Fui recentemente, pela segunda vez na minha vida a Belgrado, curiosamente uma cidade capital de dois diferentes países, nessas visitas. Há anos, capital da ex-Jugoslávia, no seu imediato pós-Tito, e agora da Sérvia. Foi uma visita atribulada, essa primeira vez, pois tinha sido infantilmente roubado, durante a noite, na travessia ferroviária desde Atenas, ficando privado de qualquer documentação, do bilhete e de dinheiro, como é óbvio. Assim sendo, foi quase só o tempo ocupado com a ida à embaixada portuguesa, para resolver o problema, e pouco tempo restou para ver a cidade, da qual relembro essencialmente um bonito parque, com uma óptima panorâmica da confluência do rio Sava, que atravessa a cidade, com o Danúbio, que também banha as suas margens. Recordo, nesses tempos já longínquos, que era a primeira vez que visitava um país da área comunista, pese embora um comunismo pouco ortodoxo e algo terceiro-mundista, à imagem do seu líder até então, 0 Marechal Tito. Não foi fácil a comunicação com as pessoas, pois não encontrei muita gente a falar inglês, o francês era praticamente desconhecido e eu, de alemão e russo era e sou completamente ignorante. Ainda por cima, existia um segundo alfabeto, o cirílico, o qual para mim era igual a hieróglifos...Mas, lá me fui "desenrascando", e pude ficar com uma ideia de um país de contrastes, se é que se pode ter a imagem de um país apenas com uma fugaz visita a uma cidade, mesmo que seja a sua capital. Um povo afável, mas algo fechado e é curioso que fiquei com uma impressão, talvez pouco definida, mas que o tempo, infelizmente se encarregou de me explicar, de que era um povo com alguns problemas...Voltei a Belgrado em Setembro último, e desta vez aí permaneci quase duas semanas, o que foi suficiente para ficar com uma ampla visão da mesma, visitando os locais mais turísticos, mas também alguns outros menos conhecidos, devido à companhia sempre agradável e conhecedora de alguém que nela habita há vários anos. É uma cidade de contrastes, confirmei. Alguns prédios degradados convivem, nas principais avenidas, com belíssimos exemplos de uma arquitectura rica e muito bem conservada. Vasta, na sua área, bastante populosa (perto de dois milhões de habitantes), visitei pela primeira vez, na margem esquerda do Sava, a "nova Belgrado", com as suas amplas avenidas, modernos prédios de habitação, hotéis e zonas comerciais. Passeei-me pela extensa e sempre muito concorrida, dia e noite, zona pedonal, com uma quantidade e diversidade enorme de cafés, restaurantes e esplanadas aprazíveis. Recordei locais da minha anterior visita, como a já "gasta" estação ferroviária central, e o alindado parque da cidade, junto aos rios, que continua a ser o local de passeio e visita mais popular. Fui conhecer o majestoso e previamente auto laneado mausoléu de Tito...Vi a enorme catedral de S.Sava, a maior igreja ortodoxa que existe, e que apenas recentemente, teve a sua atribulada construção, finalizada. Mas preferi a simplicidade da igreja de S.Marcos, onde me foi dado observar pela 1ª vez,com alguma minúcia uma religião afinal tão próxima do catolicismo, que por aqui se pratica. Vivi a cidade, no seu dia a dia e habitei uma das suas principais avenidas, aquela que "ostenta" ainda hoje os sinais de uma acção punitiva, que visou não só Belgrado, mas vastas áreas da Sérvia, essencialmente pontes e importantes unidades económicas do país.
Estes bombardeamentos cirúrgicos foram efectuados pela NATO, com o objectivo, atingido, de certa forma, de forçar, em 1999 o então presidente Milosevic a aceitar a permanência das Nações Unidas no Kosovo, situação que ainda hoje se mantém num impasse difícil de resolver(*).Mas a contestação interna a Milosevic foi também enorme, e forçou mesmo a sua demissão, após as esmagadoras manifestações populares, que terminaram com o seu abandono do poder em Outubro de 2000. É lamentável, ver, ainda hoje, numa mesma avenida, prédios esventrados pelos "rockets" americanos, lado a lado com magníficos edifícios governamentais; sinais de uma violência que tanto marcou a Sérvia no final do século passado, consequências de uma guerra fratricida, que a ninguém beneficiou e a todos penalizou. Emergiram nos Balcãs novos países, alguns de fracas capacidades económicas, outros ajudados pela conivência de grandes potências europeias, com a Alemanha à cabeça, que sempre se opôs à formação de uma "grande Sérvia", e assim nasceu um novo mapa europeu, a juntar ao desmembramento da antiga URSS, no final da década de 90. O povo, esse, foi quem mais sofreu, como sempre sucede. Mas já tanto tinha sofrido nessa cruel e mortífera guerra, que teve, a meu ver, como primeiro e máximo culpado, mesmo após ter desaparecido, o Marechal Tito, o qual para seu poder pessoal, formou e manteve uma fictícia união de etnias, religiões e viveres, que se chamou um dia Jugoslávia. Dessa guerra, desses acontecimentos, espero vir a escrever algo, um dia destes...
