domingo, 25 de março de 2012

"O Rapaz da Última Fila"

É curioso. Vejo muitos filmes, mas não no cinema, em casa; a excepção é em Setembro quando aparece o Queer Lisboa, e aí é "por atacado".
Mas, em proporção vou mais ao teatro, porque gosto muito de ver teatro. Há uma comunhão entre os actores e o espectador que é maravilhosa.
Não vejo tantas peças como quereria, mais por inércia, mas apesar de tudo, nos últimos três meses vi três peças: "Design for Lovers", na Comuna, "Quem tem medo de Virginia Wolf", no D.Maria, e "As Bacantes", no S.Luiz.
E ontem voltei a ver outra; há muito que não via uma peça dos "Artistas Unidos", a companhia que tem à frente um dos maiores lutadores pelo Teatro em Portugal - Jorge Silva Melo.
E que prazer foi ter encontrado um sítio tão acolhedor, finalmente, para esta Companhia, o Teatro da Politécnica, mesmo ali onde era a cantina da antiga Faculdade de Ciências e onde tantas vezes comi...
O Teatro chama-se "Paulo Claro" em homenagem ao jovem actor da Companhia falecido em 2001 por acidente, tão novo.
E esta peça, uma das duas que a Companhia apresente neste momento (a outra é "A Morte de Danton", no D.Maria- Sala Garrett), chama-se "O Rapaz da Última fila", do dramaturgo Juan Mayorga e numa encenação colectiva.
A leitura de um (aparente) simples exercício de escrita sobre o fim de semana deixa Gérman (António Filipe), professor de Línguas e Literaturas, desiludido com a sua missão enquanto educador. Tentar orientar jovens de ensino secundário na arte da escrita parece um duelo de titãs. Composições desinteressantes, sem conexão, repetitivas… Até que surge a composição d’ O Rapaz da Última Fila.
Cláudio (Pedro Gabriel Marques) surpreende o seu professor ao trazer uma descrição rigorosa do seu fim de semana em casa do colega Rafael Marquez (Marc Xavier), cujas dificuldades em matemática servem de pretexto para que o protagonista consiga entrar na moradia daquela família de classe média e conseguir perceber o seu quotidiano. A primeira composição (e todas as restantes) recebem uma marca particular no final: (continua.)
À partida, o trabalho de Cláudio é como que reprovado pelas questões éticas e morais que levanta, já que se intromete na vida privada de um colega seu e a divulga. Juana (Maria João Falcão), mulher de Gérman, aconselha o professor a reprovar a atitude do jovem escritor, contudo o marido não quer desperdiçar a oportunidade de ajudar o rapaz que lhe parece ser a grande promessa da literatura.
Os textos seguem-se diariamente, os conselhos de melhoria e as sugestões de leitura também. Cláudio vai-se integrando na família e percebendo quais os seus pontos fracos e problemas, que relata de forma minuciosa.Gérman e Juana tornam-se leitores compulsivos e vão conhecendo também a família Marquez através das descrições que o recatado rapaz (pelo menos nas aulas) faz.
A posição da última fila, aquele sítio onde “ninguém nos vê, mas nós vemos toda a gente”, tomada por Cláudio alastra-se à moradia dos Marquez. Os estratagemas são muitos para conseguir tornar uma história desinteressante à partida num autêntico sucesso literário. O jovem escritor é também ele uma personagem que altera aquele que seria o percurso normal dos acontecimentos.

No mesmo cenário, cruzam-se espaços tão diferentes numa simbiose bem conseguida. Navegamos entre a sala do professor e da sua mulher, pela casa dos Marquez e pela sala de aula uma forma natural, embora os adereços nunca mudem de sítio. As várias histórias cruzam-se nas páginas do mesmo livro, construindo um todo perfeitamente consolidado.
As personagens são credíveis, cheias de valor humano e densidade. A isto se junta um bom humor proveniente dos próprios escritos de Cláudio que nos trazem uma descrição pura e dura da vida dos Marquez e que puxa pelo nosso lado mais voyeur.
A música do espetáculo é-nos dada pelo simples fluxo das palavras, num ritmo que nos prende do princípio ao fim. Também nós queremos saber o que vem a seguir ao tão misterioso “continua” de cada texto.
O próprio final nos surpreende. Cláudio é confrontado a encontrar ele mesmo um final para a sua história. O seu mestre ensina-o que o final deve ser cativante, surpreendente, inesperado. Como tal, a própria peça também nos traz um final que à partida não estaríamos à espera. Os esquemas complexificam-se e a ação toma um rumo inesperado.
A interpretação é bastante boa, com destaque para António Filipe e do jovem Pedro Gabriel Marques, muito seguro naquela que suponho será a sua estreia como actor.
O final não foge à regra de ouro de um bom final de um livro: inesperado, mas perante o qual, o leitor conclui que não poderia ser outro...
Simplesmente, e numa apreciação muito subjectiva, penso que, e propositadamente, o final é "escondido" pelo fecho das luzes, pois isso pode subentender um "beijo apagado".
Se alguém já viu a peça, que deixe a sua opinião, e quem ainda não viu, aconselho-a vivamente e depois também gostaria de ler o que pensam sobre ela e sobre o final.



