Nos meus tempos de universidade, era hábito fazer umas rondas por várias livrarias, não só às mais conhecidas, no Chiado, como a outras, mais pequenas e estratégicamente situadas, perto do Campo Grande ou na Rua da Escola Politécnica.
Nestas últimas, mais frequentadas por estudantes, havia sempre uns “caixotes”, bem arrumadinhos no sotão, aos quais não era difícil aceder, e onde se encontravam os livros proíbidos pela censura, que naturalmente não poderiam ter exposição pública. Ir ao “caixote” era um hábito e um bom hábito, pois quantas preciosidades por lá encontrei, folheei, li e adquiri.
Vem isto a propósito de uma colecção de 50 livros, que compunham a colecção “Cadernos D. Quixote”, da editora de mesmo nome, e que eu, em boa hora, resolvi assinar; assim, à data da sua publicação, eu recebia-os em casa, pelo correio, ainda antes de passarem pelo odioso “lápis azul”; e devem ter sido para aí 50%, os títulos que tiveram esse destino. Era uma colecção, com títulos extremamente actuais, ao tempo, essencialmente sobre temas políticos e sociais, que transcreviam textos sobre o tema versado, publicados nos grandes periódicos dos países democráticos, por especialistas e comentadores de renome. Com formato de livro de bolso,, com cerca de 100 a 150 páginas cada, o primeiro saíu em Julho de 1968, e o último, precisamente quatro anos depois, em Julho de 1972.
O preço começou por ser de 20$00, depois passou para 25$00 e finalmente estabilizou nos 30$00.
Tenho um imenso orgulho em ter toda a colecção, que independentemente do seu valor monetário, tem para mim, um enorme valor pessoal.
Presumo que foi devido a um título, que tinha lido na véspera de uma “conversa” com alguns chefes militares, na EPI, em Mafra, “A crise da Igreja”, e sobre o qual dissertei nessa “conversa”, que vim a ser escolhido para vir a ser capitão miliciano; essencialmente o livro referia o papado muito político de Paulo VI, a forma quase “comprada” como foi escolhido para papa e os posteriores apoios aos movimentos independentistas.
Porque é curioso ver a abrangência dos temas expostos nesta colecção e a oportunidade do seu lançamento, no mercado, aqui fica publicada a totalidade dos títulos editados e publicados.
1 – O conflito Israelo-Árabe
2 – Bolívia, um segundo Vietnam?
3 – A revolta dos negros americanos
4 – Grécia 67
5 – Guerra ou paz?
6 – O drama do terceiro mundo
7 – Que futuro para o Vietnam?
8 – Checoslováquia na hora da democratização
9 – Biafra
10 – EUA – ano de eleições
11 – A revolta de Maio em França
12 – URSS – 50 anos depois
13 – A crise da Igreja
14 – O desafio americano
15 – China hoje
16 – Médio Oriente – solução impossível?
17 – Apartheid
18 – Black Power – Poder Negro
19 – As crises monetárias
20 – Lua – Sim ou não?
21 – De Adenauer a Willy Brandt
22 – A Rodésia e a independência
23 – Japão outro gigante
24 – Uma nova Espanha?
25 – Itália entre direita e esquerda
26 – O Brasil na encruzilhada
27 – Droga – inferno ou paraíso?
28 – Igreja velha, Igreja nova
29 – Hippies – quem os conhece?
30 – Suécia – mito ou realidade?
31 – Bolívia, depois de Guevara
32 – Cuba e o Socialismo
33 – A pílula é um perigo?
34 – O futuro é dos jovens
35 – E depois do Laos?
36 – India – sem Nehru
37 – Mulheres contra homens?
38 –Inglaterra – Trabalhadores, Conservadores ou europeus?
39 – F.B.I. – Abuso de autoridade
40 – Marrocos – Hassen e as conspirações
41 – Vietname – antes da paz
42 – Quem tem medo da China?
43 – A nova esquerda na Europa
44 – E depois de Franco?
45 – Grécia – ano quinto
46 – A Jugoslávia de Tito
47 – Polónia – um novo rumo?
48 – A outra Alemanha
49 – Guerra química e bacteriológica
50 – Albânia – o país das águias
João, parece-me que temos alguns percursos comuns. Parece-me, não, já tinha notado que lemos muito coisa pela mesma cartilha, literalmente, e que há um património datado que nos formou como adultos.
ResponderEliminarTenho alguns números dos Cadernos D. Quixote, não muitos, e provavelmente existe nas nossas casas muito mais obras iguais, daquelas que eram quase obrigatórias.
A escolha dos papas assenta em critérios muito para além do foro religioso, podemos dizer que são sempre homens para a sua época. Há uma certa sabedoria na igreja católica que a existência milenar lhe ensinou. O Papa João Paulo II também foi o homem certo para preparar a queda da União Soviética, começando por fazer implodir a Polónia. Muito dinheiro do Vaticano entrou para o Solidariedade escondido nas sotainas dos padres. A igreja tem os pés bem enterrados no mundo, isso da repartição entre o que é de César e o que é de Deus é uma ideia romântica.
bjs e bom fim-de-semana para ti
Cara Mar_maria
ResponderEliminarestou certo que bebemos ambos muita coisa da mesma fonte, não só no que respeita a livros; e devo dizer, que apesar de todas as dificuldades de acesso a determinadas fontes, foi uma época plena de acontecimentos que contribuiram para uma certa formação de uma geração; o Maio de 68 em frança, o movimento hippie, a Guerra do Vietnam, o aparecimento dos grandes grupos de rock, com os Beatles à cabeça, o free love, enfim, tanta coisa...