Adenda: estes posts foram escritos em 11 e 16 de Novembro de 2006; após estas visitas já voltei a Belgrado, visita essa que documentei aqui no blog em 13 e 18 de Janeiro do corrente ano; e claro, desde Novembro de 2006 até hoje muito aprendi sobre este povo e este país…
Adenda: estes posts foram escritos em 11 e 16 de Novembro de 2006; após estas visitas já voltei a Belgrado, visita essa que documentei aqui no blog em 13 e 18 de Janeiro do corrente ano; e claro, desde Novembro de 2006 até hoje muito aprendi sobre este povo e este país…
(*) - Infelizmente já teve alguma resolução: a independência unilateral de um "país", chamado Kosovo...
Uma cidade que eu gostaria muito de conhecer e um povo que possui um sentimento de identidade que eu invejo, pois sinto-me aqui, cada vez mais, na terra do "quem tem um olho é Rei".
ResponderEliminarUm relato muito interessante e muito bem escrito, como sempre.
Obrigado por esta visita guiada...
Um abraço.
Com senso
ResponderEliminareu já escrevi muito sobre estas terras e este povo, pois sendo o Déjan sérvio, vivendo em Belgrado, mas tendo nascido em Zadar, na actual Croácia, onde ainda vive o pai, imagina o que foi o período da guerra para ele e família...
Fiquei a saber de muita coisa, que tenho transmitido através do blog.
Este foi o meu primeiro texto sobre o assunto.
Abraço.
Um destes dias vi o filme Lord of War (pt: O Senhor da Guerra) é um filme de 2005, do género drama, escrito e dirigido por Andrew Niccol.
ResponderEliminarO filme começa com Yuri Orlov declarando, "Há mais de 550 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. É uma arma para cada doze pessoas no planeta. A única questão é: Como armamos as outras onze?"
Não se pode dizer que seja um filme a não perder.
No entanto este filme é muito honesto e real com tudo o que está relacionado com o comércio das armas.
Como toda a população mundial sofre com a guerra para que 3 ou 4 pessoas, 2 ou 3 países mantenham a prosperidade nos seus negócios do armamento.
Politica? Religião? Disputa territorial?
Tudo isso não é mais que fait-divers.
O Gen. Tito tinha sede de poder, não duvido, mas alguém necessitou mais de vender armas do que estave interessado em que o Milosevic aceita-se a permanência das Nações Unidas no Kosovo.
O filme acaba afirmando que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, EUA, Reino Unido, França, Rússia e China, são os maiores comerciantes de armas do mundo, encerrando-se com a frase "este filme é baseado em fatos reais",
Penso que não devemos procurar razões para explicar os conflitos. Não embarcar nesse jogo. Tentemos encontrar o vendedor e o comprador. Acredito que o conflito fica explicado.
Para mais alguma informação - http://pt.wikipedia.org/wiki/Lord_of_War
GRITOMUDO
curiosamente, sérvios e croatas, conheci-os longe da europa, em nova iorque. pareceu-me gente bem civilizada. muito mesmo. mais que cá (isto muito baixinhooo)
ResponderEliminarabraço
A guerra... e a humanidade parece não aprender. Tenho curiosidade em visitar esta cidade. Quem sabe, um dia...
ResponderEliminarbjocas
Ora aí está uma série de países que ainda não conheço, apesar da Croácia e a Eslovénia serem os países mais conhecidos em termos de Turismo(é a percepção que eu tenho e admito estar errado.
ResponderEliminarSegundo li num artigo, esta guerra começou apartir de um jogo de futebol e alcançou aquilo que todos sabemos e faz parte da História, INFELIZMENTE.