Parte deste texto foi tirado do blog "Espalha Factos" e é da autoria de Wilson Ledo





sexta-feira, 23 de março de 2012

Seguindo em frente...



Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos, in "Poemas"

quarta-feira, 21 de março de 2012

21 de Março

Eu sou por norma avesso aos dias mundiais disto ou daquilo, que quase preenchem todo o calendário, alguns deles com notórios fins consumistas, outros por mera idiotice.
Mas também há dias mundiais que respeito, porque têm para mim uma simbologia importante.
E entre estes, o dia 21 de Março é muito especial, pois nele se comemoram dois dias mundiais que me são particularmente sensíveis: o da Árvore e o da Poesia.
E além do mais é o dia do início da Primavera (este ano foi um dia antes, por ser um ano bissexto), a estação da renovação.
Assim, aqui deixo três referências - uma das mais belas árvores desta cidade de Lisboa, no Jardim do Príncipe Real
Uma poesia que quase obrigatoriamente teria de ser de Pessoa, neste caso de um dos seus heterónimos - Alberto Caeiro

"Hoje de manhã saí muito cedo

Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...

Não sabia que caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.

Assim tem sido sempre a minha vida, e
Assim quero que possa ser sempre --
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar."

E finalmente o último andamento da maravilhosa obra de Stravinsky "A Sagração da Primavera" pela companhia de dança da grande Pina Bausch.

terça-feira, 20 de março de 2012

Tango acrobático

Geralmente, não aprecio por aí além, números circenses, mesmo que muito bem executados.
Abro aqui uma excepção, pois olho para esta apresentação como uma dança e não como um número de trapézio.
E depois há o tango... 
Se puderem ver em "full screen" será bem mais interessante.

domingo, 18 de março de 2012

A máscara

Não é, nem de longe, o meu tipo de pessoas; nunca me despertaram ou despertarão algum tipo de desejo.
Até posso confessar que já por várias vezes condenei um certo "folclore" deste género de pessoas, nomeadamente, nos desfiles do "orgulho gay". Mas também sempre os respeitei e até admirei por terem a coragem de ser, ou procurarem ser aquilo que não são.
Mas, deparei com este filme peruano, uma curta metragem protagonizada por um homem, com uma tão grande e vincada humanidade, que quase me comoveu.
E não resisti em partilhar este vídeo, de certa forma, uma homenagem e um apoio a uma parte da comunidade LGBT que tem sido tão esquecida e que agora se tem discutido, por causa das leis sobre a identidade do género.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Para os saudosos...

Parece que anda por aí muita gente com saudades da ditadura; mesmo políticos "democraticamente encapotados"...
Alguns, saudosos das benesses que nunca perderam na realidade; muitos outros, a maior parte, porque nunca viveram sob uma ditadura mesmo.
Sendo assim, aqui está uma solução

