sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A Língua Portuguesa em Belgrado

O mundo é muito pequeno, e por vezes agradavelmente surpreendente. Estive a passar quinze dias em Belgrado, e como a cidade já não tem quase segredos para mim, procuramos agora preencher o nosso tempo com a ida a locais onde aconteçam coisas interessantes. E o Déjan lembrou-me que estava a acontecer na Feira de Belgrado (um excelente espaço, diga-se de passagem), a Feira do Livro, e que nesta edição, o destaque escolhido, tinha sido a Língua Portuguesa, isto é, de todos os espaços do mundo onde se fala a nossa língua. Claro que logo mostrei interesse em visitar o certame e lá fomos uma tarde. Gostei desde logo da disposição do espaço escolhido para essa homenagem, na parte nobre do certame
e quando ali chegámos contactei um senhor que parecia ser uma das pessoas importantes ali, e que era português, e me informou, muito gentilmente do que se estava a realizar ali, quem estava ou estaria presente e mantive uma muito agradável conversa com ele, e quando lhe disse que era português de passagem em Belgrado e lhe referi ser natural da Covilhã, fiquei surpreso ao saber que ele também era, embora duma freguesia rural do concelho e ainda há dois dias tinha lá estado a inaugurar uma Casa de Cultura numa aldeia. Convidou-me a ouvir a entrevista que o escritor moçambicano Mia Couto ia dar nessa altura, devidamente traduzida para sérvio por um tradutor, perante um auditório muito interessado.
Durante essa entrevista, fixei o olhar na pessoa com quem tinha falado, e de repente reparei que a cara não me era de todo estranha, e ainda mais rapidamente me lembrei do nome da pessoa, confirmado por um rapaz português que ali estava junto a mim: tratava-se do Prof. Arnaldo Saraiva, ensaísta, escritor e jornalista, de quem eu tinha lido tantas crónicas no Jornal do Fundão, onde continua a escrever.
No final da entrevista de Mia Couto, fui cumprimentar pessoalmente o escritor e fui falar novamente com o Prof. Saraiva para lhe dizer que afinal sabia quem ele era e que já tinha lido muitas crónicas dele. Aproveitou para me dizer que tinham chegado entretanto a Alice Vieira e a Lídia Jorge, ambas muito simpáticas, mas foi com Lídia Jorge que falei mais, pois, num outro acaso interessante, tinha lido o seu magnífico “Dia dos Prodígios” precisamente em Belgrado, na última vez que ali tinha estado; apresentei-lhe o Déjan e acedeu a ficar comigo numa foto.

Mais tarde, passei outra vez no local e estava a ser entrevistado o Rui Zink, saudavelmente louco como sempre e a pôr a assistência a rir a cada passo.
Enfim, um excelente fim de tarde.
Mas, a surpresa e as coincidências não acabam aqui, pois dois dias mais tarde, estava a almoçar com o Déjan num popular e central restaurante, ocupando dois lugares de uma mesa de quatro; entretanto chega uma senhora, bastante distinta, dos seus quarenta anos que pede licença para ocupar um dos espaços vagos da mesa, pois não havia mais mesas vagas. Claro que sim, e eu a falar com o Déjan normalmente e a senhora a consultar uns dossiers, enquanto esperava pelo almoço. Como este estava algo demorado, ela disse para o Déjan que estava apressada, pois tinha que ir dali para a Feira do Livro. O Déjan disse-lhe que havíamos aí estado há dois dias, pois eu era português e tinha mostrado interesse em ir lá pelos motivos já citados.
Qual o meu espanto, quando a senhora, num português quase correcto me perguntou se eu tinha gostado. Claro que começámos a falar, ora em português, ora em inglês, para o Déjan entender, e fiquei a saber que a senhora vive desde há anos em Faro, é tradutora de quase todos os livros de escritores portugueses editados em sérvio e isso porque depois de se ter licenciado em Letras na Universidade de Belgrado, tirou o mestrado, escolhendo como tema a poesia portuguesa!!!
E pronto, o almoço foi um espanto, falámos de Eugénio de Andrade, da Sophia, de Florbela, do Al Berto, do Bernardo Santareno, eu sei lá mais de quê; a senhora já queria que eu fosse com ela para a Feira do Livro, onde iria ser a tradutora daí a pouco da entrevista, precisamente, do Prof. Arnaldo Saraiva.
Que coisas belas acontecem por vezes…

