é do tempo das minhas vivências lisboetas. lembro-me muito bem do monumental, onde cheguei a ir ao cinema, mas não do MC.

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  5. Também eu frequento muitos cafés, pelo simples facto que também estudei em muitos deles e porque adoro, simplesmente café :)

    Gosto muito de ir ao Atrium, porque tem o café delta Q e tem o piano :)

    Momentos muito bons :)

    Abraço amigo

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  6. Pedro
    o Chet Baker e a própria música interpretada "Autumn Leaves" pareceram-me apropriados para esta nostálgica reflexão.
    E tens razão, a ideia do Carlos, como outras que ele tem tido (As praças dos leitores), põe os leitores de um blog a "mexer", o que é sempre interessante e vai de encontro à minha ideia de blogosfera.
    Abraço amigo.

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  7. Arrakis
    fico agradavelmente surpreendido por saber que também foste um frequentador do Monte Carlo.
    O café ao lado e que tu referes, chamava-se exactamente Café Monumental e ainda fazia parte daquele majestoso edifício.
    Concordo que foi uma dor de alma ver o Monumental vir abaixo.
    Abraço amigo.

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  8. Margarida
    o blog do Carlos Barbosa de Oliveira (aliás são dois - Crónicas on the rocks e Cronicasdororochedo) são excepcionais e merecem ser seguidos.
    Nesses tempos havia café que eram autênticas instituições, em Lisboa; além destes três de que falo, o Vává, no cruzamento da Av.de Roma com a dos EUA, o Império, junto ao cinema do mesmo nome, e que hoje é de uma seita religiosa (haja Deus!!!), a Mexicana, ali bem perto quase na Praça de Londres e outros.
    Claro, eram outros os tempos, vivia-se em ditadura e fora dos círculos políticos proíbidos, era nesses café que se encontravam os jovens opositores ao regime, além dos grupos reformadores das artes, da ciência, da cultura e do sexo.
    Beijinho.

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  9. já andei pelo blogue que indicas, vou segui-lo. aliás, já tenho uma história sobre um café, o da minha aldeia (um misto de loja, centro de dia para os velhotes e parque infantil para os miúdos :D)
    bjs.

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  10. Miguel
    sim, são coisas diferentes, mas o Saldanha era nesse tempo um local muito mais apelativo que agora, com esses três cafés e o cinema/teatro Monumental. Grandes filmes foram ali exibidos e no teatro era Laura Alves que garantia os maiores sucessos. Havia ainda perto o famoso "Tony dos Bifes", aberto até de madrugada, depois apareceu o Galeto e o Teatro Maria Matos; foi talvez a primeira grande alternativa lisboeta ao eixo Baixa/Avenida.
    e o Monte Carlo era o local mais emblemático onde tudo convergia.
    Abraço amigo.

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  11. Francisco
    o Atrium é um espaço e não um café; tem variadas casas a servir comida ou outras coisas, mas não tem nada a ver com os café de antigamente.
    Actualmente existem o Nicola e a Suiça, no Rossio, a Brasileira e a Bénard, no Chiado e a Versalhes na Av.da República; os da baixa/Chiado frequentados essencialmente por turistas e a Versalhes sempre foi uma pastelaria muito elitista.
    O resto, ou desapareceu ou transformou-se para pior.
    Ah, esqueci-me de um caso único, o Martinho da Arcada, no Terreiro do Paço.
    Abraço amigo.

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  12. Margarida
    óptimo; aliás o Carlos quando faz o convite diz para se possível, "levar um amigo também". Assim eu fiz a minha obrigação.
    Beijinho.

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  13. Como eu me lembro bem de tudo o que tão bem relatas...tempos que só vivem na nossa memória. Às vezes sinto-me triste...
    Abraço

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  14. Pois é Justine
    era terrível viver em ditadura, mas aprendia-se muito com essa situação.
    Por exemplo, as boas livrarias frequentadas por estudantes universitários, recordo uma em frente à Casa da Moeda, na Escola Politécnica, tinham uns fundos onde havia sempre o "caixote", que continha os livros proibidos pela censura; bastava frequentar com alguma assiduidade a livraria e ganhar a confiança de quem a dirigia para ir "até lá baixo" e ver tudo o que não podia ser exposto: tantos livros assim comprei.
    O sentimento de tristeza de que falas também o tenho por vezes, perante tanta futilidade dos tempos actuais.
    Beijinho.

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  15. João por incrível que te possa parecer nunca frequentei cafés (pastelarias) para estudar ou para tertúlias.
    Entrava neles mas muito pouco tempo, para beber e/ou comer qualquer coisa.
    Frequentei a Faculdade de Ciências que tinha e tem mesmo em frente uma pastelaria, a Cister se a memória não me falha, e raramente entrava nela.
    Ainda hoje frequento muito pouco esses locais, aqui na aldeia é que, no Verão, costumo passar umas horinhas na esplanada a ler.Vou chorar!
    Abracinho meu!
    Não tem UM CAFÉ!

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  16. Maria Teresa
    recordo-me perfeitamente da Cister, que parece ainda existir, com excelentes bolos, mas pequenina, com meia dúzia de mesas, nem deixavam estudar lá. Tinha muito movimento, claro, mas eram sobretudo passantes. E havia outro café, um pouco maior, quase a chegar à Igreja de S.Mamede...
    Também na minha terra, a Covilhã, como quase todas as cidades de província, havia um café, bem no centro e que era o principal ponto de encontro das pessoas - era o Montalto, na Praça do Município e hoje é...um banco!
    Curioso que o Montalto era frequentado só por homens, mas as senhoras iam para o andar de cima que funcionava como restaurante e durante as tardes, como salão de chá.
    Enfim, coisas do passado que a memória guarda.
    Beijinho.

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  17. Estudar sempre gostei de o fazer em casa e de preferência pela madrugada dentro. Nesta cidade muitos cafés desapareceram e o Monteneve, café que os estudantes frequentavam, deu lugar à Mango. Parece que as histórias acabam por ser idênticas estejam os cafés em que cidade estejam. Beijinhos

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  18. Mary
    a noção de café que havia há uns anos atrás acabou totalmente.
    Os que se mantêm vivem do turismo e de passantes ocasionais.
    Lembro-me de um café do Porto, na Praça, ao fundo dos Aliados, à direita de quem desce, que era lindo e era um verdadeiro café; hoje virou casa de hamburgers, salvo erro.
    E por falar no Porto, tem o mais belo café de Portugal - o "Majestic"!!!
    Beijinho.

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  19. Infelizmente, devido à minha idade, não vivi esses maravilhosos tempos onde existiam tertúlias amenas, nesses ambientes saudáveis dos anos 60 e 70. Contudo, ouvi muitas vezes o pai referir a antiga Versailles e A Brasileira, que também é mítica. Salvo erro, também o ouvi falar do Nicola.

    Hoje em dia perderam-se esses hábitos, apesar de já ter ido a esses estabelecimentos históricos com amigas, beber o nosso cházinho com os nossos scones simples. A avó não dispensa o seu chá de tarde, embora ultimamente o venha a beber cada vez mais em sua casa...


    abraço, querido João.

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  20. Mark
    a razão de incluir a Versalhes, assim como a Brasileira e a Bénard entre os "cafés" de antigamente, é por um lado por ainda existirem e por outro por terem uma outra coisa em comum: sempre tiveram tertúlias entre os seus frequentadores, fossem pastelarias ou realmente cafés. De resto, entre todos esses "cafés" antigos, havia diferenças de uns para os outros, razão pela qual as pessoas iam a um só e não frequentavam qualquer deles, à vez.
    Abraço amigo.

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Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!