segunda-feira, 12 de março de 2012

Paris, toute à moi, si...*

* tem estrelinha vermelha


Andava um tipo a passear pelas ruas de Paris quando vê uma prostituta
maravilhosa. Inicia logo uma conversa amigável até fazer a grande pergunta:
- Quanto cobras?
Ela responde:
- Começa em 500 euros por uma punheta.
Ele responde:
- 500 euros?!? Por uma punheta? Não pode ser... Nenhuma punheta vale
tanto dinheiro!
A prostituta responde:
- Estás a ver aquele restaurante na esquina?
- Sim.
- Estás a ver aquele outro restaurante uma quarteirão abaixo?
- Sim, responde novamente.
- E aquele outro mais adiante um pouco?
- Sim, outra vez.
- Bem, ela diz, com um sorriso maroto, eles são meus porque eu toco uma
punheta que vale 500 euros
O tipo pensa:
- Ganda merda! A gente só vive uma vez. Vou experimentar!!!
Entram num hotel ali perto. Ele senta-se na cama e pouco depois verifica
que acabou de gozar a melhor punheta do mundo, que valeu cada um dos 500
euros.
Ficou tão impressionado que disse:
- Um bóbó deve ser uns 1.000 euros...
- Não, 2.000 euros, responde ela.
Ele, em completo estado de choque:
- Não é possível!!! Um bóbó não pode custar 2.000 euros. Nem o Bispo
Macedo pagaria isso por um bóbó!
A prostituta responde :
- Vem até à janela, bonitão. Estás a ver aquele Casino do outro lado da
rua? Aquele Casino é meu.

E ele é meu porque eu faço bóbós que valem 2.000 euros.
O tipo pensa na punheta e, num gesto bem calculado, decide adiar a troca
do carro para o ano que vem.
- Vamos nisso!!!
Dez minutos depois, ele está sentado na cama, mais maravilhado ainda...
Mal consegue acreditar no que lhe aconteceu e que valeu cada cêntimo do
seu dinheiro. Então decide meter a mão nas poupanças e
tentar uma experiência inesquecível. Pergunta:
- E quanto é na rata? 5.000 euros?
A prostituta responde:
- Anda outra vez à janela. Estás a ver toda a cidade de Paris, com todas
as suas luzes brilhantes, casinos, hotéis maravilhosos, casas de
espectáculos e restaurantes?
- Raios!! - responde o tipo - És dona de tudo isso?
- Não, mas podes crer que seria se tivesse uma rata...

sexta-feira, 9 de março de 2012

Shame no more

Se a realidade fosse assim ? Interessante pensar de forma empatica, como se os problemas alheios fossem os nossos problemas.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Pai

Faz hoje 23 anos que partiste, assim de repente...
Alguns anos antes, quando numa conversa a sós, após te ter dito que era homossexual, deste-me um abraço e disseste-me que se tu não me compreendesses, por seres meu Pai e daí o meu maior Amigo,ninguém me compreenderia, fiquei a saber que além de Pai, ganhara um Amigo, o meu maior Amigo.
E depois, não me deste muito tempo para usufruir dessa Amizade.
Fizeste-me tanta falta, Pai...Fazes-me tanta falta...
Recordo-te como um Homem vertical que sempre pôs a Família à frente de tudo, e por isso, porque eu era da tua Família, não hesitaste em aceitar-me tal como sou, embora isso contrariasse os teus conceitos de vida.
Obrigado, Pai, por tudo o que me deste.

O Pai
Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.

Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.

Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.

Depois... Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.

Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.

O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar... E o Outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.

Escutarei de noite as tuas palavras:
... menino, meu menino...

E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.

Pablo Neruda, in "Crepusculário"



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sábado, 3 de março de 2012

"Earth Song"

Há quem seja de opinião de que o melhor clip de Michael Jackson é o "Thriller"; mesmo há quem o eleja o melhor clip musical de sempre.
Não pondo em causa o valor e mérito do referido clip, peço perdão mas prefiro este, por tudo o que mostra e principalmente pelo que nos faz pensar: um assombro.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Antevisão do Benfica - Porto



Benfica, vamos a eles. O maior e melhor clube de Portugal.
Amanhã, seremos seis milhões a "puxar" por ti.
Força, campeões!!!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Hasta quando????

O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História.
O cineasta Pedro Almodovar realizou um vídeo de homenagem a este juiz espanhol, que por denunciar os crimes do franquismo, foi julgado e condenado a abandonar a sua vida profissional.
Garzón sempre foi um defensor dos valores da liberdade e a ele se ficou a dever a prisão de Pinochet.
Condenam-se os milhões de mortos que monstros como Hitler ou Estaline causaram. E o mais de milhão de mortos que se podem assacar a Franco?
Garzón tentou denunciá-los, mas calaram-no.
Até quando?

