Havia a mesa grande, todos os anos mais esticada, onde ficavam os adultos, e a mesa pequena, cada ano maior, onde algazarravam os mais novos, infinitamente mais animada, improvisada junto à lareira, que naquela noite aquecia o conjunto das duas salas contíguas.
No entanto, a passagem da mesa pequena para a mesa grande era um estatuto que nos envaidecia, pois iniciava-nos nas conversas dos adultos, mas onde nos sentíamos náufragos e quantas vezes não invejávamos as sãs gargalhadas da outra mesa.
Uma canja quentinha iniciava o repasto, em que o bacalhau reinava e era invariavelmente elogiado como melhor que o do ano anterior. Havia também polvo, mas não tinha um grande número de apoiantes. O peru, enorme e completamente "entupido" por um maravilhoso recheio, seguia-se-lhe. No capítulo da doçaria, pois havia os sonhos, as filhós, aletria, arroz doce e as "papas" com desenhos de canela que me deliciavam.
Dois momentos eram sempre esperados: a aparição da Xica, muito pequenina, cada vez mais velhinha a desejar as Boas Festas, e a chamada ao "palco" da mesa grande, do meu primo
Depois do jantar, os presentes, no salão grande, em que cada sofá era ocupado por uma "família". Era grande a admiração da pequenada a comparar presentes iguais apenas com cores diferentes; os mais velhos escapavam a essa regra e tinham o seu presente autónomo.
Depois era o convívio, em que sempre sob o olhar severo do meu Avô, se ia inovando ano após ano, com as iniciativas dos netos mais velhos. Não esqueço as minhas iniciativas de mostrar a toda a família que a minha Avó tocava maravilhosamente piano, e quando a convenci a abrir um improvisado baile, dançando uma valsa comigo (que bom foi, Avó...).
Alguns iam à missa do Galo, ali ao lado na capela das Doroteias, e no regresso já com os mais pequenos adormecidos, com o andar dos tempos, despachávamos o Avô para a cama e já com melhor ambiente, chegámos a fazer interessantes jogos, como o adivinhar nomes de filmes por mímica, onde eu obrigava o meu Pai a explicar "O delicadinho do 5º.esquerdo" e a tia mais puritana o "Sexualmente tua".
Era uma festa, a consoada em casa dos meus avós.
Este texto foi escolhido para ser incluído no blog “Fábrica de Letras”.
Oh. Adorei o teu texto. Simplesmente delicioso tal como os petiscos, os jogos, a noite bem passada.
ResponderEliminar:) Assim vale a pena comemorar o natal, por um momento único em família.
Abraço.
As memórias conseguem ser mais doces que as guloseimas típicas do Natal...
ResponderEliminarAbraço
:) Natais felizes... I presume...
ResponderEliminarMuito agradável de ler e parece que te estamos a ver com a tua família :). Olha que há um problema com o link da fábrica de letras para aqui, não funciona por algum motivo...resolve isso( e também não tens um link daqui para lá! rrssss) Beijinhos:)
Isto sim e um Natal!!!! COm o espirito devido e tudo!
ResponderEliminarEu como venho de uma familia pequena, esta azafama nunca ocorreu...para grande pena minha...
Mas mesmo assim, em pequenito...ouvia do meu Avo o "cresce e aparece" e o "la vem o espalha brasas":)
Isto tudo em casa dos meus Avos...lembro me que iamos apanhar musgo e um pinheiro, para a arvore e o presepio...
Agora deixaste me pensativo em algo que ha muito nao me vinha a cabeca... e com fome tb...bacalhau, polvo...doces...upa upa:)
A tua Avo e eu...temos o piano em comum...:)
Abraco:)
Filipe
ResponderEliminaristo já foi há muitos anos, infelizmente; o ano passado então foi triste, muito triste: eu, minha Mãe e uma irmã, e muito apreensivos e com razão com o internamento súbito de outra irmã, 4 dias antes, e que veio a falecer em Fevereiro...
Vamos ver de este ano melhora um pouquinho...
Abraço amigo.
