quinta-feira, 2 de abril de 2009

" a fé e o império"


Há dias o amigo Arsène Lupin desafiou-me para abrir um livro na página 161 e transcrever aqui a 5ª. frase inteira que lá encontrasse. Como já há tempos tinha respondido a um desafio semelhante, o qual foi escrupulosamente cumprido, e como o próprio desafiador, (e muito bem) fez alguma batota com esse desafio, eu resolvi aproveitar a sugestão batoteira e não transcrever nenhum parágrafo da página 161, até porque o livro que tinha em mãos não chega a ter 161 páginas; e sendo assim resolvi transcrever um pequeno texto intitulado “A fé e o império” e que começa por ter uma frase introdutória de Álvaro de Campos: “A plácida face anónima da morte”.

Este texto faz parte do livro “Memória” de Álvaro Guerra, que li agora nas férias e sobre o qual falarei num próximo post.

Não vou passar este desafio a ninguém, mas gostaria que alguém, com batota ou não, aceitasse este desafio.

 

Que fé os levantava em sabor de sangue e de martírio contra os irmãos que não reconheciam? Meca e Jerusalém não são muito distantes, é verdade, e todos os mitos se assemelham; a mesma decadência levanta catedrais e mesquitas, a mesma violência reconhece e extermina os outros, os idólatras, os filhos das árvores, das águas ou do vento. Na face daquele morto coberto de golpes onde o sangue coagulava e cujo corpo, preso ao pau de sibe pelos pés e pelas mãos, pendia como uma peça de caça, reconheci a marca de todas as heresias, de todos os privilégios (mesmo os mais elementares) e nos rostos, negros também, dos caçadores vi o gosto das efémeras vitórias e a morte sacrossanta brilhando nos seus olhos. Ofereciam-me um morto anónimo e armado de uma velha pistola e de uma ideia profana. E eu não queria aquele cadáver – não queria morte nenhuma, muito menos uma morte injusta. Não queria nenhum escravo de si próprio nem nenhum escravo dos outros – não me queria. Não queria a fé nem o império – toda a epopeia é uma ilusão fugaz.”

24 comentários:

  1. Música sublime!
    E excerto fantástico!

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  2. “Que fé os levantava em sabor de sangue e de martírio contra os irmãos que não reconheciam?"

    Excelente pergunta...

    Abraço!

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  3. Não conheço o livro, nem a obra de Álvaro Guerra... vou aguardar o post.


    beijocas e bem-vindo!

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  4. Amigo Astor
    há anos que tinha este livro arrumado na prateleira e assim de repente aparece-me uma pérola...
    Voltarei ao assunto.
    Abraço amigo.

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  5. Caro Sócrates
    excelente pergunta e que pode ser feita em tantas direcções...
    Abraço amigo.

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  6. Então de volta!!! :)))
    Passa depressa, embora te pareça que não.

    Tenho esse livro do Álvaro Guerra, mas olha, ultimamente acobardo-me e só espreito os bocadinhos mais soft das obras que sei que me vão incomodar. Vou perdendo a capacidade que tinha de ler sobre a violência. Sempre me custou, mas aguentava, agora estou um vidrinho.

    Beijinhos, Joãozinho.

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  7. Ainda volto aqui porque acabei de descobrir, por acaso, uma coincidência extraordinária: tens na tua lista de blogues uma Mar Maria.
    Não sou eu, claro, parece que afinal a blogosfera é uma aldeia.

    bj

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  8. Querida Blue
    o livro faz pensar muito e isso é bom...
    Beijinhos.

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  9. Mar_maria
    sim, tens toda a razão, é um livro extremamente incómodo, o que não lhe tira minimamente o interesse...
    Beijinho.

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  10. Mar_maria
    é um blog recente que veio colmatar o desaparecimento precoce de um outro da mesma autora, que só tem um "defeito": gosta mais do mar, ainda mais que eu... De resto é uma pessoa encantadora; também para criarem esse nick, amas têm que ser pessoas sensíveis e maravilhosas.
    Beijos para ambas.

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  11. Amigo com batota ou sem ela, a verdade é que o livro parece super interessante! Muitos beijinhos

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  12. Sandrinha
    aqui a batota compensa...
    Beijinho.

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  13. Que texto violentíssimo! E acerado! E verdadeiro!
    Fica a vontade de ler o livro de Álvaro Guerra, que não conheço.
    Bom fim de semana e um beijo

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  14. Justine
    é violento sim, mas real e actual, embora escrito há anos...
    Beijito.

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  15. toda a epopeia é uma ilusão fugaz....
    e por isto fiquei com vontade de ler.
    Um bj

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  16. Violeta
    há muitas outras frases que dão vontade de ler.
    Beijinho.

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  17. Um excelente extracto de um livro que não conheço mas que me despertou atenção para o ler. Ficará registado para tão breve quanto possível comprá-lo.

    Deixo-te um abraço e beijinhos

    Bem-hajas!

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  18. Também não conhecia, Isabel, e nem mesmo sei o que me levou a comprar o livro, pois isso sucedeu há muito tempo; apenas conhecia de nome o autor...
    Beijinhos.

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  19. A fé pode levar o Homem a cometar mais mais cruéis atrocidades.

    (um aparte: WTF é o mesmo que What The Fuck)

    Voltando ao teu texto: se virmos a nossa vida é uma epopeia, é pessoal, única e intransmissível e quantas vezes não somos ameaçados pela ilusão? Que tantas vezes deveria ser fugaz e não é?

    *Hugs n' smiles*
    Carlos

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  20. Carlos
    e é isso que hoje acontece com o integralismo muçulmano, como aconteceu no passado nas Américas com o extermínio dos indígenas, pelos portugueses e espanhóis em nome de Cristo...
    No que referes na transposição do texto, que não e meu, para os nossos casos pessoais, não poderia estar mais de acordo.

    WTF fui eu arranjar a explicação para a sigla...

    Abraço amigo.

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  21. Podes crer amigo, os encontros com o mar são belíssimos :) sabe tão bem acordar e vê-lo logo ali :) ...

    beijinhos

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  22. Tenho inveja disso; e sinto a falta do seu cheiro, também...
    Beijinhos e bom fim de semana.

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  23. aqui o acaso da página trouxe uma parte do texto denso, tão denso quanto todo a obra o é.

    meu caro muito proximamente temos que marcar o almoço...já tenho sugestão: Barriguitas, no Belenenses...espero que não tenhas nada contra.

    last but not the least, tens que me fazer um balanço por terras do amor...

    um abraço

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  24. Luís
    pelo que vejo conheces a obra...
    É curioso que estive para te falar no almoço no comentário que te fiz hoje; claro que não tenho nada contra e estou curioso com o nome.
    Vamos combinar isso para a semana seguinte à Páscoa; regresso na segunda feira da Covilhã e logo teremos qualquer dia disponível.
    Conto-te tudo sobre a viagem e sobre as "coisas" da blogosfera, que as há, frescas e boas...
    Abraço e beijo à L.

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Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!