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Partilha

Impossível não partilhar este texto que a Isabel colocou no seu blog "Catavento".
Que melhor homenagem se pode fazer a Zeca Afonso, no 25º. aniversário da sua morte?
Barreiro, 4 de Outubro de 1967
(Quarta-feira)

Segundo dia de aulas.
Continua o desassossego, com o pessoal a trocar beijos, abraços e confidências, depois desta longa separação que foram 3 meses e meio de férias. Estávamos todos fartos do verão, com saudades uns dos outros. A sala é a mesma do ano passado, no 1º andar e cheirava a nova, tudo encerado e polido, apesar do material já ser mais do que velho.

Somos o 7.º A e como não chumbou nem veio ninguém de novo, a pauta é exactamente igual à do ano passado. Eu sou o n.º 34, e fico sentada na segunda fila, do lado da janela, cá atrás, que é o lugar dos mais altos.

Hoje tivemos, pela primeira vez, Organização Política e apareceu-nos um professor novo, acho que é a primeira vez que dá aulas em Setúbal, dizem que veio corrido de um liceu de Coimbra, por causa da política.

Já ontem se falava à boca cheia dele, havia malta muito excitada e contente porque dizem que ele é um fadista afamado. Tenho realmente uma vaga ideia de ouvir o meu tio Diamantino falar dele, mas já não sei se foi por causa da cantoria se por causa da política.

A Inês contou que ouviu o pai comentar, em casa, que o homem é todo revolucionário, arranja sarilhos por todo o lado onde passa. Ela diz que ele já esteve preso por causa da política, é capaz de ser comunista. Diferente dos outros professores, é de certeza.

Quando entrou na sala, já tinha dado o segundo toque, estava quase no limite da falta. Entrou por ali a dentro, todo despenteado, com uma gabardine na mão e enquanto a atirava para cima da secretária, perguntou-nos:
- Vocês são o 7.º A, não são? Desculpem o atraso mas enganei-me e fui parar a outra sala. Não faz mal. Se vocês chegarem atrasados também não vos vou chatear

Tinha um ar simpático, ligeiro, um visual que não se enquadrava nada com a imagem de todos os outros professores. Deu para perceber que as primeiras palavras, aliadas à postura solta e descontraída, começavam a cativar toda a gente. A Carolina virou-se para trás e disse-me que já o tinha visto na televisão, a cantar Fado de Coimbra.

Realmente o rosto não me era estranho. É alto, feições correctas, embora os dentes não sejam um modelo de perfeição e é bem parecido, digamos que um homem interessante para se olhar. O Artur soprou-me que ele deve ter uns 36 anos e acho que sim, nota-se que já é velho. Depois das primeiras palavras, sentou-se na secretária, abriu o livro de ponto, rabiscou o que tinha a escrever e ficou uns cinco minutos, em silêncio, a olhar o pátio vazio, através das janelas da sala, impecavelmente limpas.

Enquanto ele estava nesta espécie de marasmo nós começámos a bichanar uns com os outros, cada um emitindo a sua opinião, fazendo conjecturas. Às tantas, o bichanar foi subindo de tom e já era uma algazarra tão grande que parece tê-lo acordado. Outro qualquer professor já nos teria pregado um raspanete, coberto de ameaças, mas ele não disse nada, como se não tivesse ouvido ou, melhor, não se importasse. Aliás, aposto que nem nos ouviu. O ar dele, enquanto esteve ausente, era tão distante que mais parecia ter-se, efectivamente, evadido da sala. Quando recomeçou a falar connosco, em pé, em cima do estrado, já tinha ganho o primeiro round de simpatia.

Depois, veio o mais surpreendente:

- Bem, eu sou o vosso novo professor de Organização Política, mas devo dizer-vos que não percebo nada disto. Vocês já deram isto o ano passado, não foi? Então sabem, de certeza, mais que eu.

Gargalhada geral.

- Podem rir porque é verdade. Eu não percebo nada disto, as minhas disciplinas, aquelas em que me formei, são História e Filosofia, não tenho culpa que me tivessem posto aqui, tipo castigo, para dar uma matéria que não conheço, nem me interessa. Podia estudar para vir aqui desbobinar, tipo papagaio, mas não estou para isso. Não entro em palhaçadas.

Voltámos a rir, numa sonora gargalhada, tipo coro afinado, mas ele ficou impávido e sereno. Continuava a mostrar um semblante discreto, calmo, simpático.

