Aproveitando os “trocados” ganhos com o estágio na Bélgica, e que seriam na altura, cerca de 6000 escudos (uma fortuna), resolvi dar um salto à Holanda, ali mesmo pertinho.
Eu era um ingénuo, sem experiência quase nenhuma no campo sexual e Amsterdão, naquela altura era talvez a cidade europeia mais fantástica, não só no campo homossexual, mas sim no espírito de vida livre; não se pode esquecer a época (princípios dos anos 60), com o começo da vida hippie, o início do consumo das drogas leves e o conceito de amor livre.
Tudo isso fui encontrar em Amsterdão e fiquei deslumbrado. Alojei-me numa Pousada da Juventude, baratíssima e com um intercâmbio de pessoas extremamente interessante e comecei a conhecer a bela cidade. Claro que visitei as coisas importantes – Riskjmuseum, a Casa de Anne Frank e os magníficos canais. Uma cidade pequena, sem necessidade de transportes e com comida acessível, uma maravilha.
Recordo dois acontecimentos que me marcaram: a minha primeira visita a uma “sex shop”, que era muito diferente das de agora, sendo uma loja onde se vendiam livros e fotos variadas, entre as quais alguns artigos homossexuais. O meu embaraço era notório, mas a normal simpatia dos holandeses fez-se notar, pois o dono, disse-me para estar à vontade e visse o que quisesse; não comprei nada, mas vi coisas que nunca tinha visto.
O outro foi mais engraçado; naquela havia poucos bares ou discotecas especificamente gays, mas havia organizações homossexuais, entre as quais destaco uma – o C.O.C
que tinha a particularidade de ao sábado à noite funcionar como bar e discoteca (com música variada, entre a qual, slows).
Numa sala relativamente pequena, as pessoas, quase todas jovens como eu, aguardavam o início do “baile” e depois começaram a dançar umas com as outras; é quando o rapaz mais giro que ali estava me veio chamar para dançar com ele um slow; muito envergonhado, acedi (nunca tinha dançado com um homem) e vim a saber que era italiano e não falava inglês nem francês, pelo que a nossa conversa era em italiano e português com umas espanholices pelo meio, e lá nos íamos entendendo. Aquilo começou a “aquecer” e cada vez estávamos mais pegados. Já me tinha dito que estava num hotel com a mãe e assim era impossível irmos ficar juntos. Mas cada vez se enrolava mais e ia-me dizendo ao ouvido “que peccato” e eu a pensar que ele devia ser louco, pois quanto mais me punha louco de desejo, mais dizia que aquilo era pecado… Bem, a realidade foi mais forte e tivemos que nos separar, apenas com uns beijos, como resultados práticos. Mais tarde vim a saber que “que peccato” significava em italiano “que pena” e foi realmente uma pena…
Após três dias em Amsterdão fui até Haia,
onde fiquei também numa Pousada da Juventude e Haia ainda era mais pequena que Amsterdão. Aproveitando o bom tempo fui a uma praia muito perto de nome Scheveningen.
Aí encontrei talvez o mais belo homem que já vi: um pouco mais velho que eu, lindo de morrer e com um corpo sensacional. Não sendo uma praia gay, nunca imaginei que ele o fosse, mas fiquei por perto; tinha um calção de banho muito pequeno, branco e quando passei por ele para ir ao mar olhei para ele e ele sorriu. Passado uns minutos estávamos ambos a tomar banho juntos e juntos continuámos depois na praia. Era um alemão de leste, de nome Kurt e que era dançarino numa companhia de patinagem no gelo, que estava a actuar na cidade. A conversa foi fácil e directa e disse-me que queria estar comigo, sugerindo que fossemos ao quarto que ele tinha alugado na casa de uma senhora; perante a minha surpresa, ele disse-me que não havia problema, só tinha de avisar primeiro a senhora que ia levar lá um amigo. E lá fomos a meio da tarde, e não vou entrar em pormenores, mas só parecia estar no Olimpo com o deus Apolo.