As diferenças entre o catolicismo e o ortodixismo(existe esta palavra?) são muito pequenas, apenas nós católicos veneramos estátuas, eles veneram icones, mas os santos são todos os mesmos.
As igrejas ortodoxas tem 3 portas atrás do altar, onde se a pessoa quer se confessar ou falar com o padre, entra pela porta do meio.
Os católicos são mais distantes com o confessionário.
As outras diferenças tem haver com datas religiosas e pouco mais.
Voltando ao Povo dos Balcãs, são um Povo muito NOBRE, algo que falta a muitos de nós portugueses.
Abraço
A.António
Gritomudo
ResponderEliminaracho que cerca de 80% dos conflitos no mundo, pelo menos, têm origem no que dizes, lamentavelmente.
Ainda agora, mais um conflito, um bocado "tapado" pelo impacto dos J.O.
Até parece que o Putin foi a Beijing assistir à cerimónia da abertura, e "esmagado" pelas potencialidades da nova China, resolveu mostrar que a Rússia ainda consegue "berrar"...
Abraço.
Gostava muito de visitar os Balcãs... todas as pessoas que conheço que lá foram, falam maravilhas.
ResponderEliminarbeijocas
Rocket
ResponderEliminarsão bastante civilizados, é verdade, mas há uma grande diferença entre eles, apesar de culturalmente e pela língua, serem irmãos, e que é os croatas caírem nas graças da UE, via Alemanha e os sérvios, não...
Uma coisa os distingue a ambos, de nós, portugueses; é que fervem em pouca água e nós, como sempre, continuamos nos "brandos costumes".
Abraço.
Jasmim
ResponderEliminarum dia vais comigo, e já posso fazer de cicerone, mas há lá melhor...o Déjan, claro.
Beijinhos.
A.António
ResponderEliminarna questão do turismo, a costa adriática da Croácia, de Zadar até Dubrovnik, é um espectáculo.
Como povo, prefiro os sérvios, mais autênticos e com uma capacidade de se adaptarem às adversidades, fabulosa.
Na religião, tens razão, as diferenças são mínimas; há um pequeno pormenor curioso nas igrejas ortodoxas: o local para as celas oferecidas, têm dois níveis, o de cima para as intenções que respeitam aos vivos, e em baixo, para os mortos...
Abraço.
Blueminerva
ResponderEliminare olha que vale a pena.
Na primeira viagem que relato conheci cinco cidades da ex-Jugoslávia, que hoje são capitais de cinco países: Belgrado(Sérvia), Zagreb(Croácia), Ljubiana(Eslovénia), Serajevo(Bósnia H.) e Skopje(Macedónia).
Beijitos.
venho só deixar-te um beijo e agradecer as visitas que sempre me fazes.
ResponderEliminardeixo a leitura para depois- acabo de chegar do estádio do dragão ( eu uma benfinquista!!!)onde fui acompanhar o filhote que é um tripeiro ferrenho.a duxa, claro que também estava presente. no calor da coisa, até eu fiz a onda!!! rs...
resumindo, estou K.O.
Ana
ResponderEliminarque bom ter notícias tuas...e da Duxa.
Eu vi a primeira parte do jogo de hoje, mas ontem vi o jogo da Luz, todo, e gostei!
Quando vêm até cá baixo?
Beijinhos.
eu vou colar-me a ti e à Jasmim :p
ResponderEliminarsaudades de viajar. tenho muita curiosidade em conhecer essas zonas. gostei muito da descrição que fizeste, da infantilidade do roubo (pensamos sempre isso, não é)...
beijo, pin
Isa
ResponderEliminarfazemos uma excursão, e olha que vai ser giro...
Quanto ao roubo, é que foi mesmo de uma forma infantil, acredita...
Beijinhos.
Para mim, Belgrado tem sempre algo do fascínio de um filme de Emir Kusturica. Com banda sonora e tudo.
ResponderEliminarAbraço
Oz
ResponderEliminarfoi por essa razão que escolhi um tema de Goran Bregovic para este tema, já que compôs a música dos principais filmes de Kusturica.
Abraço.
O poder é uma daquelas coisas que me faz confusão à inteligência, ainda hoje mas pronto... Parece que ainda vai demorar muitos anos (se alguma vez acontecer!)para ter os dias contados...
ResponderEliminarbeijinhos
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarDesculpa... Fui eu que apaguei o comentário, era repetido!!!