- Pois é, não vou sobrecarregar a minha massa cinzenta com coisas absolutamente inúteis e falsas. Tudo isto é uma fantochada sem interesse. Não vou perder um minuto do meu estudo com esta porcaria.

Começámos a olhar uns para outros, espantados; nunca na vida nos tinha passado pela frente um professor com tamanha ousadia.

- Eu estudaria, isso sim, uma Organização Política que funcionasse, como noutros países acontece, não é esta fantochada que não passa de pura teoria. Na prática não existe, é uma Constituição carregada de falsidade. Portugal vive numa democracia de fachada, este regime que nos governa é uma ditadura desumana e cruel.

Não se ouvia uma mosca na sala. Os rostos tinham deixado cair o sorriso e estavam agora absolutamente atónitos, vidrados no rosto e nas palavras daquele homem ímpar. O que ele nos estava a dizer é o que ouvimos comentar, todos os dias, aos nossos pais, mas sempre com as devidas recomendações para não o repetirmos na rua porque nunca se sabe quem ouve. A Pide persegue toda a gente como uma nuvem de fumo branco, que se sente mas não se apalpa.

- Repito: eu não percebo nada desta disciplina que vos venho leccionar, nem quero perceber. Estou-me nas tintas para esta porcaria. Mas, atenção, vocês é outra coisa. Vocês vão ter que estudar porque, no final do ano, vão ter que fazer exame para concluírem o vosso 7.º ano e poderem entrar na Faculdade. Isso, vocês têm que fazer. Estudar. Para serem homens e mulheres cultos para poderem combater, cada um onde estiver, esta ditadura infame que está a destruir a vossa pátria e a dos vossos filhos. Vocês são o amanhã e são vocês que têm que lutar por um novo país.

Não vão precisar de mim para estudar esta materiazinha de chacha, basta estudarem umas horas e empinam isto num instante. Isto não vale nada. Eu venho dar aulas, preciso de vir, preciso de ganhar a vida, mas as minhas aulas vão ser aulas de cultura e política geral. Vão ficar a saber que há países onde existem regimes diferentes deste, que nos oprime, países onde há liberdade de pensamento e de expressão, educação para todos, cuidados de saúde que não são apenas para os privilegiados, enfim, outras coisas que a seu tempo vos ensinarei.

Percebem? Nós temos que aprender a não ser autómatos, a pensar pela nossa cabeça. O Salazar quer fazer de vocês, a juventude deste país, carneiros, mas eu não vou deixar que os meus alunos o sejam. Vou abrir-lhes a porta do conhecimento, da cultura e da verdade. Vou ensinar-lhes que, além fronteiras, há outros mundos e outras hipóteses de vida, que não se configuram a esta ditadura de miséria social e cultural.

Outra coisa: vou ter que vos dar um ponto por período porque vocês têm que ter notas para ir a exame. O ponto que farei será com perguntas do vosso livro que terão que ter a paciência de estudar. A matéria é uma falsidade do princípio ao fim, mas não há volta a dar, para atingirem os vossos mais altos objectivos. Têm que estudar. Se quiserem copiar é com vocês, não vou andar, feito toupeira, a fiscalizá-los, se quiserem trazer o livro e copiar, é uma decisão vossa, no entanto acho que devem começar a endireitar este país no sentido da honestidade, sim porque o nosso país é um país de bufos, de corruptos e de vigaristas.

Não falo de vocês, jovens, falo dos homens da minha idade e mais velhos, em qualquer quadrante da sociedade. Nós temos sempre que mostrar o que somos, temos que ser dignos connosco para sermos dignos com os outros. Por isso, acho que não devem copiar. Há que criar princípios de honestidade e isso começa em vocês, os futuros homens e mulheres de Portugal. Não concordam?

Bem, por hoje é tudo, podem sair. Vemo-nos na próxima aula.


Espantoso. Quando ele terminou estava tudo lívido, sem palavras. Que fenómeno é este que aterrou em Setúbal?

Já me esquecia de escrever. Esta ave rara, o nosso professor de Organização Política, chamava-se


José Afonso.

