Que os rios, sim, que como touros mugem,
Transbordando atulhassem as regueiras!
(Publicado no meu desaparecido blog em 25 de Novembro de 2006)
Pessoal e transmissível
Que os rios, sim, que como touros mugem,
Transbordando atulhassem as regueiras!
(Publicado no meu desaparecido blog em 25 de Novembro de 2006)
Sempre gostei nuito desta canção com um dos poemas mais belos de Ary dos Santos; quando o poema se tornou realidade, tornou-se uma canção incontornável para mim.
Para ti, Déjan, minha "estrela da tarde"...
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!
“Quem pode impedir a Primavera
Se as árvores se vão cobrir de flores
E o homem se sentiu sorrir à Vida?
Quem pode impedir a surda guerra
Que vai nos campos deslocando as pedras
-Mudas comparsas no ritmo das estações-
E da terra inerte ergueu milhares de lanças
Que a tremer avançam, cintilantes, para o limite
Em que a luz aquosa se derrama
Como um mar infinito onde o arado
Abre caminhos misteriosos à seiva inquieta!
Quem pode impedir a Primavera
Se estamos em Maio e uma ternura
Nos faz abrir a porta aos viandantes
E o amor se abriga em cada um dos nossos gestos!
Quem?...
Se os sonhos maus do Inverno dão lugar à Primavera!”
Armando da Silva Carvalho, nasceu, perto de Óbidos, em 28 de Março de 1938.
Frequentou um colégio particular nas Caldas da Rainha e, depois de passar pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, licenciou-se em Direito, na mesma Universidade.
Entretanto exerceu várias profissões: empregado de escritório, tradutor, jornalista, copy-writer numa agência publicitária e, finalmente, a advocacia em Lisboa.
Em 1962 foi-lhe atribuído o Prémio Revelação pela Sociedade Portuguesa de Autores, pelo seu livro “Lírica Consumível”.
Tem várias obras de poesia publicadas, entre elas “Alexandre Bissexto” (1983), “O uso e o abuso” (1976), “Técnicas de engate” (1979) e “Em nome da mãe” (1994).
Publicou também “A vingança de Maria de Noronha” (1988), “O homem que sabia a mar” (2001) e recentemente, em 2006, junto com Maria Velho da Costa, “O livro do meio”.
É um dos melhores poetas portugueses revelados nos anos 60.
Colocas mais palavras
sobre o corpo. Divagas
construindo os pés
de uma retórica
por vezes
fraudulenta.
Por vezes
só.
Sino de músculos
aos meus tão periféricos.
Tão oca. Tão sonora.
Tão perfeita.
Com seu motor erótico
posto em movimento.
Teus lábios
despegam-se
de uma boca harmónica.
Transitam cordiais
num espaço proibido
enriquecido
por límpidos sinais.
Por vezes
tão solene
que os meus olhos
se fundem
liturgidos
na água preciosa
dessa sucinta flor
tão especiosa.
Os meus vocábulos
Dou-tos.
Cruzam c’os teus
no parapeito histórico
em que debruças
o corpo já sem fraude
que mil e uma vezes
pronuncias.
Por vezes
Som.
Subindo na solidão doméstica
com seus talheres de sonho.
Inversa dessa boca transitória
que mastigava a minha
na meiga confusão
dos beijos
e da sesta.
Teu rosto
nesta ilha requintada
onde a chuva choca
os planos pacientes da tristeza
- teu rosto é um turista.
E um voo que se freta
num espaço doente
e a que eu liberto agora
toda a pista.
Por vezes
Sonho
com a matéria
magnífica
dos teus membros,
teus dentes incrustados
numa manha altiva.
E o mar
dá-me esta ilha
todas as manhãs.