Não é fácil escrever um texto, nos moldes clássicos, sobre o
poeta português José António Almeida.
Após aturada busca, não encontrei na net uma biografia ou
mesmo uma bibliografia completa, muito menos uma foto do poeta.
Apenas a indicação que terá nascido há cerca de 50 anos na
vila de Cuba , no Alentejo, e que se tornou mais conhecido depois das reflexões
em que participou na Capela do Rato, sobre a tripla condição de poeta,
homossexual e católico, aliás referida no seu livro “O casamento sempre foi gay
e nunca triste”,
já falado neste blog quando inseri um dos seus textos junto com
o abominável vídeo da Drª(?) Madalena Fontoura.
Desse post resultaram variados e interessantes comentários
dos quais eu próprio, (e parece que não só eu) adoptei uma palavra sugerida pelo Ophiuchus para substituir o catolicismo, e que é a Espiritualidade, ou seja a
minha relação com Alguém, difícil de definir, mas que consubstancia muito
daquilo que nos faz acreditar num ser superior e nos permite ter fé.
Esse livro é um dos quatro que li recentemente de José
António Almeida, e sobre ele aconselho vivamente a ler uma excelente e completa
entrevista dada pelo escritor à revista Pública, em 11 de Abril de 2009 e que
pode ser lida aqui.
O primeiro livro que li de José António Almeida foi no
entanto “Obsessão”,
um curto livro de poemas, publicado como o referido
anteriormente pela “&etc”, que me seduziu pois vi nalguns dos seus poemas
algo que o aproxima, com o devido respeito e nalguns aspectos a António Botto.
Vejamos o poema primeiro e que dá o nome à obra:
“Numa só coisa porfio:
Outra vez ver o teu corpo
Na minha cama despido,
De livro folhas abertas
Com os dois braços cruzados
Atrás do rosto de efebo
- devorando cada letra
Em meu quarto no segredo.
De noite o membro de nácar
Sempre com donaire erguido,
Acróstico no teu peito
Começado sem ter fim.”
Ainda com a mesma chancela (&etc), um outro seu livro,
desta vez em prosa, “A vida de Horácio”,
delicioso apontamento sobre uma
personagem que vai alternando a sua homossexualidade com o aparecimento na sua
vida de duas mulheres que o marcaram fortemente: a frágil e virginal Miss
Savonarola, e a impetuosa e imponente Madame Robespierre. Como se adivinha esta
pequena história está descrita com um subtil humor e o autor mostra aqui uma
veia até então desconhecida.
Finalmente o último livro que li deste autor é de novo em
verso e é excelente: “O rei de Sodoma e algumas palavras em sua homenagem” da
Colecção Forma, da Editorial Presença.
Alguns poemas são verdadeiramente admiráveis e permito-me
aqui transcrever aquele que mais me seduziu:
“Cruzou-se de noite entre as sombras do parque
com outro vulto, como dois desconhecidos
deslizando furtivamente um pelo outro.
Mas o cão que acompanhava o vulto estranho
(um podengo velho, sem pelo, quase cego,
Com menos de metade das forças de outrora)
levantou a cabeça e as orelhas, pôs-se
a farejar-lhe as pernas, abanando a cauda
(o estranho continuou, sem olhar para trás).
O animal reconhecera o cheiro dos membros
despidos com que brincara muitas vezes
numa casa em que o dono e aquele corpo
partilharam quatro paredes, há muito tempo.
E o homem, fugindo, enxugou uma lágrima.”
Mais uns livros registados :)
ResponderEliminarAbraço
Francisco
Eliminarlivros pequenos, fáceis de ler e com muito sumo.
Abraço amigo.
Francisco, podes encontrar a "lista" completa em:
Eliminarhttp://www.goodreads.com/group/show/87652-literatura-gay-portuguesa
E podes aderir ao grupo, é claro...Francico.
EliminarAbraço amigo.
este último poema é extraordinário.
ResponderEliminarLuís Galego
Luís
Eliminaré para mim o mais belo poema do livro.
Abraço amigo.
vou levar para o Face. Obrigado João.
ResponderEliminarLGalego
Luís
EliminarEstás à vontade.
Abração.
João, o artigo do Público sobre os católicos homossexuais que descobriste é muito interessante, e doloroso, pois dá-nos testemunhos de como a Igreja Católica não pratica com os crentes homossexuais a compaixão católica que tanto proclama (o exemplo do rapaz que tinha um irmão padre que o censurou quando ele teve coragem para lhe contar que era gay é gritante!)