Caro Xis
ResponderEliminareste texto foi publicado mo Natal de 2006, na parte desaparecida do blog e depois recuperada quase totalmente pelo amigo Lampejo e devia estar incluído numa rubrica a que dei o nome de "Passado e Presente", onde tenho publicado algumas postagens dessa parte do blog.
Só não está "sinalizado" assim, porque é para ser incluído no blog "Fábrica de Letras", cujo tema neste mês de Dezembro é o Natal.
Abraço amigo.
Eva
ResponderEliminartenho realmente um problema, com a inclusão desta entrada na "Fábrica"; copiei o link para lá, como deve ser feito, mas devido a uma estupidez informática minha (mais uma), entretanto tinha eliminado o post do blog, o que emendei, repondo-o aqui, mas clicando no link, lá na "Fábrica" dá como "Texto não encontrado no blog"; não sei como eliminar o link lá, para o repôr de novo, agora que já está aqui de novo...
Podes dar-me alguma indicação como fazê-lo????
Beijinho.
Hydra
ResponderEliminaréramos cerca de 40 pessoas entre adultos e crianças e a minha Avó, que era uma Senhora (e santa por aturar o meu Avô), era o alvo de todas as atenções.
A Xica era uma antiga serviçal, que tinha criado o meu Pai e tio, quando eram crianças, já muito velhinha que ia sempre à mesa fazer um brinde a todos e adorava beber champagne...(está sepultada no jazigo da nossa família).
Ia a 3 missas por dia e dizia que era por causa dos malandrecos como eu e os outros, que não íamos a nenhuma, eheheh...
Abraço grande.
:)João, eu de informática sou um zero à esquerda... suponho que o melhor é tornar a colocar lá outro link, se fizeres questão e pedir na fábrica para te eliminarem o outro... será? Boa sorte! Beijo
ResponderEliminarEstá um belíssimo texto :)
ResponderEliminarFez me já recordar os meus natais quando era mais pequenino xD
A espera para abrir as prendas era dolorosa looool
Pois, há gente que ficou com toda a família e outros que foram deixados sem nenhuma ... :).
ResponderEliminarMas que também tive natais memoráveis, lá isso tive, ainda que com outras personagens e com outras gastronomias, mais exóticas.
Já dificilmente se encontram dessas consoadas, mas que a saudade fica, lá isso fica, e sempre com vontade de ser algum dia saciada ... no entanto, debalde!!!
Abraço forte à mistura com a memória!
Manel
Natais cheios de recordações para todos aqueles que nasceram numa familia católica.
ResponderEliminarUma descrição bem traçada pinguim.
Eva
ResponderEliminarfoi isso que fiz; já lá está um novo link, este a dar acesso ao blog e espero que a Fábrica elimine o anterior, que é igual, mas que não dá acesso, já que eu não posso fazê-lo...
Beijinho.
Ruy
ResponderEliminarmesmo com diferenças de idade consideráveis, todos nós vamos tendo recordações saudosas de Natais passados.
Abração.
Manel
ResponderEliminarantigamente, as famílias eram até mais tarde um grupo que era dificilmente ramificado; agora, logo após o casamento, e com o aparecimento do primeiro filho, dá-se uma autonomização e assim os grandes agregados familiares não existem mais.
Hoje, resta a minha Mãe, eu e uma irmã solteira; os outros têm os seus Natais...
Abraço grande.
Brown Eyes
ResponderEliminarquando se chega a uma certa idade e os factos são irrepetíveis, resta a saudade dos bons momentos; essas lembranças não nos deixam jamais.
Beijinho.
gostei tanto do teu testemunho!! é bom falar nestas coisas, porque relembrar a nossa história é de facto lembrar as nossas origens...
ResponderEliminarabc
Caro Sete
ResponderEliminare nós vivemos delas; por isso são tão importantes...
Abraço amigo.
O verdadeiro Natal é sempre o do passado.
ResponderEliminarJohnny
ResponderEliminarobrigado pela tua visita e concordo com a tua frase, claro.
