sábado, 21 de junho de 2008

Passado e presente: 3 - Recordações da minha terra (1)


Esta foto representa, hoje, uma moderna residência universitária, situada numa zona da Covilhã, denominada Sineiro, onde havia bastantes unidades fabris, hoje quase todas encerradas, e as quais grande parte foram adquiridas pela UBI (Universidade da Beira Interior), que naquela zona da cidade estabeleceu um outro polo dos seus serviços. Naquele edifício, gastei eu 13 anos da minha vida profissional, desde o início de 1980 até ao final de 1993, pois era aqui que funcionava a empresa têxtil da minha família. Foi fundada, noutro local, e com menores dimensões, pelo meu Avô, nos anos 30 do século passado e o qual com a ajuda dos seus dois filhos varões, meu Pai e meu tio, a fizeram crescer, e que se desenvolveu muito durante o período da guerra. Era uma unidade fabril de média dimensão, na óptica do nosso país, com mais de uma centena de trabalhadores, distribuídos pelas diferentes secções de cardação, tecelagem e fiação, sendo esta, à altura uma das melhores do país, e permitindo mesmo prestar serviços a outras unidades; para ser uma fábrica vertical, faltavam as secções de ultimação e tinturaria, serviços que eram prestados a todas as empresas da cidade por meia dúzia de fábricas especializadas nesses serviços. Os serviços de armazém e administrativos funcionavam no edifício principal, no piso superior. Perante a insistência de meu Pai, acabei por abandonar o ensino, e juntar-me ao núcleo familiar que ali trabalhava, entretanto alargado a uma irmã e a um irmão meus. Apenas acedi nessa altura, pois já não trabalhava lá o meu Avô, pessoa que admirei, pela sua determinação e iniciativa, mas com o qual nunca seria capaz de trabalhar, pelo seu feitio de mando, sem diálogo, à boa (má) maneira do seu tempo. Foi uma luta grande a que travei ali, principalmente nos últimos tempos, após o falecimento de meu Pai, pois tive que ocupar funções de gerência, acumuladas ás de director comercial e responsável pois de todo o escoamento da produção, sendo estas funções do meu agrado, pois se adaptavam ao meu espirito de trabalho.Só então, e já numa altura de grande crise no sector, vivi por dentro os inúmeros problemas da empresa, quase inventando o dinheiro para tudo pagar, quer ao pessoal, quer ás compras de matéria prima, quer ás obrigações fiscais e ainda os serviços prestados de acabamento e tinturaria. Além do mais, começou a haver uma forte clivagem entre o bloco constituído por mim e meus irmãos, com o meu tio, que comigo compartilhava a gerência, mas parecia alheado a todos estes problemas, pelo que perante um confronto absolutamente imprescindível, tipo “ou ele ou nós”, resolvemos ceder as nossas partes e deixámos a empresa, tendo eu regressado ao ensino. A empresa durou apenas mais 2/3 anos, mas poupou-me a uma sempre muito dolorosa decisão de encerrar a empresa. Numa recente visita à Covilhã, e num encontro casual com o Reitor da Universidade, tive a oportunidade de lhe falar no meu gosto de visitar a agora belíssima e enorme residência universitária, uma das várias que a Covilhã possui, ao que ele simpaticamente acedeu, de imediato, mas ficou tal visita adiada, por se estar em período de férias natalícias. Apenas uma explicação, necessariamente breve, para tentar explicar a transformação da Covilhã, de um importante polo da indústria de lanifícios, sendo mesmo conhecida pela “Manchester portuguesa”, para uma cidade essencialmente universitária e de turismo. É que, com os aumentos salariais, após o 25 de Abril, mais que justos, pois era uma indústria extremamente mal remunerada, tornou-se impossível continuar a praticar preços concorrenciais, quer no mercado nacional, quer essencialmente no internacional, que estava em franca expansão, principalmente depois das adesões à EFTA e depois ao então Mercado Comum. Assim, como exemplo, se num ano, a flanela fabricada na nossa empresa ganhou um concurso e foi eleita para fornecer o Catálogo Redoute, o que proporcionou consideráveis aumentos de produção, no ano seguinte, esse contrato não foi renovado, pela impossibilidade de acompanhar o preço oferecido por uma empresa marroquina; isto mostra, de um modo assaz simplista que a indústria têxtil é quase sempre corolário de um país do terceiro mundo, com mão de obra muito mal paga. Aliás, Portugal e a região covilhanense, em particular, viveu um “boom”, quando da falência das empresas francesas, primeiro e das espanholas a seguir, nas décadas de 70 e 80. E perdeu toda a sua força, e continua a perder, agora mais no sector da confecção, quando a deslocalização se começou a fazer sentir, com o peso da concorrência de empresas do norte de África e especialmente do extremo oriente, que pagavam e pagam salários de miséria, apresentando preços incomportáveis para as nossas empresas. O problema agudizou-se ultimamente com o diferendo entre a Comunidade Europeia e a China, pois a indústria têxtil chinesa, hoje em dia, ameaça seriamente toda a produção ainda restante das grandes empresas europeias comunitárias, e estas sim, têm peso para fazer valer os seus direitos, nãio esquecendo as preocupações americanas neste caso, também. Enfim, mais uma página de nostalgia, desta vez alargada a alguns problemas genéricos da indústria têxtil actual.