( encontrado na net )

Viagens - 4

Aproveitando os “trocados” ganhos com o estágio na Bélgica, e que seriam na altura, cerca de 6000 escudos (uma fortuna), resolvi dar um salto à Holanda, ali mesmo pertinho.
Eu era um ingénuo, sem experiência quase nenhuma no campo sexual e Amsterdão,
 naquela altura era talvez a cidade europeia mais fantástica, não só no campo homossexual, mas sim no espírito de vida livre; não se pode esquecer a época (princípios dos anos 60), com o começo da vida hippie, o início do consumo das drogas leves e o conceito de amor livre.
Tudo isso fui encontrar em Amsterdão e fiquei deslumbrado. Alojei-me numa Pousada da Juventude, baratíssima e com um intercâmbio de pessoas extremamente interessante e comecei a conhecer a bela cidade. Claro que visitei as coisas importantes – Riskjmuseum,
a Casa de Anne Frank e os magníficos canais. Uma cidade pequena, sem necessidade de transportes e com comida acessível, uma maravilha.
Recordo dois acontecimentos que me marcaram: a minha primeira visita a uma “sex shop”, que era muito diferente das de agora, sendo uma loja onde se vendiam livros e fotos variadas, entre as quais alguns artigos homossexuais. O meu embaraço era notório, mas a normal simpatia dos holandeses fez-se notar, pois o dono, disse-me para estar à vontade e visse o que quisesse; não comprei nada, mas vi coisas que nunca tinha visto.
O outro foi mais engraçado; naquela  havia poucos bares ou discotecas especificamente gays, mas havia organizações homossexuais, entre as quais destaco uma – o C.O.C
que tinha a particularidade de ao sábado à noite funcionar como bar e discoteca (com música variada, entre a qual, slows).
Numa sala relativamente pequena, as pessoas, quase todas jovens como eu, aguardavam o início do “baile” e depois começaram a dançar umas com as outras; é quando o rapaz mais giro que ali estava me veio chamar para dançar com ele um slow; muito envergonhado, acedi (nunca tinha dançado com um homem) e vim a saber que era italiano e não falava inglês nem francês, pelo que a nossa conversa era em italiano e português com umas espanholices pelo meio, e lá nos íamos entendendo. Aquilo começou a “aquecer” e cada vez estávamos mais pegados. Já me tinha dito que estava num hotel com a mãe e assim era impossível irmos ficar juntos. Mas cada vez se enrolava mais e ia-me dizendo ao ouvido “que peccato” e eu a pensar que ele devia ser louco, pois quanto mais me punha louco de desejo, mais dizia que aquilo era pecado… Bem, a realidade foi mais forte e tivemos que nos separar, apenas com uns beijos, como resultados práticos. Mais tarde vim a saber que “que peccato” significava em italiano “que pena” e foi realmente uma pena…
Após três dias em Amsterdão fui até Haia,
onde fiquei também numa Pousada da Juventude e Haia ainda era mais pequena que Amsterdão. Aproveitando o bom tempo fui a uma praia muito perto de nome Scheveningen.
Aí encontrei talvez o mais belo homem que já vi: um pouco mais velho que eu, lindo de morrer e com um corpo sensacional. Não sendo uma praia gay, nunca imaginei que ele o fosse, mas fiquei por perto; tinha um calção de banho muito pequeno, branco e quando passei por ele para ir ao mar olhei para ele e ele sorriu. Passado uns minutos estávamos ambos a tomar banho juntos e juntos continuámos depois na praia. Era um alemão de leste, de nome Kurt e que era dançarino numa companhia de patinagem no gelo, que estava a actuar na cidade. A conversa foi fácil e directa e disse-me que queria estar comigo, sugerindo que fossemos ao quarto que ele tinha alugado na casa de uma senhora; perante a minha surpresa, ele disse-me que não havia problema, só tinha de avisar primeiro a senhora que ia levar lá um amigo. E lá fomos a meio da tarde, e não vou entrar em pormenores, mas só parecia estar no Olimpo com o deus Apolo.
Claro que depois fomos jantar e aí havia um bar gay e fomos lá beber um copo; como eu, na altura também não era de deitar fora, fazíamos um sucesso no bar e estavam sempre a enviar-nos bebidas oferecidas. Já um pouco bebidos fomos a um outro bar, onde só estávamos os dois e o barman, que era gay também; estávamos sentados ao balcão e começámos umas brincadeiras que nos levaram a desejar estar outra vez “juntos”; mas à noite não podíamos ir ao quarto dele e assim não havia sítio. Ele falou com o barman, perguntando-lhe mesmo se ele queria vir connosco, só por causa de termos um lugar, mas ele disse que não, mas que estivéssemos à vontade…Perante isto, fomos ao WC e lá fechados, estávamos outra vez no Olimpo. Só que, em pleno acto, a porta é escancarada ao pontapé e aparecem uns 4 brutamontes a chamar-nos todos os nomes e a expulsar-nos dali; eu vesti-me à pressa, mas o outro permanecia nu, impávido e sereno…Puseram-me fora, esperei lá fora hora e meia, bati à porta, mas não apareceu viv’alma. Ainda hoje gostaria de saber o que aconteceu ao Kurt, já que acabei por ir dormir para a Pousada e no dia seguinte, pela manhã, tinha avião para Lisboa.
Esta foi a minha primeira, e melhor estadia na Holanda. Depois disso já lá estive mais cinco vezes, uma vez muito boa, outra razoável e na última, achei Amsterdão bela como sempre, mas a vida gay completamente sórdida. Uma sombra do que já foi.

