quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Os "Mercados" e os seus "agentes...

Talvez que com a leitura deste excelente artigo, se perceba melhor a chamada “Crise dos Mercados”:

«Agora está claro: não existe, no interior da União Europeia, nenhuma vontade política de enfrentar os mercados e resolver a crise. Até há pouco, atribuiu-se a lamentável actuação dos dirigentes europeus à sua desmedida incompetência. Mas esta explicação, ainda que correcta, não basta, sobretudo depois dos recentes “golpes de Estado financeiros” que puseram fim, na Grécia e na Itália, a certa concepção de democracia. É óbvio que não se trata só de mediocridade e incompetência, mas de cumplicidade activa com os mercados.

A que chamamos “mercados”? A este conjunto de bancos de investimento, companhias de seguros, fundos de pensões e fundos especulativos (hedge funds) que compram e vendem essencialmente quatro tipos de activos: moedas, acções, papéis da dívida dos Estados e produtos derivados dos três primeiros.

Para ter ideia da sua força colossal, basta comparar duas cifras: em cada ano, as empresas de bens e serviços criam, em todo o mundo, uma riqueza estimada (se medida pelo PIB) em cerca de 45 biliões (milhões de milhões) de euros. Ao mesmo tempo, em escala planetária, os “mercados” movem capitais avaliados em 3.450 biliões de euros. Ou seja, setenta e cinco vezes o que produz a economia.

Consequência: nenhuma economia nacional, por poderosa que seja (a da Itália é a oitava do mundo), pode resistir aos assaltos dos mercados quando estes decidem atacá-la de forma coordenada, como estão a fazer há mais de um ano contra os países europeus depreciativamente qualificados como PIIGS [porcos, em inglês]: (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha).

O pior é que, ao contrário do que se poderia pensar, estes “mercados” não são unicamente forças exóticas, vindas de algum horizonte distante para agredir as nossas gentis economias locais. Não. Na sua maioria, os “atacantes” são os nossos próprios bancos europeus (estes mesmos que foram salvos, com o nosso dinheiro, pelos Estados, na crise de 2008). Para dizer de outra maneira, não são apenas fundos norte-americanos, chineses, japoneses ou árabes os que estão a atacar maciçamente alguns países da zona euro.

Trata-se essencialmente de uma agressão de dentro, dirigida pelos próprios bancos europeus, as companhias europeias de seguros, os fundos especulativos europeus, os fundos europeus de pensões, as instituições financeiras europeias que administram as poupanças dos europeus. São eles que possuem a parte principal da dívida dos Estados. E que, para defender em teoria os interesses dos seus clientes, especulam e obrigam os Estados a elevar as taxas de juros que pagam, a ponto de levar vários (Irlanda, Portugal, Grécia) à beira da falência. Com o consequente castigo para os cidadãos, que devem suportar medidas “de austeridade” e brutais ajustamentos decididos pelos governos europeus para “acalmar” os mercados-abutres – ou seja, os seus próprios bancos.

Estas instituições, além de tudo, conseguem facilmente dinheiro do Banco Central Europeu a 1,25% de juros, e emprestam-no a países como Espanha ou Itália a… 6,5%. Daí a importância escandalosa das três grandes agências de avaliação de riscos (Fitch Ratings, Moody’s e Standard & Poor’s): da nota que atribuem a um país, depende o nível dos juros que este pagará para obter um crédito dos mercados. Quanto mais baixa a nota, mais altos os juros.

Estas agências não apenas costumam equivocar-se – em particular na sua opinião sobre as hipotecas subprime [de segunda linha] norte-americanas, que deram origem à crise actual – mas desempenham, num contexto como o de hoje, um papel perverso e execrável. Como é óbvio que todos os planos “de austeridade” de cortes de direitos e ataque aos serviços públicos irão traduzir-se em queda do índice de crescimento, as agências baseiam-se nisso para rebaixar a nota do país. Consequência: este deverá reservar mais dinheiro para o pagamento da sua dívida. Dinheiro que precisará obter cortando ainda mais o orçamento. Provocando queda inevitável da actividade económica e das próprias perspectivas de crescimento. E então, de novo, as agências rebaixarão a sua nota.

Este ciclo infernal de “economia de guerra” explica porque a situação da Grécia se foi degradando tão drasticamente, à medida que o seu governo multiplicava os cortes e impunha uma férrea “austeridade”. De nada serviu o sacrifício dos cidadãos. A dívida da Grécia baixou ao nível dos “títulos lixo”.

Deste modo, os mercados obtiveram o que queriam: que os seus próprios representantes cheguem ao poder, sem precisar submeter-se a eleições. Tanto Lucas Papademos, primeiro-ministro da Grécia, quanto Mario Monti, presidente do Conselho de Ministros da Itália, são banqueiros. Os dois, de uma maneira ou de outra, trabalharam para o banco norte-americano Goldman Sachs, especializado em colocar os seus homens nos postos de poder. Ambos são, também, membros da Comissão Trilateral.