38 comentários:

  1. Tens uma sorte imensa, conheces sempre os escritores... e até os tradutores... confesso que tenho uma pontinha de inveja. A este propósito lembrei-me que há uma pergunta qualquer a que não me respondeste, num comentário no meu blog onde deixaste algo no ar. Mas não consigo recordar-me que pergunta era, nem sobre o quê. Tenho que ir procurar. Deve ser do O'Neill ou algum outro com quem te cruzaste...
    Enfim, vivemos num mundo cada vez mais pequeno. E quando se viaja, corre-se este risco.

    Um forte abraço.

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  2. Realmente o mundo é pequeno ;)
    Além de ficar muito surpreendido em existir certames da cultura portuguesa na Sérvia, com excelentes escritores convidados (coisa que em Portugal seria complicado reuni-los todos num certame idêntico).

    Um abraço!!

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  3. André
    o que é curioso é que eu não procuro essas situações: elas acontecem fortuitamente...
    Penso que a tua pergunta se referia onde eu tinha conhecido o Alexandre 'Neill? Se assim foi, isso aconteceu numa tasca simpática, do Sr. Serafim, que existia mesmo em frente ao British Council, onde eu comia sempre nos meus primeiros anos de Lisboa (morava na Rua de S.Marçal), e onde o O'Neill ia muitas vezes comer, pois a sua companheira de então era uma senhora inglesa que dava aulas no BC.
    Agora a tasca é um restaurante bastante fino, mas eu gostava mais quando era a tasca do Serafim, e por lá aparecia o O'Neill...
    Ah, e sabes quem andou comigo ao colo? O Alçada Baptista, covilhanense de gema e cuja família era muito amiga da minha família, eheheh...
    Abraço amigo.

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  4. Nuno
    a Cultura consegue milagres...
    Abraço amigo.

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  5. De facto, nós os lusos andamos por todo o lado, suponho que seja o efeito da pegada que deixamos do tempo das Descobertas. Decerto que compensou agora, como tu pudeste sentir ;)

    Abraço.

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  6. Rui
    talvez seja como dizes...
    Mas uma coisa é certa; nesses momentos sinto um imenso orgulho em ser português!
    Abraço amigo.

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  7. João, ficas doravante proibido de contar estas coisas! Que chatice!!!

    ;-)

    Abraço.

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  8. André
    eu trocava, de bom gosto, estes encontros que tenho tido com escritores, por ser um deles, como é o teu caso.
    Abraço amigo.

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  9. Realmente, o mundo é uma casca de noz e os portugueses estão por todo o mundo.

    Abraço-te.

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  10. é uma verdade e eu que de patriotismo estou bastante ao lado, acabo por sentir, numa situação destas, alguma coisa dentro de mim, que me dá satisfação e até orgulho...
    Abraço amigo.

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  11. O mundo sem português não teria interesse algum.

    Adoro a música do dia. É uma das minhas preferidas cantadas pela senhora do fado.

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  12. Hélder
    a "música do dia", quando existe (só não existe quando o post contém um vídeo), nunca é posta ao acaso; tem que haver um nexo de ligação ao teor do post. Aqui não era fácil, homenagear numa música, a língua portuguesa; mas encontrei esta solução, de uma canção cantada num português antigo, e na voz sublime da nossa Amália.
    Abraço amigo.