Abraço.
cheio de saudades dos natais da minha infância, na quinta dos Avós. Bela contribuição Pinguim
ResponderEliminarChegado da Fábrica.
ResponderEliminarGostei do texto e posso dizer que, felizmente, posso me dar ao luxo de viver natais assim hoje em dia... mas lembro-me dos da infância.
Abraço
ainda consigo cheirar o forno de lenha da rua da minha avó, em Évora!
ResponderEliminargostei muito da forma como retrataste o Natal em família
Beijinhos
Amei! Trouxe-me boas recordações...há paralelismos, situações semelhantes vividas na minha família...
ResponderEliminarBjis
Comigo só se alteravam um pouco, existia sempre uma fogueira gigante a porta da casa aonde as pessoas passavam e vinham beber um "copo", isto do que me lembra, apesar de não ter sido a muitos anos, a tradição foi-se acabando, e acabou por morrer!
ResponderEliminarjá agora, fico sempre mais calmo no fim de ler o teu blog, acho que isto está a ficar viciante.
Speedy
ResponderEliminarquem não tem saudades desses natais; decerto só quem nunca os viveu...
Abraço amigo.
Catsone
ResponderEliminarobrigado pela visita...
És um felizardo em poder ainda viver natais assim; que seja por muitos anos.
Abraço.
Isabel
ResponderEliminarNatal e Évora: duas coisas que ligam tão bem...
Beijinho.
Maria Teresa
ResponderEliminarassim será mais fácil percebermos os natais passados de cada um de nós...
Beijinho.
Panic
ResponderEliminara tradição de nas terras mais pequenas se acender um enorme madeiro comunitário, transporta o Natal para um ambiente ainda mais amplo que o da família e há realmente uma comunhão de todos nessa ocasião, junto ao madeiro.
Abraço amigo.
Minha grande "festa" era na manhã do dia 25, quando encontrava os presentes de Papai Noel na porta do quarto.
ResponderEliminarSou capaz de recuperar essa emoção num piscar de olhos...
Tempos d'outrora, Pinguim. De sonhos, de fantasias tantas...
bj
Gentil carioca
ResponderEliminartens toda a razão; quão fácil é rebobinar esses filmes na nossa memória...eram tempos despreocupados em que, mesmo inocentemente, se vivia um total ambiente natalício.
Beijito.
Fora as características abastadas (a serviçal, por exemplo) As minhas consoadas eram bastante similares também. Excepto pel bacalhau. Na casa da minha avó era polvo e peru ou borrego :)
ResponderEliminarJá não me lembrava desses natais. Thank you :)
que saudades de um natal assim. as memorias que eu guardo dos meus "natais" são das mais felizes de toda a minha vida. obrigado por me dares a conhecer um pouco do teu natal passado e me fazeres lembrar do meu. obrigado! obrigado!
ResponderEliminarJohn
ResponderEliminaré bom saber isso; e não é ser saudosista, mas o Natal agora já não é a mesma coisa...
Abraço amigo.
Caro Maxwell
ResponderEliminareu não podia deixar de mencionar neste texto a "nossa" velha Xica, pois era sempre um momento alto da Consoada, o seu brinde; e ela foi para casa dos meus Avós como uma serviçal (era assim o nome que se usava), mas depois tornou-se quase um membro da família, e ficou mesmo sepultada, como referi no jazigo; é impossível ignorar as características de cada família, e sim, o meu Avô era uma pessoa abastada, mas isso não é motivo de vergonha; já o condenava bastante por certos comportamentos de que não gostava, mas isso era outra história...
Eu, quando vim para Lisboa estudar, no início dos anos 60, recebia para os meus gastos pessoais, incluindo transportes, 50$00 por semana, tudo menos a vida de um menino rico...
Fico satisfeito por te ter feito recordar os teus natais e a questão gastronómica varia um pouco conforme a região.
Abraço amigo.
E assim deveriam ser todos os Natais!
ResponderEliminarMuito bonito... quase se sente a atmosfera acolhedora. ;)
*
Ginger
ResponderEliminare era bem acolhedora, podes ter a certeza.
Beijinho.