Estes tecnocratas planeiam impor — custe o que custar socialmente e nos marcos de uma “democracia limitada” — as medidas que os mercados exigem (mais privatizações, mais cortes, mais sacrifícios) e que alguns dirigentes políticos não se atreveram a tomar, por temerem a impopularidade que tudo isso provoca.

A União Europeia é o último território no mundo em que a brutalidade do capitalismo é mitigada por políticas de protecção social. Isso que chamamos “estado de bem-estar”, os mercados já não toleram e querem demolir. Esta é a missão estratégica dos tecnocratas que chegam ao centro do governo graças a uma nova forma de tomada de poder: o golpe de Estado financeiro. Apresentado, é claro, como compatível com a democracia…

É pouco provável que os tecnocratas desta “era pós-política” consigam resolver a crise. Se a sua solução fosse técnica, já teria sido adoptada. Que se passará quando os cidadãos europeus constatarem que os seus sacrifícios são em vão e que a recessão se prolonga? Que níveis de violência os protestos alcançarão? Como se manterá a ordem na economia, nas mentes e nas ruas? Haverá uma tripla aliança entre o poder económico, o mediático e o militar? As democracias europeias converter-se-ão em “democracias autoritárias”?»

- Artigo publicado em Le Monde Diplomatique em espanhol, traduzido por António Martins para Outras Palavras, revisto por Carlos Santos para esquerda.net
Esqueceram-se que aqui já temos o "agente" a trabalhar, o Gasparzinho...

Este texto foi enviado, como a minha participação para  o tema mensal da "Fábrica de Letras" - a crise!

26 comentários:

  1. Interessante artigo, embora te diga que o acho um pouco faccioso. Vejo frequentemente em artigos conotados com a esquerda (e Ignacio Ramonet, o seu autor, não é diferente) um apelo discreto e subliminar à violência que me desagrada. Os mercados não são justos, e o monstro Goldman Sachs é como um polvo com tentáculos infindáveis, espalhados desde as grandes economias até às mais pequenas, como a nossa.

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  2. Um Coelho
    um artigo, como este, que objectivamente responsabiliza o grande capital, do que está a acontecer nesta crise, (e que me parece inquestionável) terá sempre que ser de esquerda; aliás eu gostaria de ler algures, uma análise isenta, correcta e diferente desta, da parte de algum "guru" da direita, mas é difícil ser coerente com ideologias de direita explicar de algum modo, este ataque feroz dos mercados.
    E nós vemos, a um nível, muito mais reduzido, a importância que a banca tem nas decisões políticas, no caso português: nada, mesmo situações dramáticas que se estão a verificar em Portugal, a toda a hora, sob o ponto de vista social, fez demover o governo do rigor excessivo de algumas das suas medidas, mas souberam "abrir as perninhas" às reivindicações dos banqueiros...
    Quanto a um eventual crescimento da contestação social, ele é inevitável, e não vejo que essa constatação seja um apelo à violência, mas vejo-a como inevitável; e aqui entre nós também isso se irá verificar, apesar dos nossos brandos costumes - não estou, de forma alguma a apelar à violência, aliás a contestação é sempre legitima quando se sente na pele a injustiça de certas medidas, mas nada justifica a violência. No entanto ela já grassa por aí, não em confrontos policiais generalizados, mas sim de uma forma avulsa, com um aumento preocupante da criminalidade, que tanto preocupou num passado recente certas personalidades agora no governo, e que agora se remetem ao silêncio comprometedor, mas ruidoso - Paulo Portas, por exemplo.
    Abraço amigo.

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  3. Gostei do artigo, revela muitas verdades e ao mesmo tempo não apresenta soluções.

    Resumindo isto em poucas palavras, em várias épocas os conselheiros diziam isto por outras palvras:

    - Não mexemos nos ricos(são nossos amigos);
    - Não mexemos nos pobres, poque estes nada tem...
    - Mexemos na "classe média" aqueles que ambicionam ser Ricos e que farao de tudo para não ser Pobres...

    Pois, Portugal esteve por diversas vezes à porta da bancarrota, sobreviveu devido à economia pararela. Esta vai voltar em força dentro em breve:

    Roubo de ouro, Prostituição, raptos, trafego de seres humanos, trafego de droga, trafego de armas, fuga ao fisco no máximo e mais umas coisas giras...

    Quando formos todos pobres, matamos os ricos para dar de comer aos nossos filhos...
    Qual é a parte da história que se repete ao longo das épocas e ninguém aprende?

    Abraço
    P.S - Se o mundo acabar em 2012, lamento mas não sobreviverá ninguém mesmo, nem as baratas...

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  4. Francisco
    é uma "leitura" possível, mas ainda mais medonha que a própria realidade...
    Pior seria impossível, hehehehe...
    Abraço amigo.