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  13. Deveu ser incrível ir para Belgrado, haver uma feira de livro com a língua portuguesa como convidada e conhecer escritores que, com certeza, teria sido mais difícil conhecê-los em Portugal. De resto, gosto da divisa "Uma língua, muitas culturas". Em Valência há uma exposição de pintura portuguesa de finais do século XV e inícios do XVI do Museu de Arte Antiga de Lisboa. Mas já teria eu preferido poder conversar um bocadinho com Mia Couto e Lídia Jorge, já...

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  14. Leonardo
    "Uma língua, muitas culturas" é realmente um bom resumo do que representa a língua portuguesa.
    Pelo que dizes, presumo que compreendes a minha emoção naquele bocado de tempo ali passado...
    Abraço amigo.

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  15. E tudo por causa do Jornal do Fundão :)

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  16. Johnny
    bem, não foi tudo por causa do Jornal do Fundão.
    Eu fui lá porque sabia que havia uma homenagem à Língua Portuguesa e não sabia quem lá ia encontrar; e mesmo o primeiro contacto com o prof.Arnaldo Saraiva foi casual,e eu não o liguei, de imediato ao Jornal do Fundão.
    Mas que este jornal foi tema da nossa posterior conversa, isso sim, pois o meu pai assinava o jornal, que eu lia sempre e que sempre foi considerado um dos melhores órgãos da imprensa regional portuguesa, desde os tempos do António Palouro e depois do Fernando.
    Ainda hoje "pesco" as gordas dos diversos números num blog regional que traz os títulos da imprensa publicada na Cova da Beira.
    Abraço amigo.

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  17. Estás a ficar famoso rapaz, desculpa, senhor!:)

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  18. Dylan
    gostava mais do rapaz do que do senhor...
    Abraço amigo.

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  19. Realmente deve ter sido um momento realmente muito bom, que sorte tivestes.

    Abraço

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  20. Sérgio
    não lhe chamarei sorte, mas sim uma feliz e oportuna coincidência.
    Abraço amigo.

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  21. Encontros marcantes e inesquecíveis !

    Sabes, fiquei com curiosidade em conhecer o leste europeu. Há qualquer mística subjacente que me seduz. A Sérvia - e Belgrado, especificamente - devem ter lugares lindos de se conhecer.

    ^^

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  22. Mark
    dizes bem: encontros marcantes e inesquecíveis.
    O leste europeu tem cidades absolutamente maravilhosas - Budapeste ou Praga, e mesmo uma cidade que não tem tantos motivos de interesse, como Belgrado, é pulante de vida, mesmo no Inverno, tem pessoas interessantíssimas, apesar de ser uma cidade de contrastes. A Sérvia é um país sofrido...
    Abraço amigo.

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  23. São impressionantes estas histórias e são elas que me fazem amar este país. ;) Eu ficaria eternamente deliciado com tais coincidências!

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  24. Felix
    ficarias tu e fiquei eu, não te esqueças...
    Abraço amigo.

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  25. A vida é sem dúvida um mar de experiências maravilhosas, confesso que fiquei com uma ponta de inveja por tanta experiência vivia em tão poucos dias.
    Abraço doce
    :)

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  26. Sairaf
    é uma inveja muito saudável...
    Beijinho.

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  27. adoro estas imprevisibilidades deliciosas da vida!! Adoro!!!

    assim como adoro Mia Couto e Lídia Jorge que me acompanha desde o meu 7º ano.

    Bom, mas bem vistas as coisas, também lá representaste a elite cultural de Portugal, só que ninguém te conhecia:-)
    (ainda, porque quando tu escreveres o teu livro ainda o lá vais divulgar!)