Claro que depois fomos jantar e aí havia um bar gay e fomos lá beber um copo; como eu, na altura também não era de deitar fora, fazíamos um sucesso no bar e estavam sempre a enviar-nos bebidas oferecidas. Já um pouco bebidos fomos a um outro bar, onde só estávamos os dois e o barman, que era gay também; estávamos sentados ao balcão e começámos umas brincadeiras que nos levaram a desejar estar outra vez “juntos”; mas à noite não podíamos ir ao quarto dele e assim não havia sítio. Ele falou com o barman, perguntando-lhe mesmo se ele queria vir connosco, só por causa de termos um lugar, mas ele disse que não, mas que estivéssemos à vontade…Perante isto, fomos ao WC e lá fechados, estávamos outra vez no Olimpo. Só que, em pleno acto, a porta é escancarada ao pontapé e aparecem uns 4 brutamontes a chamar-nos todos os nomes e a expulsar-nos dali; eu vesti-me à pressa, mas o outro permanecia nu, impávido e sereno…Puseram-me fora, esperei lá fora hora e meia, bati à porta, mas não apareceu viv’alma. Ainda hoje gostaria de saber o que aconteceu ao Kurt, já que acabei por ir dormir para a Pousada e no dia seguinte, pela manhã, tinha avião para Lisboa.
Esta foi a minha primeira, e melhor estadia na Holanda. Depois disso já lá estive mais cinco vezes, uma vez muito boa, outra razoável e na última, achei Amsterdão bela como sempre, mas a vida gay completamente sórdida. Uma sombra do que já foi.
Hoje a melhor cidade gay da Europa, é indiscutivelmente, Berlim.
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Também conheço esta lindíssima cidade.Nela entrei pela primeira vez numa sexy shop...achei muito divertida e vi coisas que nem sabia que existiam, devo ter passado o tempo com os olhos bem arregalados. O João comprou imensos objectos para oferecer aos amigos, estou a falar os aos setenta. Entre várias recordações, trouxemos preservativos de várias cores e feitios e um boneco que ainda anda cá por casa, um pénis com pezinhos, a que se dá corda e anda aos saltinhos. O bairro vermelho "chocou-me" um pouco,fiquei triste por ver tantas mulheres a oferecerem-se em montras...
ResponderEliminarRecordar é bom!
Abracinho meu.
Maria Teresa
ResponderEliminarnão falo no "bairro vermelho", pois nesta visita não fui lá; só em posteriores visitas...
Beijinho.
A Holanda sempre teve fama de ser muito liberal e toda para a frentex, mas agora têm um sério problema com a imigração islâmica que é claramente homofóbica e cujos membros têm a pretensão de acabar com o que aquilo que eles consideram ser imoral. Se reparares nas estatísticas, a maior parte dos casos contra homossexuais é de origem imigrante.
ResponderEliminarCuriosamente eu já cheguei a ser abordado por um homossexuais. Lembro-me de estar na Covilhã, no jardim do Lago (que tu certamente conheces) e apareceu-me um homossexual que me perguntou se conhecia algum local onde os gays se reuniam (tens conhecimento?). Como não sou gay - e admirado por ele me ter abordado -, não o pude ajudar...
FireHead
ResponderEliminarclaro que conheço o Jardim do Lago, mas só de passagem.
Aliás, nos últimos tempos, de há uns anos a esta parte, vou à Covilhã de raspão e raro saio de casa, pois vou lá para estar com a minha Mãe.
Mas recordo-me que no período entre 1980 e 1996, quando lá vivi, por vezes se via algum "movimento" na zona do Jardim Público e havia bastantes homossexuais por causa da Universidade, que frequentavam bares e discotecas, mas não sendo nenhuma gay.
Abraço amigo.
Invejinha de vocês aí do outro lado do oceano....
ResponderEliminarCada lugar bacana, arquitetura estupenda...
Abraços
Ro
ResponderEliminara Europa está velha, sim, e numa profunda crise; mas ainda é um continente com inúmeros locais de beleza ímpar e com uma vida única.
E eu tenho a sorte de viver nos arredores de uma das mais belas cidades do mundo - Lisboa!
Abraço amigo.
adorei. estou fã dos teus relatos de viagens, como já o era de outras 'séries' tuas.
ResponderEliminarnão conheço Amsterdão, nunca calhou lá ir, e não sou muito de romarias. mas bom mesmo, é visitar estes lugares guiado pelos teus olhos e pelas tuas palavras.
abração
Miguel
ResponderEliminarquando eu lá fui, a Amsterdão, nesta altura, ainda não era romaria; começou a ser mais tarde.
Mas a Holanda, como país, e tão pequeno, é muito fácil de visitar, merece ser visto, pois as cidades são encantadoras (à excepção de Roterdão, de que não gostei), mas Amsterdão é verdadeiramente bonita, assim como Haia, Delft, Eindhoven, Utrech e outras.
Mas sobretudo o povo é de uma enorme simpatia.