Sim, nesses tempos o natal era caloroso, terno, familiar, humano!
ResponderEliminarAgora são luzes para encadear e embrulhos vazios de significado...
Abraço
Justine
ResponderEliminarnão podias ter definido melhor o Natal actual - é isso mesmo...
Beijinho.
Que saudades tenho dos Natais em casa da minha avô que as desavenças entre irmãos fizeram o favor de destruir!
ResponderEliminarEste ano vou no entanto ter um Natal novo, eh eh eh, e o melhor de sempre!
Abraço grande!
acho que as consoadas na casa dos meus avós acabaram, e será este o primeiro ano sem ela. enfim...
ResponderEliminartá lindo este texto, mesmo!
um beijinho grande
Pinguim, como é bom 'ler este Natal', que faz a imagem de como o Natal deveria ser ou como eu gostaria que os meus tivessem sido. A minha imagem de como era o Natal, ou pior, de como era a noite da Consoada
ResponderEliminar«Lá em casa éramos três pessoas. Eu, a minha mãe e a minha avó. Além de não estarmos incluídos no grupo das famílias numerosas, também não éramos pessoas religiosas. Por esse facto, como devem calcular, o Natal nunca teve muito significado. Particularmente por minha causa, era montada uma pequena árvore de Natal, onde se colocavam as poucas prendas existentes. Muitas vezes, as prendas eram logo entregues no início de Dezembro, ou seja, quando faziam mais falta. Nesses casos, para o dia 25, lá se compravam umas meias ou umas cuecas, que se embrulhavam para compor a pequena árvore de Natal.
Além de sermos poucos, a minha mãe também não podia comer de tudo. Poderia haver um prato mais fora do habitual, mas de resto, não fazia sentido estar a encher uma mesa de iguarias.
Quer a minha mãe, quer a minha avó, eram pessoas que se deitavam cedo. Por isso, também não iam mudar de hábitos na noite de Natal. Nesse tempo, não havia TV Cabo. Primeiro com dois canais e mais tarde com quatro, o problema é que a grelha televisiva era bastante deprimente e sem alternativas. Só com muita sorte é que dava um filme – repetido mil e uma vezes. Se o sono não chegava, a solução seria assistir à missa do galo e ‘mai nada’.
Assim, o Natal lá em casa não era uma quadra muito apreciada.»
Abraço
Olá Félix
ResponderEliminarsim, vai ser um Natal com um "Pai Natal" muito especial...
Aposto que vais ter umas noites quentinhas...
Abraço grande.
Sandrinha
ResponderEliminarquando a trave mestra cede, o edifício treme, e com a morte do teu Avô é isso que sucede em relação ao Natal, talvez....
Mas há-de ser bom na mesma, vais ver.
Beijinho.
Bluewater
ResponderEliminarfiquei muito satisfeito que tivesses publicado o teu óptimo conto na "Fábrica".
Como vês é fácil e é uma forma de partilha muito original.
Abraço amigo.
belíssimo texto. parabéns. merece ser lido.
ResponderEliminarabração
Miguel
ResponderEliminartirado do baú das(boas)recordações...
Abraço amigo.
Nada como histórias bem sentidas para se produzirem textos espectaculares.
ResponderEliminarparabéns!
bjs
Violeta
ResponderEliminara ficção nunca ganha à realidade...
Beijo.
Que belo texto.
ResponderEliminarA parte em que falas da mesa dos adultos e das crianças fez-me recordar também os meus Natais em família e de como me lembro de estar na mesa das crianças e como que a desejar passar para a outra. Ainda hoje me recordo do Natal em que, após grande "planeamento" de quem fica onde, se decidia quais putos já ficavam na mesa dos "grandes".
Hoje em dia olho para a mesa dos "pequeninos" e muitas vezes preferia lá estar.
Actualmente o Natal pouco me diz, e não vejo a hora de ser o dia seguinte.
Um forte abraço.
Miguel
ResponderEliminarpelo que vejo há pontos comuns nos nossos natais passados e presentes; também eu anseio para que chegue depressa o dia 26, infelizmente.
Abraço amigo.