Aqui transcrevo na integra o texto que Miguel Vale de Almeida publicou há dois dias no seu blog “Os tempos que correm”, sob o título Talvez não sejamos muitos e muitas…
Porque, nas suas premissas reflecte o pensar de “muitos e muitas”, apesar de eventualmente não concluírem como MVA, porque concordo quase em decalque das premissas anunciadas e porque até sou dos que adiro á sua conclusão, tem todo o cabimento a transcrição desta reflexão no meu blog.
O momento político português é grave e tem que ser equacionado na base do que “não se quer”, e tão mais importante do que ser esta reflexão válida para as próximas eleições legislativas, ela é também extremamente válida para a eleição autárquica em Lisboa, pois mais Santana Lopes, NÃO, por favor!
“TALVEZ NÃO SEJAMOS MUITOS E MUITAS…… mas existimos. Somos as pessoas que, no espectro político-partidário, tal como ele se apresenta (e não o que idealizaríamos), se colocam entre o PS e o Bloco. Não gostamos do PS-centrão, com políticas neo-liberais no trabalho e na economia, e com um séquito de pessoas predispostas ao tráfico de influências. Gostamos do PS quando se apresenta do lado da igualdade, da liberdade, da modernidade. Não gostamos do Bloco quando descai para a demagogia, quando arrebanha as pulsões populistas, ou quando aposta no “correr por fora” desresponsabilizando-se do governo da coisa pública. Gostamos do Bloco quando se apresenta … do lado da igualdade, da liberdade, da modernidade. Alguns e algumas de nós circulam em espaços criados para suprir esse ponto intermédio: em torno de Alegre, em torno de Roseta. Não é o meu caso. Porque acho que sem máquina e sem diversidade de composição social não há transformação política. Mas estejamos lá ou não, estejamos no PS ou não, estejamos no Bloco ou não, partilhamos uma série de preocupações: sentimos que o sistema político português está prisioneiro de uma lógica de grande centro que cedeu demasiado ao neo-liberalismo e que um sintoma disso são as ligações ao poder económico e o tráfico de influências; cortámos há muito com a esquerda revolucionária, mas recusámos a terceira via, acreditando que é possível uma social-democracia que aposte no papel do estado e dos serviços públicos na garantia de igualdade de oportunidades no quadro de uma economia de mercado regulada e com espaço e incentivo para formas de economia solidária e cooperativa; defendemos acima de tudo a liberdade, e esta mede-se na capacidade de garantir opções e escolhas, diversidade, reconhecimento e direitos. Somos pela escolha na interrupção voluntária da gravidez, somos pela diversidade cultural no país e pelo acolhimento dos imigrantes, somos pela plena igualdade no acesso ao casamento civil por parte de casais do mesmo sexo, somos pela despenalização do consumo de drogas, pela laicidade o estado e pela liberdade religiosa, pela efectiva igualdade de género; somos reformistas, no sentido em que queremos transformações concretas na segurança social, na saúde, na justiça, na educação que, com base na valorização dos serviços públicos e na dignificação dos profissionais, melhorem as chances de boa vida para o maior número possível de pessoas, no tempo da sua vida, sem fazer a mudança depender do agudizar de contradições que possam levar, num futuro distante, a uma sociedade perfeita – em que não acreditamos. Não desejamos que as coisas estejam mal para podermos justificar as lutas, desejamos que elas melhorem mesmo e quanto mais cedo melhor; somos pela inovação, pelo conhecimento, pela capacidade inventiva e criadora, pela sustentabilidade energética, pela ecologia – e achamos que estas áreas oferecem o melhor potencial para o futuro económico do país, ao mesmo tempo promovendo o conhecimento, gerador de liberdade; somos por um país que mede o seu valor pelo que faz agora pelos seus cidadãos e pelas suas cidadãs, nascidos ou não aqui, falantes ou não de português, e não pelos mitos do passado, recusando o medo, o atavismo e a violência simbólica das nostalgias do salazarismo ou das utopias revolucionárias. Somos por uma União Europeia assente numa verdadeira representação democrática dos seus cidadãos, com uma verdadeira Constituição e com políticas que ajudem os países mais pobres a aproximarem-se da média comunitária. Somos pela dignificação do sistema político, trazendo para ele novas pessoas, abrindo espaços e diversidades de opiniões, exigindo accountability, e não somos pelo corte definitivo entre a cidadania e a representação ou por alternativas caudilhistas, presidencialistas ou que se deixem seduzir por suspensões da democracia. Em finais de Setembro vamos ter de decidir em quem votamos. Sabemos que não votamos num PSD cuja líder simboliza praticamente tudo o que de negativo foi aqui elencado – uma política que aposta na negatividade e apela aos piores instintos de receio, fechamento, e honrada pobreza. E muitos e muitas de nós estamos tentad@s a votar à esquerda do PS para punir políticas concretas – laborais ou educativas, nomeadamente. Mas mais do que esses argumentos, racionais, espanta-me a onda emotiva que se instalou, para lá das queixas justas, através da repugnância em relação à figura de Sócrates, pintada com as cores da arrogância e do autoritarismo. Ela assenta, a meu ver, num equívoco de percepção: a ideia de que um líder de esquerda deveria ser ou uma figura de bonomia (Alegre?) ou de inflamação revolucionária (Louçã?) – mas nunca uma figura que governa no seu estilo próprio e sem obedecer a um guião estético ou a um folclore de referências específico. Nesse sentido, Sócrates não “bate certo” com o guião cultural português (daí as acusações, como as de autoritarismo e arrogância, que não conseguem, a meu ver, acertar no alvo). Neste momento de crise (que obriga o PS a pensar os erros da deriva neo-liberal da terceira via e do centrão), de desgaste do governo, de acumulação de asneiras por muitos ministros; neste momento de criação de um clima de “derrota” (estabelecida pelos mecanismos retóricos e publicitários de uma comunicação social que em Portugal, ao contrário do resto da Europa, é estruturalmente conservadora); neste momento em que o PS pode (e deve) ver-se obrigado a pensar à esquerda e a pensar em diálogos com muitos cidadãos e cidadãs das várias esquerdas, é o momento de escolher por onde passa a linha divisória entre esquerda e direita. Pessoalmente não acredito que ela passe entre o PS e o Bloco. Acredito que ela passa entre o PSD e o PS. Não quero o regresso do PSD, muito menos do PSD personificado por Manuela Ferreira Leite ou Santana Lopes. Não concordo com várias das políticas deste governo PS que agora termina. Não vi, ainda, o Bloco sair da lógica do “quanto mais dificuldades e tensões sociais melhor”, que o leva a apostar mais no “correr por fora” do que a valorizar as ideias e modos de uma das suas correntes fundadores (a que pertenci), a Política XXI. Mas vejo pela primeira vez, no PS e sobretudo em Sócrates, sinais de um projecto de modernização para o país que se diferencia quer da tentação miserabilista da maior parte da direita, quer da tentação revolucionária da maior parte da esquerda. Justamente num dos piores momentos por que aquele partido passa, e sem qualquer intenção de aderir de novo, enquanto filiado, a um partido, votarei pela primeira vez na vida no PS.”