Jorge de Sena (Lisboa, 2 de Novembro de 1919— Santa
Bárbara, Califórnia, 4 de Junho de
1978) foi poeta,
crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português.
Filho único de Augusto Raposo de
Sena, natural de Ponta Delgada e comandante da marinha mercante, e de
Maria da Luz Teles Grilo de Sena, natural da Covilhã e dona-de-casa. Ambas as famílias eram
da alta burguesia, a paterna de suposta linhagem aristocrática de militares e
altos funcionários, e a materna de comerciantes ricos do Porto. Segundo relata no seu conto Homenagem
ao Papagaio Verde, teve uma infância recolhida, solitária e infeliz, o que
fez com se tornasse introspectivo, observador e imaginativo.
Fez a
instrução primária e os primeiros anos do liceu no Colégio Vasco da Gama.
Concluiu os estudos secundários no Liceu Camões, onde foi aluno de Rómulo de Carvalho. Era um jovem que
lia avidamente, tocava piano e escrevia poemas. Na Faculdade de Ciências de
Lisboa, fez os exames preparatórios com as notas mais elevadas.
Sena nutria a
ideia algo romântica de se tornar oficial da marinha, seguindo as
pisadas do pai. Em 1938, aos 17 anos, entrou para a Escola Naval como 1º do seu
curso. A 2 de Outubro de 1937 , iniciou a sua viagem de instrução a bordo do navio escola Sagres. Visitou os portos de S. Vicente, Santos, Lobito, Luanda, S. Tomé e
Dakar, chegando a Lisboa no final de
Fevereiro de 1938 . O
contacto com a imensidão do oceano, a azáfama da vida a bordo e o movimento e
mudança constantes agradaram ao jovem Sena, mas nem tudo correu bem. Segundo o
relato de um antigo camarada de curso, naquele ano a viagem de instrução foi
excepcional e particularmente dura e exigente em termos de preparação e
destreza física, copiando o modelo da marinha alemã. Na parte teórica do curso
Sena era brilhante, mas em termos atléticos era medíocre e apesar dos muitos
esforços que fez não conseguiu satisfazer as elevadas expectativas do
comandante do curso, que parecia nutrir um ódio de estimação pelo cadete
contemplativo e intelectual. No final da viagem, foi comunicado a Sena que iria
ser proposta a sua exclusão da Marinha por lhe faltarem as "necessárias qualidades"
para oficial. Sena ficou profundamente frustrado e desgostoso com esta rejeição
e o seu afastamento definitivo de um modo de vida que tanto almejava.
Apesar da sua inclinação natural
para a literatura, o sobredotado Sena decidiu frequentar o curso de Engenharia Civil, iniciando-o em
Lisboa e concluindo-o no Porto, em 1944, com a ajuda financeira dos seus amigos Ruy Cinatti e José
Blanc de Portugal. O curso pouco o entusiasmou, mas durante todo esse tempo
escreveu bastantes poemas, artigos, ensaios e cartas. Desde os 16 anos que
escrevia e em 1940, sob o
pseudónimo de Teles de Abreu, publicou os seus primeiros poemas na revista Cadernos de Poesia, dirigida
por Cinatti, Blanc de Portugal e Tomás
Kim. Em 1942, publica o seu
primeiro livro de poemas, Perseguição,
que não impressiona muito o seu amigo e crítico João Gaspar Simões e Adolfo Casais Monteiro considera-o um livro revelador mas
difícil.
Em 1947, Sena inicia a sua carreira de
engenheiro, que durou 14 anos. Trabalhou como engenheiro civil na Câmara Municipal de Lisboa, na
Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e na Junta Autónoma das Estradas
(JAE), onde permanecerá até ao seu exílio para o Brasil em 1959.