33 comentários:

  1. Com estes testemunhos acabas por dar uma boa imagem da economia e da cultura regional da região.
    Adoro ver-te dedilhar, mesmo que com nostalgia, o orgulho que tens pela tua terra! :)

    Um bom fim de semana, rapaz.

    ResponderEliminar
  2. Sempre que leio as tuas memórias fico com a sensação que és mesmo uma caixinha de surpresas!
    Que vida preenchida tens tido meu amigo... fazes-me ver que nada é linear, estático, que a mudança faz parte da vida e isso deixa-me mais tranquilo.
    Quantoa à história específica deste post, pois então, é um excelente retrato do nosso Portugal e do seu inevitável percurso - abandono da indústria e apostar no sector dos Serviços, seja Ensino, seja o Turismo, é por aí o caminho!
    Um abraço

    ResponderEliminar
  3. Sinto que quem tiver numa mesa contigo a ouvir as tuas histórias do passado e do presente também, vai com certeza embarcar na viagem e tirar dela muita mensagem, muito ensinamento, muita experiência.

    :)

    Beijinho

    ResponderEliminar
  4. É fantástica a forma como, através de um narrativa que te é tão próxima, consegues analisar sem sectarismo um problema tão marcante da nossa vida económica e social.
    Conheço bem UBI e reconheço que foi um aproveitamento muito bom dos espaços industriais que foi integrando. Foi uma boa aposta essa de instalar a universidade nessa zona. Outras regiões não tiveram tanta sorte.

    ResponderEliminar
  5. Uma indústria em grande crise, como sabemos; ma snão fazemos nada, continuamos a ir ao chinês, ás lojas baratas; sai mais barato comenta-se. Talves esteja na hora de alguém fazer contas e explicar que pagar indiminizações, subsídios de desemprego, rendimentos mínimos e mais não sei quantas fatias sociais cada peça de roupa comprada é bem mais cara...enfim!
    Aguardo a confirmação do meu convidado para continuar o desafio do Luís.
    Bom fim de semana.
    Bjocas
    Ah! sabes que aaprtir de 24 começa no S. Jorge o ciclo de cinema cigano? vale a pena!

    ResponderEliminar
  6. E aqui ficaria eu, sentada nesta cadeira, a ouvir-te contar histórias vivas e vividas deste país que, a pouco e pouco e pela força da globalização desenfreada, se foi deixando morrer.
    Retrato límpido e emocionado de um país que foi o nosso e que recordamos, nostálgicos.
    Abraço cheio de sol do solstício:))

    ResponderEliminar
  7. Os teus gostos musicais passam pelos mesmos caminhos que os meus: Simon & Garfunkel, sempre:))

    ResponderEliminar
  8. Meu caro João Manuel
    permite que aproveite este espaço, para mais do que dizer algo sobre o teu comentário e que não seria muito diferente do que vou afirmar noutros, para referir, como explicação que este post, é, como os dois primeiros desta rúbrica, um desfilar de posts do antigo blog desaparecido; conforme me apetecer assim vou dando oportunidade de colocar aqui no blog, posts que considero importantes e que fazem falta à total identificação quer do blog, quer da minha pessoa.
    Abraço muito amigo.