ResponderEliminarbjs...
Carpe diem
ResponderEliminarmas afinal o que é o poder????
Beijinhos.
como sempre seu blog muito informativo , sempre aprendo alguma coisa quando venho aqui abracos
ResponderEliminarViajar é excelente. Conhecer e entender os locais nos seus pormenores, melhor ainda. Relata-los para enriquecer a outros… um espectáculo!
ResponderEliminarObrigado pela partilha.
Abraço!
Uma das vantagens de morar na Europa é a de estar próximo de cidades representativas para a história, para a cultura, para as artes. Eu que moro na América do Sul tenho outras vantagens, mas tenho o sonho de conhecer todos esses centros...
ResponderEliminarUm grande abraço
vim despedir-me
ResponderEliminarvolto daqui a uns dias.
bjs
Avessos
ResponderEliminaracima de tudo procuro fazer um blog bastante variado, algumas coisas agradam mais a uns, outras agradam mais a outros...
Abraço.
Sócrates
ResponderEliminarpor força das circunstâncias, ultimamente tenho viajado bastante, e relatar as impressões do que vejo e aprendo sempre gostei de o fazer. Conheço quase toda a Europa e já pensei fazer aqui no blog uma séri e dposts sobre locais especiais a visitar, mas depois vai ficando a ideia "congelada"...
Abraço.
Tarco
ResponderEliminarcomo dizes são as diferentes formas de ver o caso; realmente, aqui na Europa, dá-se um passo e estamos em Paris, só para dar um exemplo; mas já reparaste como é apaixonante viver num imenso país, que te oferece, apenas ele próprio tão grandes diferenças, em paisagens e culturas?
Abraço.
Jasmim
ResponderEliminardiverte-te e descansa.
Beijinhos.
Estive atentamente a ler este post e aprendi algumas coisas que desconhecia da cidade de Belgrado.
ResponderEliminarA segunda imagem, assim de repente reportou-me para a rotunda do Marquês, não sei muito bem porquê.
Estive atentamente a ler este post e aprendi algumas coisas que desconhecia da cidade de Belgrado.
ResponderEliminarA segunda imagem, assim de repente reportou-me para a rotunda do Marquês, não sei muito bem porquê.
Brama
ResponderEliminarainda bem que isso aconteceu, pois este é um espaço de partilha.
Quanto à segunda foto, o que te faz lembrar o Marquês, é o tipo de edificios, muito semelhantes e a forma algo circular dos mesmos; mas apenas isso, pois nem sequer uma rotunda é; fica no centro, e é uma bifurcação de uma avenida grande; o nosso Marquês é muito mais bonito.
Abraço.
underground: a terra que se separa e afasta pessoas e desmembra a terra e o povo. é um facto que existem diferenças muito acentuadas que fazem com que povos vizinhos vivam mais ou menos de costas voltadas. também me parece que há povos mais dados à violência, à xenofobia, à intolerância... não sei como será viver num sítio assim, dividido por tantos problemas. quanto aos edifícios esventrados, sem comparação possível, fez-me lembrar o convento do Carmo que também ficou assim, esventrado em memória e hoje até tem algo de exótico. ao fim e ao cabo, o que importam são as pessoas (só algumas, desculpa o elitismo).
ResponderEliminarabraço grande
Paulo
ResponderEliminaré precisamente em memória do que aconteceu que estes edifícios se mantêm assim esventrados; claro que muitos foram reconstruidos; na rua deste edifício, que é onde mora o Déjan(a sua casa fica a 150 metros do edifício da foto), há inúmeros edifícios governamentais, incluindo a residência oficial do primeiro ministro e foi por isso das mais bombardeadas...
Abraço.
É uma cidade que quero visitar! :D
ResponderEliminarMartinha
ResponderEliminara próxima vez que lá fôr, fazemos uma excursão, pois já ha mais pessoas interessadas.
Beijinhos.
Lembro-me bem desses posts deste ano, com as imagens desoladoras dos edifícios destruídos.
ResponderEliminarSe é para fazer a guerra eu prefiro os nossos 'brandos costumes', mas num plano 'civil' acho que se abafa demasiado a conflitualidade social que é inevitável para as coisas evoluirem.
Um abraço grande (que já cá não vinha à algum tempo ;-))
Caro Rui
ResponderEliminara tua presença é sempre muito agradável para mim, acredita.
Abraço amigo.