Retomo hoje a rubrica das minhas viagens, falando de uma viagem que foi extraordinariamente importante para mim, e por várias razões: foi uma das mais longas, sendo mesmo a de mais tempo de permanência num só país – a Bélgica;
aprendi muito sobre vários aspectos da vida e foi um começo importante para um descobrimento mais aprofundado da minha sexualidade.
Deixo este último tema para outra ocasião, e que será exposto fora desta rubrica sobre viagens, e para uma ocasião em que me sinta mais à vontade para abrir certas páginas intimas, mas importantes da minha vida, e que são verdadeiramente fundamentais para a formação do ser que sou hoje.
Quando cheguei ao meu primeiro ano em Económicas (1963) tomei conhecimento que a minha Faculdade fazia parte de uma organização internacional chamada AIESEC, e que reunia as principais faculdades de economia do mundo, tendo como objectivo, nos períodos de férias, a troca de estágios em empresas de todo o mundo para os estudantes dessas faculdades.
A coisa funcionava assim: o núcleo da AIESEC de cada escola de economia, abria inscrições para os estudantes que queriam fazer esses estágios, indicando eles as suas preferências quer no tipo de empresas quer na localização das mesmas; claro que os alunos dos anos mais adiantados tinham prioridade e nestes funcionava ainda o critério das melhores classificações.
Por outro lado esse mesmo núcleo, procurava junto das grandes empresas nacionais, quem estava disposto a receber um estagiário de outro país.
Todos os anos, havia uma reunião, numa cidade escolhida no ano anterior, e onde esses núcleos iriam promover as trocas: se o núcleo da minha Faculdade tivesse conseguido “x” empresas dispostas a receber um estagiário, poderia arranjar o mesmo número “x” de estágios para estudantes dessa Faculdade; depois era uma questão de ver se podiam satisfazer-se todos os pedidos feitos, quer em número, quer na escolha do tipo de empresa, quer no local.
Sei que a AIESEC ainda existe, mas parece que está bastante diferente nos seus objectivos, sendo hoje essencialmente e de uma forma mais geral e não específica, uma organização de intercâmbio de jovens.
Estando eu no final do 1º.ano, claro que seria difícil conseguir um estágio, mas consegui-o e foi para a Bélgica, para a cidadezinha de Mons, na Valónia (parte sul e de língua francesa deste pequeno país bilingue), quase junto da fronteira francesa.
Curiosamente esta pequena cidade é a única em todo o país em que a denominação francesa e flamenga são totalmente distintas, sem uma raiz comum; Mons, em flamengo é Bergen, tal qual a cidade norueguesa de mesmo nome.
E fui para ali, para estagiar na maior cimenteira da Bélgica, que estava situada (e está) nos seus arredores – Ciments D’Ouburg!
Claro que eu ia e fui, estagiar para a parte administrativa da empresa e não para a parte do trabalho da cimenteira; mas tive uma visita privilegiada da fábrica, com explicações pormenorizadas de tudo, tendo inclusivamente estado dentro de um dos fornos, quando por motivo de uma avaria, ele esteve inactivo três dias.
A empresa tinha um plano elaborado para um mês, de toda a actividade administrativa que era obviamente complexa e não tinha nada a ver com as actuais tecnologias, como se pode depreender.
Foi muito interessante e importante em função do meu eventual futuro como economista.
Também me arranjaram um local para ficar, numa residência universitária, que por estar em período de férias estava por assim dizer vazia, havendo apenas meia dúzia de alunos de países distantes, que não tinham dinheiro para ir passar férias aos seus países. Todos os quartos, eram individuais e tinham uma pequena cozinha onde podíamos confeccionar as refeições; fiz amizade com um vietnamita que me convidou variadas vezes a partilhar os seus cozinhados, estranhos mas muito apetitosos.
Ali bem perto de Mons, fica o quartel general da NATO, o S.H.A.P.E., que é assim uma espécie de Pentágono americano, mas em ponto pequeno, e por isso havia sempre na cidade muitas famílias estrangeiras.
Deu para conhecer bastante bem a maneira de viver do povo belga daquela região, não tão rica ou desenvolvida como a região flamenga e estranhei muito a forma deles viverem: durante a semana, não faziam qualquer extravagância, antes pelo contrário, poupavam o mais possível, deitavam-se cedo, mas ao fim de semana, era a “desbunda”: reuniam-se em grandes festas familiares, e o álcool era o rei – não faltavam enormes bebedeiras, deles e delas.
Fraco gozo, para tanta poupança, mas era assim que eles se divertiam.
Apesar de tudo eu nunca ficava em Mons no final da semana.
Havia um alemão a estagiar numa empresa em Charleroi, quase ali ao lado e que conheci por acaso na residência universitária e que tinha um carro giríssimo, um velho Carocha cor de rosa e então íamos sempre passar o fim de semana fora: um a Bruxelas, outro a Gand e outro a Brugges.
Deixo Bruxelas para o fim e falo das outras duas cidades;
Brugges é uma das cidades mais belas que conheço – muito bem preservado o seu centro histórico que é maravilhoso, os seus canais, é uma cidade de sonho. Curioso ter lá voltado 40 anos depois e a cidade permanece na mesma. Verdadeiramente um encanto.
Também cheia de canais, também muito bela e maior que Brugges, é Gand.
Ali assisti a duas coisas memoráveis, pois tive a sorte de a visitar durante o seu Festival de Verão. Um concerto na Catedral, com uma acústica óptima e que uma orquestra muito boa interpretou as “Quatro Estações” de Vivaldi; e assisti a uma exibição ao longo dos canais, de cenas históricas, as quais permaneciam nos mesmos sítios, sendo as pessoas que se deslocavam ao longo dos canais para assistir a essas cenas – algo de muito bom e inesquecível.
Houve também um passeio com todos os estagiários que estavam na Bélgica a diversos locais, incluindo Waterloo, onde se realizou a célebre batalha e a um incrível local de sistema de “elevação” de canais (tipo como há no Panamá), em Nivelles.
Bruxelas mereceu duas visitas, a primeira com o alemão e outra sem ele, pois queria descobrir certas coisas sozinho, e fiz muito bem.
Bruxelas tem aquela que possivelmente é a mais bela praça do mundo, La Grande Place,
e tem um restaurante que é toda uma instituição, o “Chez Léon”, conjunto de salas e mais salas onde se comem os melhores mexilhões do planeta – os famosos “moules”. Visitei o Atomyum e visitei o menino que faz chi-chi, o célebre Manneken Pis, que é uma grande desilusão .Visitei La Bourse, que me proporcionou uma “certa história" (das tais para contar mais tarde) e outros sítios nocturnos que tinha vontade de conhecer…
No final do estágio, fui remunerado com uma quantia de dinheiro suficiente, para durante uma semana ter ido conhecer algo da Holanda, mas isso já é outra viagem.
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