Em 1940, no Porto, Jorge de Sena conhece
e torna-se amigo de Maria Mécia de Freitas Lopes (irmã do crítico e historiador
literário Óscar Lopes), começando
a namorar em 1944 e casando-se em 1949. Jorge de Sena e Mécia de Sena tiveram nove filhos. Mecia, sua
incansável companheira e enérgica colaboradora, apoiando o escritor nas
inúmeras crises que lhe surgiram ao longo de uma vida por vezes atribulada.
Trabalhava
incansavelmente, para sustentar a crescente família. Além do seu absorvente trabalho
diurno na JAE (que lhe possibilitou viajar e conhecer o Portugal profundo),
Sena também se dedicava à direcção literária em editoras, à tradução e revisão
de textos, ocupações que lhe roubavam precioso tempo para a investigação
literária e a para a sua obra. A banalidade e a pequenez do quotidiano no
Portugal de Salazar das décadas de 1940 e 1950
atormentam-no, bem assim como a mediocridade, a mesquinhez e a intriga dos
meios literários, a opressão política, a censura literária, resultando num
ambiente de trabalho sufocante e absolutamente frustrante, mas que não deixam
de o inspirar para o poema É
tarde, muito tarde na noite…
Durante
esses anos publica várias obras: O
Dogma da Trindade Poética – Rimbaud (1942), Coroa da Terra, poesia (1946), Páginas de Doutrina Estética de
Fernando Pessoa(organização), 1946, Florbela
Espanca (1947), Pedra Filosofal poesia (1950), A Poesia de Camões (1951), etc.
A sua situação como escritor e
cidadão estava a tornar-se insustentável. Como escritor, não tinha tempo livre
para escrever, apenas o podia fazer de modo insuficiente e limitado à noite e
aos domingos. Também o facto de não pertencer a nenhum círculo académico e a
falta de apoio institucional lhe frustrava qualquer pretensão de poder vir a
editar alguma obra mais ambiciosa. Por outro lado, a sua participação numa
tentativa revolucionária abortada em 12
de Março de 1959, colocou-o em posição de prisão
iminente, no caso muito provável de algum dos conspiradores presos pela PIDE denunciar
os que ainda se encontravam livres.
Em Agosto
de 1959, viajou até ao Brasil, convidado pela Universidade da Bahia e pelo Governo Brasileiro a participar
no IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros. Tendo sido convidado
como catedrático contratado de Teoria da Literatura, em Assis, no Estado de S. Paulo, aproveitou essa
oportunidade e aceitou o lugar, iniciando assim o seu longo exílio. Ele faz amizade com o poeta Jaime Montestrela, que dedicou o seu
livro Cidade de lama. Por
motivos profissionais teve de adoptar a cidadania brasileira.
Não foi
contudo um exílio libertador. Sentia saudades da pátria, apesar do rancor
perene que nutria pela pequenez, mesquinhez e falta de reconhecimento nacionais
que o atormentariam até ao final da vida.
Em 1961, Jorge de Sena foi ensinar
Literatura Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Em 1964, depois de vencer alguns
preconceitos académicos pelo facto de ser licenciado em Engenharia, Jorge de
Sena defendeu a sua tese de doutoramento em Letras (Os Sonetos de Camões e o
Soneto Quinhentista Peninsular), tendo obtido os títulos académicos "com
distinção e louvor".
O período
de seis anos que passou no Brasil foi muito produtivo. Finalmente, tinha toda a
disponibilidade para se dedicar à sua obra com a devida profundidade e
profissionalismo. Poesia, teatro, ficção, ensaísmo e investigação. Parte do
romance Sinais de Fogo e a totalidade dos contos Novas Andanças do Demónio foram escritos neste período.
A degradação da situação política
no Brasil, com a instalação de uma ditadura
militar a partir de Março de 1964, fez com que Jorge de Sena, mais
do que nunca avesso a prepotências, aceitasse um convite para ensinar Literatura
de Língua Portuguesa na Universidade
de Wisconsin, para partir para os Estados
Unidos em Outubro de 1965. Em 1967 foi nomeado catedrático do
Departamento de Espanhol e Português da referida universidade.
