Não é meu hábito fazer transcrições de textos de outros blogs, e ainda menos, integralmente, embora já o tenha feito uma ou duas vezes, a última foi de um texto do Luís Galego (Infinito Pessoal).
Volto a fazê-lo agora e justifico-o por duas razões, ambas fortes: a primeira, é óbvia, porque se trata de um texto muito bom, bem escrito, actual e com o qual concordo por inteiro. A segunda, porque o blogue que a publicou – “Natcho Box” – é um blog interessantíssimo, a que muito pouca gente parece prestar atenção; pelo menos, parece-me ser eu o único comentador, o que é uma pena, pois o seu autor, um jovem estudante do Porto, parece-me dotado de uma grande cultura e personalidade e tem um âmbito alargado de temas, alguns tratados ao de leve, com frases certeiras e curtas, outros, como o da música, que eu nunca comento, por desconhecimento apenas, bastante desenvolvidos, e de vez em quando com uma exposição fotográfica apurada e exaustiva de certas figuras masculinas que são da sua preferência (eu tenho outros gostos, mas por isso o mundo não cai); enfim, é um blog que merece uma maior divulgação e é com o maior prazer que aqui o apresento.
“É um facto reconhecido o recente fenómeno do crescimento do racismo/xenofobia nos países da Europa Ocidental. Tal fenómeno é visível na crescente visibilidade dos partidos de extrema-direita. O caso da liberal Holanda é prova disso. Mas será que esse súbito (?) crescimento será assim tão recente? Quais as razões que potencializam essa subida da extrema-direita em países tão liberais, como por exemplo, a Holanda?
Detesto iniciar um texto com um cliché mas, em certa parte, é uma realidade: a História é cíclica e tende-se a repetir.
Basta olharmos os factos históricos em todas as suas dimensões – cultural, social, económica – para nos darmos conta que os eventos históricos, no que se refere às ideologias (conservadora/liberal) que transportam, não obedecem a uma linhagem contínua mas antes a uma espécie de ondulação, ora reaccionária, ora libertária.
Da libertinagem sadia dos impérios greco-romanos à ascensão do cristianismo (que se aproveitou e muito bem, das invasões bárbaras), da ascensão do cristianismo e do surgimento da idade das trevas (Idade Média), com tudo a que isso tinha direito (Inquisição, por exemplo) ao Renascimento, do Renascimento à expansão marítima nacionalista dos impérios europeus (com Portugal e Espanha lá no meio), da expansão nacionalista à indagação dos cânones pré-estabelecidos, ao confronto ciência versus religião (O “Contrato Social” de Rosseau), do Absolutismo barroco (Napoleão, Luíses qualquer coisa) ao Iluminismo e à Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade, Fraternidade), da Revolução Francesa e da queda do Ancient Régime aos nacionalismos bárbaros que desencadearam a I Grande Guerra, da I Grande Guerra à Belle Epoque dos anos 20 (a emancipação da mulher, o álcool, o jazz, o cabaret burlesco), da Belle Epoque à crise económica e financeira do Wall Street em NY, 1930 (o pico da II Guerra Mundial) trazendo consigo a ascensão do nazismo italiano e alemão (Salazar em Portugal, Franco em Espanha, Vargas no Brasil) e uma das piores catástrofes da Humanidade: o Holocausto.
Do Holocausto aos movimentos de contracultura dos anos 60 nos USA (movimento dos direitos civis de mulheres, negros, homossexuais; descontentamento face à guerra do Vietname; ascensão do flower power hippie com os Beatles e Rolling Stones a darem uma ajuda).
Dos movimentos de contracultura à iminência da ameaça nuclear da Guerra Fria, da Guerra Fria à libertinagem sexual dos anos 80 (o punk e o disco de mão dadas, o sexo hardcore e a sida). Já nos anos 80 a direita de Tatcher (UK) e Reagan (EUA) faziam das suas. Depois os anos 90 e os discursos do multiculturalismo. Um 11 de Setembro de 2001 leva um Bush conservador ao poder, Obama barrou-lhe o caminho e agora, uma crise mundial. Está traçado o panorama oscilante onde os acontecimentos considerados mais relevantes da História, focados essencialmente na Sociedade Ocidental, têm lugar.
É uma visão estruturalista, eu sei, mas faz algum sentido. Esse sentido nas coisas nos levanta uma questão crucial: o que é que o futuro nos reserva? Não vou recorrer da Maya para pressupor uma série de coisas mas posso sempre tentar.
Ficamos no ponto da Crise Mundial. Partamos dela para nos aventurarmos na sempre irreverente ciência da futurologia e elaborarmos as possibilidades de um cenário.
A crise do Wall Street dos anos 30 estabeleceu as condições necessárias para a ascensão do nazismo na Alemanha e na Itália. Uma análise mais crítica e desconstrutivista permitia-nos concluir que um dos culpados dessa crise foi o capitalismo mas não. A população estava demasiada revoltada e não tinha tempo para reflexões, precisava de respostas rápidas, urgentes, concretas e eficazes.