ResponderEliminarJoão
Eliminaré uma extraordinária entrevista (e não só) que aqui não transcrevo por ser demasiado extensa, mas cuja leitura aconselho vivamente, em particular ao "autor" do nosso termo - espiritualidade!
Abraço amigo.
Já está no mapa dos achados (ainda por cima com o nome do irmão e apelido amoroso!) para próximas "caçadas"! Grato pela divulgação dos belos poemas desse autor "desconhecido", pela série de entrevistas da pública, pela menção e referência.
EliminarA espiritualidade entrou desde cedo com uma busca pela "explicação/razão de vida" nos livros lá de casa, conquista dos espaços em volta e foi desenvolvida num mestrado incompleto; ficou essa relação de transcendência traduzida na sensibilidade e aceitação do "estranho" em nós, mas... esta troca de impressões cognitivas e sociais tem de ser feita pessoalmente...
Um grande Abraço, João!
João
Eliminarfici satisfeito de te ter despertado o interesse, embora o livro primeiro já tivesse de ti merecido o comentário que originou a adoptada forma de escreveruma série de clichés (religião, catolicismo, fé...) numa só mais abrangente e mais correcta - espiritualidade.
Claro que a espiritualidade é sempre individual e cada um a usa a seu contento e necessidade.
Abraço amigo.
A vida consegue ser muito ingrata para quem foge aos moldes tradicionais. Provavelmente, foi o que aconteceu a José António Almeida. É lamentável que não haja uma mera fotografia na internet, uma biografia mesmo que vaga, algo...
ResponderEliminarAinda bem que as coisas se alteram aos poucos. Hoje em dia, um escritor, poeta, artista homossexual já não é ostracizado como noutros tempos. Aliás, hoje quase que há um fascínio, reconhecendo-se a capacidade altamente criativa dos homossexuais e o facto inegável de que nas suas profissões, regra geral, são os melhores.
abraço, querido João.
Mark
Eliminaro interessante nessas "conversas/reflexões" realizadas numa capela do Rato, é que eram, ao que suponho, orientadas por padres, um dos quais um indivíduo excepcional autor de uma Biblia Ilustrada interessantíssima, e que se chama José Tolentino de Mendonça. Penso que não será homossexual, mas sim uma mente aberta dentro da Igreja, o que é infelizmente raro.
Abraço amigo.
gostei muito deste posr, é claro. acho que está uma belíssima homenagem ao José António Almeida, e era bom que a partir daqui muita gente o fosse descobrir.
ResponderEliminarcomo já te tinha dito, o Rei de Sodoma é um dos livros predilectos, e esse poema que escolheste é tremendo!
Miguel
Eliminarfoi esse o espírito que presidiu à escolha desta postagem, já que é a partilha o objectivo essencial do meu blog.
O poema é fabuloso, sem dúvida.
Abraço amigo.
não conhecia a entrevista, li-a com bastante interesse e guardei-a. por acaso, nas minhas pesquisas, já conhecia esses blogues referidos.
ResponderEliminarquanto ao livro, também o quero ler, sem dúvida.
estou cada vez mais a afastar-me da Igreja com que cresci e prefiro o termo já aqui mencionado, espiritualidade e amor.
bjs.
Margarida
Eliminaré uma longa conversa focando vários assuntos e variados casos pessoais, conhecendo eu pessoalmente a Sara Martinho, dos meus tempos da Ilga.
A Igreja, com o seu conservadorismo tem tido esse efeito que referes, e que faz afastar as pessoas dela, ao invés de as cativar. E mesmo dentro dela própria, a crise é grande, não só de vocações, como de valores...
Beijinho.
Gostei do último poema que tanscreves - um modo original de contar uma estória!
ResponderEliminarNada conheço deste escritor - irei ler "O casamento sempre foi gay...", gosto da ironia do texto!
Justine
Eliminarnão percas também a reportagem publicada na revista "Pública", pois vale bem a pena.
Beijinho.
Olá!
ResponderEliminarEsta é a página do Facebook do meu novo livro de poesia "Em Teus Olhos Seria Vida".
Gostava de poder contar com o teu "gosto" na minha página.
Obrigado!
www.facebook.com/EmTeusOlhosSeriaVida
ou em:
poesiafaclube.com/store/josé-manuel-pereira-"em-teus-olhos-seria-vida"
=)
Olá José Manuel
Eliminarestá feito e espero que este livro seja um sucesso.
Abraço amigo.
Muito obrigado João!
ResponderEliminarUm grande abraço!
=)
De nada, José Manuel, e espero que quem visite o meu blog e goste de poesia, vá também lá a pôr o seu "gosto"...
EliminarAbraço amigo.