Sobre a Igreja, na sua cùpula, o papado, sempre considerei na minha vida, um único papa que representava realmente os ideais da doutrina de Cristo, o papa da bondade e do amor, João XXIII; todos os outros, de uma forma ou de outra, "trabalharam" para objectivos muito seculares; um, então, coitado, nem o deixaram piar, João Paulo I; quanto ao actual, eu não consigo mesmo ver naquele homem, um papa...
Enfim. isto dava pano para mangas...
Beijinhos e bom fim de semana.
Maravilha! Essa tua colecção sempre dá para relembrar os velhos tempos.
ResponderEliminarAbração!
E para reler, vendo assim a "actualidade" de alguns temas, amigo Lampejo.
ResponderEliminarAbração e bom fim de semana.
Não conhecia estes cadernos mas pelos titulos têm muita coisa de interesse.
ResponderEliminarUm abrao
Caro Paulo
ResponderEliminarNão sei se será fácil, mas talvez nos alfarrabistas se possam encontrar alguns; claro que estão profundamente datados, mas aí reside, quanto a mim, muito do seu interesse.
Abraço.
“A crise da Igreja”, e sobre o qual dissertei nessa “conversa”, que vim a ser escolhido para vir a ser capitão miliciano
ResponderEliminaresta afirmação confirma a tese que os livros até podem mudar as nossas vidas. mergulhar no mundo dos livros é algo que sempre me fascina, pelo que uma vez mais não podia ficar indiferente a tal relato e ainda por cima vindo de um eximio contador de histórias (reais)
Isso é um verdadeiro tesouro caro Pinguim!
ResponderEliminarCaro Luís
ResponderEliminarA história foi simples: havia uma mesa onde estavam umas dezenas de cartões com temas variados, evidentemente com o tema na parte oculta, e cada um de nós tiraria 2 e optaria por numas breves palavras falar sobre um deles, à nossa escolha; já não recordo qual o outro tema, mas um era apenas "A Igreja"; e aí vai disto, pus o Paulo Vi nas ruas da amargura, mas com tal veemência, que os galões dos altos comandos até tremeram; daí pensar que isso terá tido influência determinante para essa escolha, já que era a prova final. Confesso não entender os critérios psico técnicos desta e doutras provas que tive que realizar, numa das quais nos puseram todos de olhos vendados a jogar uma partida de futebol virtual...
Enfim, onde os livros nos levam...
Abraço.
Amigo Will
ResponderEliminarpara mim, no meu critério de valor dos livros, pelo que eles me disseram e dizem, é de facto um tesouro incalculável.
Abraço.
olá
ResponderEliminarAdorei a recoedação das visitas às livrarias. Mais ainda dos 20$00.
Que saudade! Por causa do teu post vieram-me á memória um montão de histórias...
Parabésn pela colecção, deve ser preciosa.
Bom domingo
Lá em casa da minha mãe também há alguns desse, não a colecção toda. O que eu me pergunto é como teriam ido lá parar... tenho de investigar isso ;)
ResponderEliminarCara Jasmim
ResponderEliminarera, essa visita às livrarias um dos meus maiores prazeres, que aliás conservo, sempre que posso; mas naquele tempo, o significado era mais precioso, claro.
Quanto aos 20$00, já reparaste que são hoje 10 cêntimos??? Incrível..Beijinhos.
Caro Tonghzi
ResponderEliminarvê lá não tenha sido a própria censura a enviá-los para lá (claro que estou no gozo...), mas eu, no teu caso, e já que não foste tu que os lá deixaste, também gostaria de procurar saber.
Abraço.
A liberdade de expressão e de informação são bens extra preciosos, João. E nesse tempo, como vejo, já os acarinhavas. :)
ResponderEliminarDesde muito novo que sempre me interessou sempre o que de importante se passava no mundo, e uma das maiores carências para mim, nessa altura, era nem sempre o conseguir; mas, apesar de tudo, fui um felizaedo, porque não me acomodei...
ResponderEliminarAbraço, amigo João Manuel.
Bom!
ResponderEliminarOutras gera�es e outros tempos dos quais n�o poderia guardar mem�rias...
Fico-me apenas pelo AINDA BEM que haviam esses "caixotes"...
Quanto aos "l�pis azuis"... hoje em dia ganham outras formas... mas estou certo que, infelizmente, teimam em continuar a existir.
Ser� paranoia minha? :)
Abra�o amigo
Amigo João
ResponderEliminarse por um lado era por vezes castrador não ter acesso a coisas essenciais da cultura e da nossa própria formação, por outro esse facto aguçava-nos o engenho e a descoberta das novidades era algo inmaginável nos dias de hoje.
esses "caixotes" fizeram parte da minha educação cívica e da minha formação como Homem.
Embora não concorde com algumas atitudes actuais no que respeita a esse assunto, a diferença é tão abissal, que é impossível um ponto de comparação.
Abração.