De 1970 até 1978 foi
catedrático efectivo de Literatura Comparada na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara. Apesar da satisfação de
ensinar e da amizade que os alunos lhe dedicavam, Sena não foi feliz.
Queixava-se da "medonha solidão intelectual da América" onde não
havia "convívio intelectual algum" e da esterilidade e espírito burguês
do meio académico, que não se interessava pela sua obra.
Quando se
deu o 25 de Abril Jorge de Sena ficou entusiasmado e
queria regressar definitivamente a Portugal, ansioso de dar a sua colaboração
para a construção da democracia. Sena visitou Portugal, contudo, nenhuma
universidade ou instituição cultural portuguesa se dignou convidar o escritor
para qualquer cargo que fosse, facto que muito o desiludiu e amargurou,
decidindo continuar a viver nos Estados Unidos, onde tinha a sua carreira
estabelecida.
Jorge de
Sena morreu em 4 de Junho de 1978,
aos 58 anos, de cancro. Em 11 de Setembro de 2009,
os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, para o cemitério do Prazeres em Lisboa,
depois de uma cerimónia de homenagem na Basílica
da Estrela, com a presença de familiares, amigos e entidades oficiais.
Foi um dos mais influentes
intelectuais portugueses do século XX, com vasta obra de ficção, drama, ensaio e poesia,
além de importante epistolografia com figuras tutelares da literatura
portuguesa e brasileira. A sua obra de ficção mais famosa é o romance autobiográfico Sinais de Fogo, adaptado ao
cinema em 1995 por Luís
Filipe Rocha. Grande parte da sua obra foi publicada postumamente pelos
cuidados da viúva, Mécia de Sena.
Acabei de ler à dias o romance “Sinais
de Fogo” de Jorge de Sena, do qual já tinha lido com muito agrado uma
colectânea de contos sob o título “Os Grão Capitães”.
Este romance, em que a personagem
principal, Jorge, tem muito de autobiográfico, passa-se na sua maior parte na
Figueira da Doz, uma praia onde passei grande parte dos Verões da minha
infância e da minha juventude; e se bem que a época seja diferente (finais dos
anos 30 do século passado), não diferiria muito da Figueira dos anos 50/60 que
eu conheci.
È um livro nem sempre fácil,
devido às muitas considerações filosóficas que o autor vai entremeando com o
decorrer da acção, mas com um elevado valor intelectual, podendo sem qualquer
dúvida considerar-se talvez o mais importante ou pelos menos dos mais
importantes marcos da literatura portuguesa da segunda metade do século XX.
Com uma inesperada e nada contida narração
sexual, tem, ouso dizê-lo, das mais ousadas narrativas sexuais jamais escritas
em português, desde o mundo da prostituição, ao amor heterossexual puro (?), ás
orgias, ao sexo homossexual, enfim, para todos os gostos, mas nunca gratuito ou
deslocado.
No meio de toda a acção está a
Guerra Civil Espanhola, a confirmação da ditadura portuguesa, a ascensão do
nazismo e todos os fenómenos daí advindos na formação humana e política do
Jorge.
O livro pode considerar-se
inacabado, pois haveria várias hipótese finais que nunca chegaram a ver a luz
do dia; apesar de tudo é um longo romance, com cerca de 600 páginas.
Deste
romance foi realizado um filme, por Luís Filipe Rocha, em 1995 tendo Diogo
Infante como protagonista, cujo trailer aqui deixo.
E também deixo o primeiro vídeo de uma magnífica série de cinco episódios, apresentados na RTP 2, sob o título genérico de Grandes Livros, e que merece ser visto na íntegra (está no You Tube). Curiosamente as cenas do filme aqui apresentadas não são do filme do LFRocha.
Um livro memorável que merece a atenção de quem se interessa por ler, mas também por quem se interessa por um período tão interessante da nossa História recente.
Um livro memorável que merece a atenção de quem se interessa por ler, mas também por quem se interessa por um período tão interessante da nossa História recente.