    ResponderEliminar
  9. Caro Graphic
    a vida dá tantas voltas, meu amigo, que nunca devemos acreditar que estamos "finalmente" no local e na actividade em que nos encontramos e isto funciona, é lógico, para o bem e para o mal; o que devemos sempre é colher os ensinamentos devidos que as diferentes vivências nos vão mostrando...
    Claro que no teu momento actual, estás mais aberto a ouvir estas palavras, pois é sempre bom saber que as "coisas" não nos acontecem só a nós.
    Abraço amigo.

    ResponderEliminar
  10. Olá Martinha
    sim, tenho muita e diversificada experiência de vida, e não gosto de a guardar fechada, dentro de mim, pois sou muito extrovertido; mas não gosto de monólogos, e numa mesa com gente agradável o que mais prezo é a livre e aberta troca de experiências, já que estas não são apenas uma mais valia do factor idade: pode-se ser jovem e ter experiências fabulosas, assim como se pode morrer "virgem" de acontecimentos marcantes - depende das pessoas...
    Beijinhos.

    ResponderEliminar
  11. Caro Tong
    desconhecia que estibvesses dentro dos assuntos da UBI e dos seus polos de expansão: és, sem sombra de dúvida um multifacetado...
    Abração.

    ResponderEliminar
  12. Minha cara Jasmim
    é triste realmente ver o caminho por que evoluíram (negativamente, é claro)as empresas têyeis portuguesas; e não se pode falar aqui de má gestão, mas tão sòmente de um factor conjuntural muito específico mas determinante deste sector da indúsria.
    Sobre a "história" que em boa hora o Luís te passou para as mãos, peço-te que lhe dès a forma como está no meu blog, com todos os episódios e os links que os escreveram, assinalados no teu post; correcto? Estou certo que irá ser um sucesso a tua colaboração na história, que aliás, estará perto do fim...
    Beijinhos.

    ResponderEliminar
  13. Justine, boa amiga
    está tudo muito bem arrumadinho na nossa cabeça; é só um pequeno trabalho de memória e as palavras saem naturalmente...
    Quanto à música, alguma dela é intemporal, como algumas do Simon & Garfunkell.
    Beijinhos.

    ResponderEliminar
  14. Foi fantastico ler esta "pequena" memória tua, fez me lembrar como é complicado trabalhar com a familia, trabalhei muitos anos com o meu pai, até as nossas divergências me fazer sair de casa, e ir sozinho para lisboa, que aventura :D

    É pena a industria portuguesa não apostarem mais na alta qualidade e outros mercados "de luxo", pois só assim é que a nossa industria sobreviveria, tal como a industria dos relógios Suiço sobreviveu ao ataque dos relógios baratos vindos de china e japão, aumentando tanto o preço como qualidade, e deixando de ter assim o mesmo consumidor alvo.

    ResponderEliminar
  15. Caro Swear
    focas aqui uma das questões mais importantes do texto, que é a das empresas familiares.
    Eu sempre soube que estava "destinado" a ir trabalhar para a empresa, e até a escolha do curso me foi imposta, tanto que me fiquei pelo bacharelato, pois a minha escolha só seria História...
    E depois há os problemas e as incompatibilidades que quando surgem, são ampliadas e levadas para a Família...
    Eu nunca tive problemas com o meu Pai, na empresa, mas assisti a muitos entre o meu pai e meu Avô e depois entre meu Pai e o meu tio que passaram para mim; era impossível ter duas ideias diferentes de empresa, uma imobilística e outra vocacionada para o futuro...mesmo que incerto; venceu o imobilismo.
    Abraço.

    ResponderEliminar
  16. Meu caro: conheço relativamente bem a Covilhã e toda a Beira-Baixa. Gostei MUITO de te ler neste texto. Tem algo de biografia e de saudade misturada com sentimentos tão pessoais que só tu poderás sentir!
    Um abraço e obrigado!

    ResponderEliminar
  17. Tenho um desafio no meu blogue =)

    ResponderEliminar
  18. Oi meu estimado amigo Pinguim.
    Adorei seu blog. e suas fotografias.
    Essas viagens me faz lembrar de vidas passadas que me marcaram muito.
    E as vezes as mudanças são mesmo necessárias.
    Parabens, e continues nessas viagens.
    beijos da amiga do lado de cá.

    Te aguardo no meu cantinho.
    mil estrelinhas e seu caminho.