A somar a essa realidade, uma população sem emprego, pobre, descontente, revoltada precisava de um bode expiatório. De preferência, um grupo minoritário que contrarie a norma dominante. Hitler sugeriu um: os judeus.
Hitler não era burro. Os judeus tinham jeito para os negócios, logo, dinheiro (aliás, esse é um dos estereótipos mais comuns associados aos judeus, naquela época). De referir que o estado alemão precisava de dinheiro para concretizar os planos militaristas do seu tresloucado líder, na sua ganância para conquistar o mundo.
Curioso que os novos yuppies do século XXI sejam agora os homossexuais (a importância crescente do comércio rosa e as críticas do extrema-direita aos homossexuais chamando-os de lobby – como o lobby judeu –), mas os homossexuais tem essencialmente uma imagem, deveras, clean e capitalista para serem o alvo preferencial dos grupos neonazis actuais embora a crescente mobilização e aquisição de direitos fundamentais para os homossexuais como o de casar e o de constituir família torna-os uma ameaça (preservação da família tradicional, valorização do aspecto biológico para a manutenção da herança genética).
Continuando nos judeus. Se dantes eram os judeus, agora é a Islamofobia que guia cegamente os movimentos neonazis. Aumenta o fosso sociedade decente (= ocidentais; não árabes) vs sociedade primitiva (= muçulmanos).
A crise faz reaparecer os discursos pró-salazaristas. Basta irem de bus e reparam. Discursos como “esses imigrantes vêem para aqui roubar os nossos empregos” são o prato do dia. Eles são sempre os responsáveis pela crescente onda de violência (carjacking, crimes da noite, assaltos violentos a joalharias, supermercados, farmácias, bancos e estações de serviço) mesmo que os estudos nos provem o contrário.
Em suma, as crises económicas potencializam discursos reaccionários de direita. Mesmo que perante as evidências a possibilidade da culpa seja do capitalismo desregrado e irresponsável. Mesmo que os estados não hesitem, um segundo se quer, a nacionalizar os bancos para salvaguardarem a economia.
Não há valores morais quando a base para a manutenção dos mesmos falta (Já viram o filme “O Senhor das Moscas”?), e essa base é o dinheiro. É o dinheiro que nos gere muitos dos nossos comportamentos, quer queiramos quer não. O dinheiro representa o acesso aos bens essenciais e sem esses bens a nossa vida/existência está comprometida. Por isso toca a atacar os imigrantes (como se os imigrantes não representassem mais de 10% do nosso PIB ou como se existissem milhões e milhões de portugueses noutros países, nomeadamente, França ou Canadá).
A mentalidade conservadora (direita e Religião) está fortemente enraizada na dimensão da Natureza e essa dimensão tem que ver com o mito das origens (Adão e Eva). Qualquer mudança é um perigo. Representa uma reviravolta com o estabelecido. Cheira e sabe a futuro. Expressões comuns, normalmente, em pessoas mais idosas, como “no meu tempo é que era”, leva-nos ao passado, ao primitivismo cavernoso. Transporta-nos a Adão e Eva. Brancos, heterossexuais e com o homem, à imagem e semelhança de Deus, a liderar o processo da evolução (Eva surge depois e é ela a culpada do pecado da imperfeição, da desobediência, do acesso à liberdade individual).
A realidade biológica é fruto de todo o tipo de preconceitos. Há um século não se pensava que os negros eram incapazes de ter o mesmo nível de intelectualidade de um branco só porque tinha uma cor de pele diferente? Para depois se descobrir que o problema era cultural… Mesmo que, hoje em dia, a ciência comprove que há mais genes que separam o ser humano branco do ser humano nórdico do que o homem branco e homem negro, há sempre qualquer coisa a dizer que não parece que seja assim.
Chegou-se a argumentar que as mulheres não poderiam votar porque estariam muito ligadas à metafísica, logo não sabiam discernir a Razão (que o Homem possuía em doses modestas) da Emoção (Mulheres – Reprodução – Natureza – Deus).
A esmagadora maioria das pessoas têm determinados preconceitos e estereótipos que, de certa forma, são necessários q.b. mas não se pense que isso sirva para legitimar ódios infundados. Quando não temos consciência deles nem capacidade de desconstrução aí é mau.
Temos que ter espírito crítico e inconformista para escavarmos fundo e perceber como as coisas (inclusive os factos históricos) foram meramente contingentes. Não é esse o espírito que sempre caracterizou a esquerda liberal? Quantos Galileus têm que ser mortos para percebermos isso?
De facto, tomando como linha de raciocínio a minha frase acima mencionada: a História é cíclica mas nós podemos fazer com que ela nunca mais se repita.”