E depois, nesta visita, tudo era novo para mim - um deslumbramento...
Abraço amigo.
Gosto muito de ler as tuas crónicas de viagens, um abraço
ResponderEliminarSérgio
ResponderEliminarobrigado.
Também eu gosto muito das tuas fotos.
Abraço amigo.
Ilusões da vida
ResponderEliminarQuem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu;
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu!
(Francisco Octaviano)
A Vida é feita de momentos inesquecíveis! Como é bom recordar!
Rosa
ResponderEliminare ao contrário do que seria de esperar, com o passar dos anos, estas memórias avivam-se, como que a dizer-nos que precisamos delas...
Beijinho.
Infelizmente, não conheço a Holanda. Deve ser realmente um país maravilhoso. Ainda há uns dias comentei isso com uma amiga.
ResponderEliminarA sociedade holandesa é diferente da portuguesa, bem mais liberal e receptiva a diferentes formas de viver a sexualidade. Indiscutivelmente, os países que não sofreram influências católicas, na Europa, são bastante mais evoluídos. Vejamos a Holanda, a Alemanha, os países escandinavos, etc. O moralismo católico chega a ser "castrador". Seca o discernimento das pessoas. É o que se verifica em Portugal...
Espero, um dia, poder conhecer Amesterdão. :)
Mark
ResponderEliminarcomo cidade bela, Amsterdão vale bem a deslocação; assim como a Holanda, pelo seu povo e por ser fácil de visitar, por ser pequeno e de fáceis acessos.
Só que essa aura que possuiu durante algumas décadas da segunda metade do século XX já desapareceu.
Abraço amigo.
Esta é, definitivamente, a minha rúbrica preferida. :)
ResponderEliminarJá fui a Amsterdão várias vezes, e cada uma delas tem sido diferente mas igualmente boa. Agora que tenho amigos residentes lá, talvez volte lá este ano ou no próximo.
As histórias que contas, como esta do Kurt, são também um percurso pessoal que partilhas e que me dá muito gosto ler, até por ser tão diferente do meu.
Um abraço
Amigo Coelho
ResponderEliminareu não posso negar um passado que tive e do qual não me arrependo.
Antes pelo contrário, sempre gozei a minha vida e aproveitei bem as ocasiões que se me depararam.
Amsterdão é uma cidade onde se quer sempre voltar, apesar de tudo.
Kurt foi o homem mais bonito que já conheci, by the way...
Abraço amigo.
Fascinantes páginas da tua vida.
ResponderEliminarAbraço gde.
Vasco
ResponderEliminartem sido uma vida cheia, devo concordar...
Abraço amigo.
Que lhe terá acontecido? Isso ainda te deve preocupar não? Beijinhos
ResponderEliminarMary
ResponderEliminarna altura, sim, achei estranha a atitude dele e depois não ter aparecido.
Se não me tivesse que vir embora no dia seguinte, teria ido procurá-lo na Companhia onde ele trabalhava como dançarino...
Assim, olha, nos primeiros tempos lembrei-o muitas vezes,mas agora confesso só tenho a recordação de como era belo e dos bons momentos que passámos juntos.
Beijinho.
Quantas lembranças... E onde andará seu amigo?? Fiquei curiosa :)
ResponderEliminarBj
Claudia
Cláudia
ResponderEliminarnão mais que eu...
Mas foi há tantos, tantos anos...
Beijinho.
Conheço Amesterdão! Tenho duas lembranças muito diferentes; primavera | inverno tormentoso.
ResponderEliminarAdorei a viagem de carro Paris | Amesterdão ! E foi o encanto total numa semana de luminosa primavera, os canais, as galerias de arte, a companhia de familiares.
Detestei a estadia em rigoroso inverno, a (des)companhia de um casal amigo que me acolheu, (viagem de intercâmbio), a frieza do trato que fazia jus à neve e aos ventos ciclónicos no exterior!
O que me deu alento? Um grupo de jovens tão 'descompensados' quanto eu, a quem tinha de transmitir bem estar, alegria, tranquilidade!
Holandeses!? Um povo especial...
Fragmentos
ResponderEliminaré muito curioso o que dizes,pois numa das minhas viagens à Holanda (a única no Inverno), senti o mesmo que tu: algum desconforto no acolhimento - foi a única vez que fiquei na casa de alguém - embora não tivesse sido em Amsterdão, mas sim em Nijmenen, e depois passei uma noite em Amsterdão com um tempo muito mau e a cidade pareceu-me tão triste...
Beijinho.