    ResponderEliminar
  19. Caro Sp
    como atrás disse, este texto tem um ano e tal, ainda quando do blog infelizmente apagado, mas é uma situação que recordo muito bem, pois passei ali 14 importantes anos da minha vida.
    Não sabia que conhecias aquela região, mas a Covilhã de hoje, nada tem a ver com a Covilhã de há 20 anos.
    Abraço peludo.

    ResponderEliminar
  20. Caro Ypslon
    já te deixei lá a minha resposta positiva.
    Abraço.

    ResponderEliminar
  21. Olá amiga Regina
    obrigado pela tua visita e pelas palavras agradáveis aqui registadas: já dei uma vista de olhos ao teu blog e hei-de voltar com mais tempo.
    Beijinhos.

    ResponderEliminar
  22. Meu querido, já conhecia parte da história, mas lê-la assim em bloco só vem reforçar-me o impacto e o espanto. Noto saudosismo e uma certa revolta, tudo perfeitamente compreensível. Mudam-se os tempos, vão morrendo partes de nós!

    Enfim, um grande abraço

    ResponderEliminar
  23. É lamentável o que se vê, sem quaisquer apoios, na Covilhã e em Manteigas. Por outro lado, ainda associado a este problema, as crescentes carências de famílias cujo agregado dependia desta indústria.

    Enfim...

    ResponderEliminar
  24. Carìssimo Paulo
    nem saudosismo, nem revolta; foram "tempos" que tiveram o seu tempo e que marcaram muito a minha vida, mas foram apenas parte dela, com momentos difíceis, mas também de boas recordações; o passado é isto...
    Abraços para vocês.

    ResponderEliminar
  25. Caro Paulo
    não só nessas duas terras; dou-te um exemplo de uma pequena terra perto de Castelo Branco, cujo nome é Cebolais de Cima, que vivia quase 100% dos lanifícios e onde segundo me parece, hoje não há uma única fábrica a laborar; e há Seia e Gouveia, para não falar do vale do Ave...
    Os têxteis morreram no nosso país!
    Abraço.

    ResponderEliminar
  26. É sempre bom fazer estas viagens á nossa história pessoal. Conheço bem a Covilhã. Gosto sempre de descer a Serra da Estrela por lá. Acho que qualquer dia tenho de lá dar uns bons passeios para respirar ar puro!
    A situação de declinio economico da zona dá mesmo pena. Acreditemos na pujança dos beirões.
    Abraço

    ResponderEliminar
  27. Amigo Sócrates
    só pelo ar da serra, vale a pena visitar a Covilhã; eu agora vou lá de raspão, passar o Natal, e visitar a minha Mãe; as pessoas são outras, já conheço pouca gente e parece-me outra cidade...estendida cá para baixo, o centro morre pela noite e os estudantes é que dão vida à cidade; quem diria, a Covilhã, uma cidade universitária!!!!
    Abraço.

    ResponderEliminar
  28. Hoje andei a navegar pelos blogs!
    Gostei do que li e de poder partilhar algumas das tuas recordações!
    Posso visitar-te mais vezes?
    Obrigado!
    Um Abraço
    VS

    ResponderEliminar
  29. Amigo Vitor
    mas que pergunta a tua? Claro que sim...
    Aliás temos um bom amigo em comum, o SP...
    Obrigado pela tua visita e volta sempre que queiras; o prazer será todo meu.
    Abraço.

    ResponderEliminar
  30. Olá :)
    è verdade, bem o podes dizer temos um bom amigo em comum, uma pessoa que admiro bastante e que tem um lugar muito especial o nosso grande amigo SP;)
    Concerteza que volto com mto gosto,gostei muito do teu blog e também gostava de poder vir a ser teu amigo! uma pergunta? São mesmo os teus Gatos? "lindos"
    Um abraço e obrigado pela tua simpatia e por tudo!
    VS

    ResponderEliminar
  31. São mesmo os meus gatos: o Boris e a Teka.
    Abraço.

    ResponderEliminar
  32. caro joão carlos: ___________________________

    ________________________

    ________________

    _________.

    ResponderEliminar
  33. Muita coisa por dizer, caro Sp?
    Talvez sim; e porquê aqui neste post? Por já estar "lido" e passar mais desapercebido? Talvez não; é a minha mente a elaborar esquemas...
    Abraço...enorme, e com muito pelo à mistura.

    ResponderEliminar

Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!