    Ah Covilhã, Covilhã...está em todo o lado, de norte a sul, daqui até Belgrado...até está nos nossos corações ;-)

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  28. Só tu, Ima...
    bem, fiquei deslumbrado com a Lídia Jorge; que Senhora tão simpática, a falar comigo, assim do género "tu cá, tu lá", estás a ver?
    Porque é que as pessoas, que são realmente importantes, nos diversos campos da sua actividade,não são todas assim?
    Foi uma aventura cultural interessantíssima, e ainda por cima, num país distante, e partilhada pela pessoa que eu amo.
    E claro, a Covilhã marcou presença...
    Abraço amigo.

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  29. pinguim no meio vou fazendo o jantar. Vida de mulher é dura.:) Aproveitaste bem a viagem, pelo que li. Como o mundo é pequeno! Estás muito bem na foto e a Lídia Jorge ficou favorecida a teu lado. Mia Couto o escritor Moçambicano, do qual ainda nada li. Beijinhos

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  30. que episodio absolutamente delicioso joão :) Portugueses pelo mundo :) Já agora... sabia que não ficar muito tempo longe da blogosfera :) :D

    Um welcome back atrasado :P

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  31. Mary
    não digas isso; a Lídia Jorge tem a mesma idade que eu e parece uma menina ao pé de mim - tão jovial...
    Beijinho.

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  32. Porcupine
    é deveras curioso este episódio, realmente.
    Nós portugueses, sempre fomos dados a correr mundos, em todos os campos.
    Abraço amigo.

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  33. Que maravilha e que história!
    Meu amigo, como o mundo é pequenino. Adorei ler e saber todos estes momentos da sua vida e os encontros com a nossa língua fora do nosso país.

    Que sorte!!!
    Bjnhs

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  34. Mz
    sim, que sorte, e que coincidências...
    Já hoje me chamaram a atenção para um blog dedicado aos livros e à literatura, que também dedicou uma postagem a este acontecimento, e eu lá fui deixar um comentário, testemunho da minha presença lá.
    Beijinho.

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  35. ... tenho que voltar a este post, mas agora a hora está demasiada adiantada, e é com dificuldade que concentro o meu olhar no teclado...

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  36. Fragmentos
    não sei porquê, mas também eu acreditei que este texto te interessaria, pois está dentro do teu espírito de analisar todas as questões que se relacionam com a Cultura.
    Beijinho.

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  37. ... pois, tal como prometi, tinha que voltar a esta 'postagem'! Hoje mais cedo :)

    Segui o teu roteiro literário linha a linha!
    Dois, (três) escritores que muito admiro presentes no certame: Lídia Jorge, Mia Couto e Arnaldo Saraiva (meu professor na Faculdade de Letras).
    Excepcional! As suas aulas eram autênticas dissertações! Ninguém tirava apontamentos... poisávamos a esferográfica, e ficávamos ali a ouvi-lo... nem dávamos pelo tempo! Dono de uma vasta cultura, numa fluidez discursiva que marcou todos os seus alunos!

    Mia Couto e Lídia Jorge, dois vultos imensos da literatura lusa.
    Confesso que embora goste bastante de ler Lídia Jorge, tenho um carinho muito especial pela sensibilidade de Mia Couto.

    Al Berto, Eugénio de Andrade, Sophia, Florbela... poetas maiores do nosso país. De todos? Sophia... indubitavelmente!

    É bom, ver a Língua Portuguesa admirada por essa Europa fora ! Lamentável, é não sentirem os europeus a mesma admiração pelo povo.

    Boa semana!

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  38. Fragmentos
    muita coisa em comum, entre nós dois, neste campo, e uma delas fundamental. A Sophia ser a maior - uma Senhora, que tinha o dom de usar a palavra em verso como poucas pessoas no mundo; e depois uma personalidade fora de série, em que conjugava a sensibilidade com a força das convicções.
    Imaginas o prazer que tive nas minhas conversas em Belgrado, principalmente com aquela senhora sérvia, encontrada por acaso num restaurante a falar com um extraordinário entusiasmo de gente que tanto admiro e me entusiasma?
    Beijinho.

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Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!