Hoje a  melhor cidade gay da Europa, é indiscutivelmente, Berlim.

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Imagens

Estas são imagens diferentes; imagens delirantes, atrevidas, absurdas e inteligentes, todas elas com origens publicitárias de produtos ou de conceitos, mas concebidas de uma forma provocatória, que sem chocar, ou chocando pouco, acabam por nos relacionar com o produto ou conceito que querem publicitar.














segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"uncertain"


"uncertain" relates the drowsy-dream of a teenage boy who has taken an overdose of pills to end his life. Driven on an open-field road, Anson slowly wakes up to realize he does not know where he is or where is being taken. Only when he meets a man in the middle of a prairie does he recall his suicide attempt caused by the social aggression he’s suffered at school.
“uncertain” is a video response to the deaths of Carl Joseph Walker-Hoover, Eric Mohat and Jaheem Herrera in April 2009. All three teenagers and numerous more across the country are choosing to end their lives unable to enduring the physical attacks and gay slurs they face on a daily basis at their respective schools and communities.

This short video project does not intend to answer any specific questions, instead it is inviting viewers to participate in a constructive conversation by asking questions regarding teen suicide, school bullying and GLBTQ issues. This online forum also encourages parents, educators and young people to share their experiences, whether it’s the loss of a loved one or the bodily and verbal abuse they are suffering.

3 nationally renowned non-profit organizations focusing specifically on suicide prevention, youth outreach, and education to ensure safe schools are lending their support and resources to help us better understand and positively affect the lives of those individuals who need our support.

In collaboration with The Trevor Project, Teen Line, and Hope Line.

“uncertain” is a student-made project at the University of Texas at Dallas. Written, edited and directed by Luis Fernando Midence.

Winner Best Movie at 2010 UTD Cosmic Film Festival. Official selection 2010 Dallas International Film Festival and Awareness Fest: Heal One World in California.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Ansiedade


Ando a passar um mau bocado, psicologicamente.
A idade não ajuda e as constantes “mazelas” provocam-me algum desconforto, mais emocional do que propriamente físico. Sinto-me amolecido e algo amedrontado com as leis da vida que se vão fazendo sentir; sei que grande parte da culpa é minha, pois devia ter a força de vontade suficiente para reagir e começar a mudar de vida. Estava a começar a habituar-me a um ritmo novo, com a inscrição num curso de educação física para pessoas como eu, e embora custoso, estava entusiasmado; ao mesmo tempo comecei a caminhar todos os dias e assim andava, quando me apareceu a tendinite que me impossibilita a frequência da  ginástica, e por arrasto me levou de novo a esta deprimente letargia.

Por outro lado esta já tão prolongada separação do Déjan (já vai em três meses e meio) e pior que isso, a impossibilidade de ter uma data assente para o novo encontro, tem-me levado a um estado de ansiedade que se reflecte no nosso relacionamento nos últimos tempos. Não está em causa, e nunca estará, o futuro dos nossos sentimentos de um para com o outro; antes pelo contrário, mas por vezes vemo-nos como que num beco sem saída em que cada um pensa que está a ser causador de alguma infelicidade ao outro.
Amo o Déjan, com toda a minha alma e sei que da mesma forma sou amado; mas falta-nos a aproximação mais frequente, o carinho de um afago, enfim aquelas coisas que quem ama conhece bem.
Espero que em breve tudo se resolva pelo melhor, pois eu e ele precisamos disso, como de pão para boca.