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  5. Muito bom texto.
    Isto tudo faz sentido, infelizmente. É inacreditável o que meia dúzia de pessoas planeiam e o que os mesmos tem (e vão) conseguindo. Ainda hoje vinha a pensar a impotência das massas em retomar a Europa. É medonha a fraqueza da plebe perante este assalto do colarinho branco... que, temo, dentro em breve se sujará de sangue.
    Vamos lá ver.

    Grande abraço.

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  6. Catso
    ainda bem que encontro alguém que encontra fundamento nesta explicação, que tem até o condão de estar escrita em termos perceptíveis para leigos em termos económicos.
    Abraço amigo.

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  7. Ola. Estive aqui dando uma olhada. Interessante. Apareça por lá. Abraços.

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  8. Um brasileiro
    obrigado pela tua visita; já fui cuscar os teus blogs e vou começar a seguir um.
    Abraço.

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  9. Olá,

    Desejo-te um Bom Natal e um Excelente Ano de 2012.

    Abraço,

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  10. Olá Sérgio
    obrigado e envio também votos de Boas Festas para ti e todos os teus.
    Abraço amigo.

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  11. Pois é, também concordo que de incompetentes os dirigentes europeus não têm nada. São inteligentes, têm um plano e estão a cumpri-lo criminosa e rigorosamente. As consequências é que podem ser inesperadas - porque as populações não vão ficar de braços cruzados perante tão desmesurado e ignóbil saque...
    Abraço, Pinguim

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  12. Justine
    absolutamente de acordo e pensar que as consequências podem trazer perturbações graves, não é de forma alguma incentivar a violência, mas tão só ser previsivelmente realista.
    Beijinho.

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  13. Um artigo bem feito e elucidativo de toda esta situação caótica para onde nos empurram e com que diariamente nos torturam.

    Parece que todos sabem a verdade mas nenhum se atreve a opor-se a estes mecanismos.

    Se os governantes pensarem seriamente talvez tomem uma atitude diferente, mas parece que a incompetência lhes tomou o bom senso e todo o programa que prometeram ao país.

    Ainda que se faça uma outra revolução os resultados serão sempre os mesmos.
    Os exploradores e mafiosos já estão instalados e nunca irão desistir destas políticas de opressão....

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  14. Isto é só uma prova de que o nível dos políticos actuais é de uma mediocridade imensa...
    Se o poder político não consegue vencer os homens que detêm o poder económico, e ainda se aliam a eles, para que servem os políticos????

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  15. Que o Natal te traga de presente aquilo que a vida tem de bom: saúde, amor, amizade, harmonia familiar... e que ao longo de 2012 a alegria seja uma constante no teu quotidiano.

    Bem-hajas!

    Beijinhos

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  16. Isabel
    obrigado pelos teus votos, que retribuo com muito gosto,embora não me pareça que vá haver muitos motivos de alegria no próximo ano.
    Beijinho.

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  17. com esse pessoal tamos F...

    Bom Natal pinguim ;)

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  18. Se7e
    ...e cada vez mais mal pagos!
    Bom Natal para ti também.
    Abraço amigo.

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  19. Um belo texto esse, mas confesso que sou leigo no assunto, porém acredito que essas crises são sempre necessárias para o capitalismo poder se fortalecer cada vez mais, afinal com essas crises o capitalismo sempre consegue se reinventar e alguns poucos saem mais ricos.
    Abraços e um Feliz Natal

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  20. Frederico
    não sou tão optimista como tu e penso mesmo que o capitalismo já teve a sua época, como aconteceu com o marxismo.
    E se é verdade que alguns, muito poucos, saem muito mais ricos, também é verdade que aumenta muito o número de pobres...
    Abraço amigo.

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  21. Um artigo bem revelador, que contribui de certo modo para que eu aprenda alguma coisita... Claro que a minha abordagem deste tema da Fábrica de Letras com contas de mais e menos está mais simples mas... É o que há... Vou ao nível do que é perceptível aos meus sentidos ;)*

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  22. Catarina
    obrigado pela visita, que já retribuí e onde expus o meu ponto de vista sobre as nossas duas concepções de "crise", com as quais penso ambos ficámos a ganhar.
    Beijito.

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  23. Vi seu nome na lista da coletiva com o tema crise e vim compartilhar contigo.
    Tbém estou participando. Vou te esperar por lá.

    Vou te esperar para compartilhar. As coletivas vão aproximando pessoas.
    http://sandrarandrade7.blogspot.com/2012/01/coletiva-tema-crise.html
    Vou te esperar.
    Carinhosamente,
    Sandra

    Um bom texto. Uma bela reflexão.

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  24. Sandra
    obrigado pela visita.
    Vou cuscar nos teus blogs.
    Beijito.

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  25. e ainda que vingue a teoria de criar uma taxa para que o sector financeiro contribua para pagar a crise, os bancos e as seguradoras vão sempre acabar por repercutir esse custo nos seus clientes, e claro está, lá vamos nós pagar mais um bocadinho, enquanto estas entidades passam ao lado, a assobiar.

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  26. Utópico
    essa é a triste realidade...
    Abraço amigo.

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Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!